sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

A CIDADE CATÓLICA É SACRAMENTAL, ETERNA, TRANSCENDENTE

A Cidade Católica é sacramental, eterna, transcendente, de uma beleza precisa; nela tudo se harmoniza: a unidade e a totalidade, o permanente e o contingente, o passado, o presente e o futuro. E assim, em termos cristãos, carece de sentido falar de progresso e menos de progresso indefinido. Porque o progresso não pode consistir senão na perfeição do encontro do homem com Deus em Cristo, em um conhecimento cada vez mais próximo e amoroso, sem saltos dialéticos, sem surpresas, sem armadilhas.
Na Cidade Católica tudo tem seu fundamento em Cristo. Por exemplo, a dignidade do homem deriva de sua condição de filho de Deus e se efetiva pelo amor ao próximo. A verdadeira liberdade feminina toma seu arquétipo e sua força da Virgem, Mãe e Corredentora. A educação se ordena segundo a Verdade e a política segundo o Bem Comum.
Em troca, tudo se torna confuso e, sobretudo contraditório na Cidade do Homem. Assim, o Livre Exame substitui a Autoridade da Verdade e o principio da duvida fundamenta esse pluralismo relativista ou agnóstico, ao que desafortunadamente parece haver-se aberto a própria Igreja e a Cátedra de Pedro, outrora sede da Verdade e da unidade na verdade. O mesmo ocorre no plano da filosofia. O homem cristão, herdeiro de Platão e de Aristóteles, integrou a razão natural com a fé sobrenatural, síntese que é corroída a partir de Descartes; essa ruptura tornou, primeiro, desnecessária a teologia e depois impossível a metafísica. E aqui se volta ao núcleo da inteligência modernista, a negação da entidade do ser, pelo que “nada é o que é”.
No plano do direito, o cristianismo também integra a justiça natural com a caridade sobrenatural. Esse belo edifício composto pela justiça distributiva e comutativa, cuja expressão é o Contrato, se realça, se completa e se extrema pela Caridade. Nada pode substituir o amor, generosidade, a capacidade de sacrifício.
O amor está na base da Pátria e da Família. Mas a Revolução francesa alterou esta ordem e destruiu estes pressupostos. Dessacralizou a sociedade, secularizou o poder, impulsionou a soberania popular sobre a de Deus e os direitos do homem contra os do Criador.
Por sua vez, a generosidade – manifestação do amor – foi violentamente substituída pelo egoísmo individualista, cuja raiz psicológica é o prazer desordenado, sua explicação biológica é o darwinismo e sua expressão socioeconômica, o capitalismo.
A Pátria. Que é a Pátria? É aquela porção espiritual que faz do homem um ser com raízes no passado, um filho de algo, um herdeiro – como disse Maurras, o homem é, antes de tudo, um herdeiro -. A Pátria não é um fato voluntário nem seu ser deriva da convenção nem seus caracteres do consentimento ou do capricho dos homens. É um fato da natureza, da história e do espírito. É um fato político, geográfico, emocional, cultural e econômico. A Pátria não se escolhe, se recebe; não se a cria, dá-se continuidade a ela; não é inventada, é-se admitida. Como a família, o sangue e o nome. É uma ordem onde, longe de ser anula, a liberdade do homem se eleva e, por assim dizer, se enriquece, se dignifica e se significa.
Portanto, a Pátria não é uma reunião de indivíduos agregados, não é um conglomerado de vontades isoladas, é, ao contrário, um corpo orgânico que ‘tem a missão de resistir às tormentas do Tempo’, para citar novamente Maurras.
O amor pela pátria é ou supõe o amor ao passado. Porque o elemento vivo da pátria é a Tradição, aquilo que foi, que se fez e que se transmite. E nesse ato de entrega e de recepção, nessa transmissão, é em que consiste a concepção dinâmica da Pátria.
Mas, também, a Pátria é uma essência fixa, como disse Genta. “As pátrias são eternas”, como dizia Barres e repetia Maurras.
Este amor ao passado envolve um ato de piedade.
Sempre o cristianismo está recorrendo com seu sangue fecundizante os sentimentos do homem ocidental. E é um dever “de piedade para com o passado” nos voltar para Espanha, a Mãe, a que nos incorpora ao Império das Duas Romas e nos faz universais. Tudo Dela recebemos, desde a Verdade que nos redime e nos liberta até as instituições que nos ordenam e o idioma que nos vincula.
A dispersão desta herança produziu a dispersão do ser nacional, o ser da Pátria. Por isso a solução não é tanto política nem tão só moral senão espiritual, que quer dizer total e principista. Voltar a uma terra de senhores, “cavaleiros gaúchos como aqueles manchegos [da região espanhola de La Macha]”.
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VÍCTOR EDUARDO ORDOÑEZ
Buenos Aires, 20 de octubre de 1975


