domingo, 27 de setembro de 2015

NO LAR SE FORJA A SORTE DOS ESTADOS

“A familia contém em si os germens da sociedade civil, e é em grande parte no lar doméstico que se vai criando a sorte dos Estados. Isto é tão verdadeiro que os que se propõem a arrancá-los do cristianismo, começam pela raiz, apressurando-se em corromper a família [...]

“É, portanto, rigorosa obrigação dos pais trabalhar e lutar para repelir toda usurpação nesta matéria e reivindicar para si exclusivamente o direito de educar seus filhos com espírito cristão, como deve ser, e desviá-los, custe o que custar, daquelas escolas onde estejam expostos a beber o mortal veneno da impiedade [...]

“Persuandam-se todos bem de que, para a boa educação das crianças, tem máxima importância a educação doméstica. Se a juventude encontra no lar as regras da vida virtuosa e uma como que escola das virtudes cristãs, segura está em grande parte a salvação da sociedade”.


__ Leão XIII, Encilica Sapientiae Christianae, 10 de janeiro de 1890.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

DEVEMOS ESTIMULAR O QUE É SOCIALMENTE BENÉFICO


A PERENE TENTAÇÃO LIBERAL

"O liberalismo encarna esse naturalismo negador de toda transcendência e sobrenaturalidade. É o que denunciou o magistério social da Igreja ao articular a contestação cristã ao mundo moderno. E é o que o pensamento político tradicional combateu no terreno dos princípios enquanto o povo cristão o selava, aqui e lá, com seu próprio sangue."

Miguel AYUSO. "A perene tentação liberal", Miguel Ayuso Torres, jurista e filósofo espanhol.


Miguel Ayuso Torres é um jurista e filósofo do direito espanhol, doutor na matéria e catedrático em Ciência Política e Direito Constitucional na Universidad Pontificia Comillas de Madrid, Espanha. É, com toda certeza, o mais eminente e destacado jurista da tradição clássica hispânica.


domingo, 20 de setembro de 2015

CONTEMPLAÇÃO DA PESSOA AMADA


"Enquanto avançamos aos tropeços, quilômetros a fio, vadeando pela neve ou resvalando no gelo, constantemente nos apoiamos um no outro, erguendo-nos e arrastando-nos mutuamente. Nenhum de nós pronuncia uma palavra mais, mas sabemos neste momento que cada um só pensa em sua mulher. Vez por outra olho para o céu onde vão empalidecendo as estrelas, ou para aquela região no horizonte em que assoma a alvorada por trás de um lúgubre grupo de nuvens. Mas agora meu espírito está tomado daquela figura à qual ele se agarra com uma fantasia incrivelmente viva, que eu jamais conhecera antes na vida normal. Converso com minha esposa. Ouço-a responder, vejo-a sorrindo, vejo seu olhar como que a exigir e a animar ao mesmo tempo; e - tanto faz se é real ou não sua presença - seu olhar agora brilha com mais intensidade que o sol que está nascendo. Um pensamento me sacode. É a primeira vez na vida que experimento a verdade daquilo que tantos pensadores ressaltaram como a quintessência da sabedoria, por tantos poetas cantada: a verdade de que o amor é, de certa forma, o bem último e supremo que pode ser alcançado pela existência humana. Compreendo agora o sentido das coisas últimas e extremas que podem ser expressas em pensamento, poesia - e em fé humana: a redenção pelo amor e no amor! Passo a compreender que a pessoa, mesmo que nada mais lhe reste nesse mundo, pode tornar-se bem-aventurada - ainda que somente por alguns momentos - entregando-se interiormente à imagem da pessoa amada. Na pior situação exterior que se possa imaginar, numa situação em que a pessoa não pode realizar-se através de alguma conquista, numa situação em que sua conquista pode consistir unicamente num sofrimento reto, num sofrimento de cabeça erguida, nesta situação a pessoa pode realizar-se na contemplação amorosa da imagem espiritual que ela porta dentro de si da pessoa amada. Pela primeira vez na vida entendo o que quer dizer: os anjos são bem-aventurados na perpétua contemplação, em amor, de uma glória infinita..."

