segunda-feira, 31 de outubro de 2016

ORAÇÃO DA FAMÍLIA

Por Dom Marcos Barbosa*

Bem debaixo, Senhor, da Tua asa,
Coloca a nossa casa.

Nossa mesa abençoa, e o leito, e o linho,
Guarda o nosso caminho.

Brote em torno o jardim frutos e flores,
Nossa boca, louvores.

Conserva pura a fonte de cristal,
Longe o pecado e o mal.

Repele o incêndio, a peste, a inundação,
Reine a paz e a união.

Bem haja na janela o azul do dia,
Na parede, Maria.

Encontre a noite quieta a luz acesa,
Quente sopa na mesa.

Batam à porta o pobre e o viajor,
E tu mesmo, Senhor.

Tranquilo seja o sono sob a cruz
Que a outro nos conduz.

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*in. Revista A Ordem, Rio de Janeiro, Vol. LIV - Dezembro de 1955 - N.6, p. 44.

LÉON BLOY FALA SOBRE A COMUNHÃO DOS SANTOS

"O menor dos nossos atos ecoa em profundidades infinitas e faz estremecer todos os vivos e todos os mortos, de modo que cada um dentre os milhões de seres humanos está, realmente, só diante de Deus. Tal é o abismo de nossas almas, tal é o seu mistério. Nossa liberdade é solidária ao equilíbrio do mundo e isto é necessário compreender para abarcar sem espanto o mistério da Reversibilidade, designação filosófica do grande dogma da Comunhão dos Santos. Todo homem que produz um ato livre, projeta a sua personalidade no infinito. Se dá de má vontade um níquel a um pobre, esse níquel fura a mão do pobre, cai, atravessa a terra, rompe os sóis, alcança o firmamento e ameaça o universo. Se comente um ato impuro, obscurece talvez milhares de corações que não conhece, que correspondem misteriosamente a ele e que têm necessidade de que esse homem seja puro, como um viajante que morre de sede tem necessidade do copo d'água de que fala o Evangelho. Um ato caridoso, um movimento de piedade verdadeira, canta em seu favor os louvores divinos, desde Adão até o fim dos séculos, cura os doentes, consola os desesperados, apazigua as tempestades, resgata os cativos, converte os infiéis, protege o gênero humano". 
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Citado por F. Peixoto Filho. “Léon Bloy ainda desconhecido”, in. Revista A Ordem, Rio de Janeiro, Vol. LIV - Dezembro de 1955 - N.6, p. 56.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

A NOITE COM DEUS

Jorge de Lima*

Que canseira tremenda neste fim de tarde! Nem vontade de nenhum alimento nem de nenhuma distração a não ser o desejo de ficar a noite, toda esta longa noite convosco, Cristo Rei! A noite vem e os homens vão dormir mais uma vez e as noites serão cada vez menos, até a noite da Eternidade. A caminho da morte as noites vão, vão, vão! O silencio foi feito para a noite e a vigília na noite põe o homem mais próximo de Deus. Há pássaros que vivem de noite, há frutos que amaduram de noite, há flores que só dão de noite, há cantos que só se ouvem de noite. Cristo Rei que encheis o silencio e o espaço da noite e que estais comigo em todas as horas da noite e fechais os olhos dos que vão dormir e que vão morrer durante esta noite, Cristo Rei ficai comigo dentro de minha noite. Os que vão sem destino e sem poiso na escuridão e os que vão pelos cais, pelas ruas desertas, os que caem na sombra, os doentes sem cura precisam vos encontrar nesta noite longa, Cristo Rei, precisam vos encontrar nos seus leitos de morte, nas suas vielas, nas suas quedas da noite. A noite mansa desce como uma fronte cansada. Cristo Rei amparai a minha fronte cansada dos pesadelos da vida, das angustias da hora, da inquietação dos dias dos homens! Cristo Rei iluminai a escuridão de meu espírito, enchei totalmente o espaço imenso que a iniquidade do mundo põe no cérebro de todos os seres inquietos dentro da noite longa. Não terei medo junto de meu Rei! Há lobos lá fora! Cristo Rei não me abandoneis dentro da noite longa.
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*In. Revista A Ordem, n. 83, 1937, p. 88.

DEUS ESTÁ EM NÓS

Deus está em nós. O homem que procura a Deus não se sente mais isolado; o vácuo de sua vida é povoado pela presença do divino hóspede. Sofrerá aparentemente como os outros homens; porém, sabe que a "graça" indentificando-o com Cristo, há de realizar nele os mistérios do Crucificado, e vê na própria dor um elemento essencial da sua perfeição. Sofre para se parecer com Cristo. Sofre para destruir em si os laços que o prendem ainda a quem não é Deus. Caminha mais alegre; alguém o ajuda a carregar sua Cruz; tem por companheiro um amigo fiel.
E quando este homem se afastar da agitação exterior para se recolher em si mesmo, não encontrará apenas um "eu" vazio de tanto correr atrás de vulgaridades, um "blasé" feito para cousas que não consegue realizar, encontrará o mestre interior: seu Deus.
Quem medita sobre o mistério da Graça, que em nós é a participação da própria vida divina; quem reflete como a Fé e a Caridade conseguem penetrar as mais elevadas de nossas faculdades; transformar em divinas as nossas aspirações humanas; dar ideias divinas a nossa inteligência; fazer que o homem dominado pela Fé, pense naquilo mesmo em que Deus pensa, julgue as cousas como Deus as julga, veja como Deus vê; quem considera a Liturgia, os Sacramentos e sobretudo a Missa, envolvendo a alma toda e até o corpo numa atmosfera sacral, compreende que realmente é a vida que Jesus trouxe ao mundo.
Somente Cristo dá um sentido à Vida. Só Ele preenche as energias profundas de nossa alma. Só Ele povoa um coração. As almas de Fé sentem, como que experimentalmente, que sem Cristo tudo é noite, tudo é morte; que o mal pior é viver à margem do ideal e não sujeitar ao Mestre todas as fibras do seu ser.
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Frei Sebastien TAUZIN O.P. “A alma de nosso tempo”, in. Revista A Ordem, Rio de Janeiro, n.88, Março de 1938, p. 234.