*Estudo preliminar ao livro “A guerra contrarevolucionária: La Doctrina Política Antisubversiva”,  de Jordan Bruno Genta.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

LIBERALISMO, COMUNISMO E MODERNISMO

- As três rãs – disse – são o liberalismo, o comunismo e o modernismo. As três heresias desaforadas, saltimbancos, brejeiras e entrelaçadas.
- O coaxar do liberalismo é “liberdade, liberdade, liberdade”; o coaxar do comunismo é justiça social; o coaxar do modernismo, de onde nasceram os outros e os reunirá um dia, poderíamos atribuir-lhe este significado: “Paraíso na Terra”; “Deus é Homem; o homem é deus”.
- E a democracia? – Perguntei eu.
- É o coro das três juntas: democracia política, democracia social e democracia religiosa.
(...)
A pior idolatria. Pois por trás do “modernismo” está latente a idolatria mais execrável, a apostasia mais perfeita, a adoração do homem em lugar de Deus, e isso sob formas cristãs e ainda, talvez, mantendo a aparência da fé.
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Leonardo CASTELLANI. "Las Tres Ranas", en Los papeles de Benjamín Benavides, tercera edición, Buenos Aires: Dictio, 1978, pp. 46-47.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

AS DUAS REPRESSÕES POSSÍVEIS...

“Senhores, não há mais que duas repressões possíveis: uma inferior e outra exterior, a religiosa e a política. Estas são de tal natureza, que quando o termômetro religioso está alto, o termômetro da repressão está baixo, e quando o termômetro religioso está baixo, o termômetro político, a repressão política, a tirania, está alta. Esta é uma lei da humanidade, uma lei da história. E se não, senhores, vejais o que era o mundo, o que era a sociedade que cai do outro lado da Cruz, dizei o que era quando não havia repressão interior, quando não havia repressão religiosa. Então, aquela era uma sociedade de tiranias e de escravos. Citai-me um só povo daquela época onde não houvesse escravos e onde não houvesse tirania. Este é um fato incontrovertível, este é um fato incontrovertido, este é um fato evidente. A liberdade, a liberdade verdadeira, a liberdade de todos e para todos não veio ao mundo senão com o Salvador do Mundo”.
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Juan DONOSO CORTES. Obras Completas. Tomo II, Madrid: Biblioteca de Autores españoles, 1946, p. 197.


quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

DIÁLOGO

Tomei novo ao vocábulo, outrora límpido e belo, e só o empregarei para designar os de Platão ou semelhantes. Certamente o amigo quer-me perguntar se espero “melhores relações” ou “menos atritos” ou “maior entendimento” entre o novo governo e os eclesiásticos que nos últimos anos tantas vezes perturbaram a ordem publica a favor de uma caricatura de “justiça social” que hoje só pode ser engolida pelos tolos irremediavelmente tolos.
Posta a pergunta nesses termos, posso ainda simplificá-la a bem da clareza: terei eu esperanças de melhor comportamento cívico da CNBB e dos eclesiásticos desordeiros por conta própria?
Mesmo sem ser profeta nem adivinho, esboço o meu temor: não acredito no progresso ou no amadurecimento da maioria episcopal que fala a língua das esquerdas e pensa que pensa pelo pensamento delas. Não vejo possibilidade de emenda onde não se vê o mais débil sinal de contrição ou atrição. Eles estão satisfeitos e felizes. Depois de terem engolido a ideia central: que a Igreja deve acompanhar as andanças do “mundo” para não ficar atrasada; depois de terem achado luminosas as “aberturas” para as ruas nos momentos e lugares de maior perversão; depois de terem acreditado que a razão está com aqueles que vinte anos atrás eram inimigos da Igreja; depois de um novo credo descobrem entusiasmados que estão aqui, como “Igreja”, para agradar aos homens até o desprezo de Deus...
As pessoas que fazem essas sucessivas descobertas deveriam, decentemente, aliviar-nos de suas presenças nos lugares católicos. Deveriam ser mais sinceras. Enganam-nos elas tão deslavadamente? Ou enganam-se primeiro a si mesmas para depois nos enganarem? Não sei. A profissão de fé que fazem de mil modos todos os dias, sem incluir a singela declaração “não sou católico”, é todavia equivalente. Se eu disser que um Tal não é católico não me acusem de juízo temerário. Longe de mim essa pretensão de sondar os rins e o coração. Direi que Dom Tal tantas e tantas vezes declarou aos quatro-ventos suas ideias não-católicas que, vencido e fatigado, me inclino dizendo: - Acredito, acredito...
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Gustavo CORÇÃO. Melhores relações, em “O Globo”, 7/3/74.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

A PALAVRA VIOLADA E A SOLIDÃO

Para nosso Martín Fierro, dos bens que o homem recebeu de Sua Divina Majestade, o primeiro é a palavra, o segundo, a amizade. Contudo, hoje, no contexto da filosofia que chamamos da exterioridade, se fala da “palavra violada” e da solidão do homem contemporâneo. A palavra é violada em dois sentidos: como meio de comunicação, ou seja, como expressão de nossa interioridade, e como compromisso... a palavra hoje é violada como compromisso; em lugar de teorizar sobre a palavra de honra, seria melhor recuperar a honra da palavra; destas “palavras definitivas que marcam as fidelidades”, palavras de promessas, de votos, dessa perpetuidade que fixa, a partir de uma escolha livre, o destino de toda uma vida... Todo este aspecto parece muito estranho para uma civilização que optou em sua imensa maioria, não pelo que permanece, mas pelo que muda. Ingressamos de cheio na chamada “era da transitoriedade”, e caminhamos para um mundo que irá “romper irremediavelmente com o passado”, ao cortar “todos os marcos com os antigos modos de pensamento, de sentimento, de adaptação”...
O resultado é um homem extraviado, sem rumo, rodeado de quimeras e delírios, farto por uma quantidade de informação que não capaz de assimilar nem de ordenar. Um homem prisioneiro de uma nova erística, tão nefasta como a antiga, praticada pelos sofistas. Um homem sem ideais permanentes que lhe sirvam de base para configurar sua existência...
Isto engendrou certos tipos de homens que o filosofo alemão Dietrich von Hildebrand denomina os “homens borboleta”, superficiais, os quais “se desenvolvem nada mais que no nível exterior de sua consciência presente”; e outros, que chamamos com outra metáfora: os “homens cata-vento”, sempre atentos, para acomodar-se, em comprovar para onde sopra o vento”.
Vamos agora, ao segundo dos bens recebidos pelo homem segundo Fierro: a amizade. Contudo, em nossos dias, os homens encontram-se “mais preocupados pela questão da solidão que pela da amizade”. Em nosso Curso de Argumentação, já estudamos as raízes filosóficas deste problema, que vêm desde o final da Idade Média e configuram o idealismo moderno. Esse processo, Saturnino Alvarez Turienzo, o encerra em poucas palavras: “o nominalismo de Ockham vê o mundo como as dunas de um deserto, como uma poeirada de solidões; o mundo estará composto por Descartes por naturezas solitárias”.
Aqui se apresentam dois temas básicos: a solidão urbana e o desarraigo. A solidão urbana é um fenômeno de nosso tempo que se sente em especial nas megalópoles e nas cidades que cresceram sem guardar proporções humanas. Não é a solidão do anacoreta nem do ermitão, os quais se afastam da proximidade físico com os outros homens, para incrementar sua proximidade espiritual com eles e com Deus; não é a solidão acidental de Robinson Crusoe; tampouco é a solidão do poeta à qual se refere Francisco de Quevedo e Villegas em um soneto que leva como subtítulo “gustoso el autor con la soledad y sus estúdios”, o qual, em suas primeiras estrofes disse:
   
“Retirado en la paz de estos desiertos con pocos pero doctos libros juntos vivo en conversación con los difuntos y escucho con mis ojos a los muertos”.
“Si no siempre entendidos, siempre abiertos, o enmiendan o secundan mis asuntos; y en músicos, callados contrapuntos, al sueño de la vida hablan despiertos”.

Não é esta solidão, a do ermitão ou do poeta, mas outra, que é o resultado da debilitação e da ruptura das comunidades naturais básicas, das solidariedades mais elementares, substituídas por relações contratuais, por organizações despersonalizadas.
É a solidão como saldo de uma sociedade edificada a partir dos direitos e nãos dos deveres, resultado do individualismo e do egoísmo. É a solidão do ancião que em virtude da dissolução da grande família encontra-se recluso e até às vezes, depositado e abandonado em um asilo onde espera a morte; é a solidão da criança para quem seus pais não têm tempo e que passa horas absorvida e deseducada pela televisão; é a solidão da mulher ou do marido, os quais como resultado da lavagem cerebral que cotidianamente efetuam os meios de comunicação social, os ambientes e as modas, não percebem que têm a seu lado uma pessoa; é a solidão do pobre ou do doente, do órgão e da viúva, que não desperta generosidade, interesse nem solidariedade de próximos que evaporaram.
As solidões forçadas e involuntárias só se superam com a restauração da família, de seu papel educador e transmissor dos valores morais fundamentais, e das demais pequenas comunidades, âmbitos propícios para o dialogo, a convivência personalizada e a solidariedade vivida, não declamada nos discursos.
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Bernardino MONTEJANO. Filosofía clásica, amistad y concordia. In. Verbo (Madrid): Revista de formación cívica e de acción cultural, según el derecho natural y cristiano, n. 481-482, 2010, pp. 60.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

MARIA AUXILIADORA

..um poema de Paul Claudel*


O menino feinho que sabe que não estão orgulhosos dele 
e que dele não esperam grande coisa,
quando porventura se detém sobre ele um olhar carinhoso,
fica vermelho e sorri valentemente para não chorar.
Assim, neste mundo mesquinho, os órfãos e os que nada têm a esperar,
os que não têm dinheiro nem inteligência, nem estudaram humanidades,
assim como vivem sem tantas outras coisas, vivem também sem amizades.
Os pobres fazem pouco de si, mas não é impossível ganhar seu coração.
Basta prestar atenção um tanto neles e tratá-los com alguma consideração.
Toma, pois esta olhadela, amigo pobre; toma minha mão, mas não te fies muito de mim.
Logo estarei de volta entre os de minha origem e me haverei olvidado de ti.
Não há amigo seguro para um pobre, se não encontra a outro mais pobre ainda.
Por isso, pois, vem, irmã angustiada, e contempla a Maria.
Pobre mulher cujos filhos não valem muito e que diariamente vê chegar bêbado ao marido,
Quando o dinheiro não dá para o dia e se deseja não haver nascido,
Oh, quando tudo falta e de qualquer modo te sentes desgraçada,
Vem à Igreja, e contempla a Mãe de Deus sem dizer nada.
Qualquer que seja a injustiça que nos tenham feito, qualquer que seja a dor,
Quando os filhos sofrem, a pena da Mãe é ainda maior.
Contempla Aquela que está ali, sem queixa como sem esperança, e aproxima-te do altar
como um pobre que encontra a outro ainda mais pobre, e os dois se olham sem falar. 
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*publicado na revista Sol y Luna, n. 4, 1940, Buenos Aires: p. 143.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

O AGNOSTICISMO DA DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM

Meu querido amigo, Frei Victorino Rodríguez, O.P., que acaba de partir para a Casa do Pai, publicou uma crítica detalhada à Declaração [dos direitos do homem] de 1948 quando se cumpriram quarenta anos de sua proclamação. Minha coincidência profunda com sua crítica me obriga agora a citar com frequência seu excelente trabalho. Antes de tudo é necessário insistir na concepção não-metafísica do homem, o que implica ignorar os deveres naturais, raiz de todos os direitos. O agnosticismo da Declaração – que tão só exige como “fundamento” a liberdade individual e o mero “consenso social” – a impede de sustentar o direito à verdade e à veracidade e a conduz à absolutização da liberdade e da igualdade, deformadas como arbitrariedade e como igualitarismo que caracterizam-se por confundir a igualdade essencial com as desigualdades acidentais. De minha parte, demonstrarei que a liberdade (perfeição da vontade prévia a todo direito) é substituída por seu contrário que é a arbitrariedade individual; a igualdade especifica é substituída pela “igualação” ou igualitarismo contranatura; a fraternidade sustentada na igualdade essencial e na imagem e semelhança de Deus Criador é substituída por uma abstrata e não fundada “fraternidade” de fato inexistente. Os conceitos cristãos de liberdade, igualdade essencial e fraternidade, foram substituídos por seus contrários “iluministas” das jornadas de 1789.
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Alberto CATURELLI. Los derechos del hombre y el futuro de la humanidade, Revista Verbo, Madri, p. 10.