____ Viktor FRANKL. Em busca de sentido.


Obs.: Enviado por KATHREN Silveira

O MITO E A REALIDADE DO AMOR

"Um só Tristão para uma só Isolda". Todo o amante julga única a sua bem-amada. É falso e é verdadeiro. O amor, como os contos de fadas, é uma mentira e uma realidade. Mentira, quando pretende aplicar-se às aparências terrestres, e realidade, como símbolo da vida espiritual e divina. Tem três graus: o sonho, que é uma aparência de aparência, depois esta aparência um pouco mais sólida do que nós chamamos o real, e enfim a verdadeira realidade, pressentida através do sonho e experimentada pela realidade imperfeita da vida quotidiana, a qual fecha o ciclo e nos põe em contacto com o eterno.
Todos os amorosos julgam possuir um ser eleito entre todos e encontrado por milagre. É estúpido, porque, não dispondo de uma escolha infinita, e impelidos por esta força essencialmente cega e anônima que é a sensualidade, são obrigados a contentar-se com o que encontram. O melhor amor, no princípio, não passa da combinação de uma necessidade e de um acaso. E o que nós amamos na bem-amada, é mais a posse do que o objecto, a consolação do que a consoladora. A própria fidelidade nada prova. Há homens de hábitos que se prendem a uma mulher, como certos amadores de vinho que só querem beber carrascão ou certos automobilistas que ficam sempre fiéis ao mesmo tipo de carro...
O amor verdadeiro começa quando a gente reconhece que o amor das criaturas não existe e que o ser "eleito" não passa de um alimento oferecido à nossa fome pelo acaso dos encontros ou de um equívoco e uma ilusão do nosso caminhar às cegas para o absoluto. Qualquer outro teria fàcilmente ocupado o mesmo lugar, porque não há pão duro para quem tem fome e toda a madeira é boa para fazer ídolos. A revelação é dura, mas deste banho de verdade, vasto e amargo como um oceano, vê-se surgir, como uma aparição que dissipa as aparências, um novo amor da criatura que nada mais deve à necessidade, ao acaso, e a mentira; este amor é puro, porque reconheceu e se despojou de todas as medidas, invulnerável, porque atravessou a morte, único, porque encontra no ser amado a imagem virgem do Deus criador. Mas antes de ressuscitar faz morrer, e é por detrás da lia do nada que se saboreia o ser.
Assim, nós não amamos um ser porque ele é único, pelo contrário, porque nós o amamos é que ele se torna único. É o amor que nos eleva à existência imutável e imortal; ele é "forte como a morte", porque, como ela, nos arranca ao tempo e às aparências. Antes de amarmos e sermos amados, não temos verdadeira existência; não passamos de uma nebulosa de possibilidades confusas e quase anônimas. O amor liberta-nos da massa informe e comum, do vão turbilhão dos átomos inseparáveis; de duas solidões faz uma. Assim, todos os blocos de mármore do mundo se assemelham mais ou menos; mas quando Miguel Ângelo escolheu um deles, ou fosse por acaso ou para esculpir o seu sonho, todos os acasos são imediatamente ultrapassados, e a forma da estátua corresponde a uma ideia única de um Deus eterno. E a matéria e a forma da obra tornam-se inseparáveis para sempre.
É precisamente o milagre do amor transformar os encontros do acaso em dons da Providência, e revelar-nos, através das provas que matam em nós tudo o que é mortal, a frágil e divina centelha de um amor irredutível a todos os denominadores comuns da matéria e do tempo. Como, sem passar pela morte, saberíamos nós que temos algo de imortal?


___ Gustave THIBON. O olhar que se esquiva à luz, Porto: Livraria Figueirinhas, 1957.

A VERDADEIRA FIDELIDADE

Caminha no teu amor, mas não esperes que a alegria te siga passo a passo. A felicidade não é a sombra do amor. Quando o amor avança, ela parece por vezes dormir ou recuar. Mas quando o teu amor tiver atingindo o seu fim que é Deus, a alegria unir-se-á de novo a ti num bater de asas e não te abandonará jamais.

A verdadeira fidelidade consiste em fazer renascer indefinidamente aquilo que nasceu uma vez, esses pobres gérmens de eternidade postos por Deus no tempo, que a infidelidade rejeita e a falsa fidelidade mumifica. Só o nascimento tem encanto, dizem os amantes da mudança; mas quem nao é capaz de renascer não chegou nunca a nascer, (há neste mundo mais abortos que nascimentos). O gesto de colher a flor é tão virgem como o de lançar o grão e o que não sabe esperar a colheita nada soube também da alegria e do amor do semeador: limitou-se a mover as mãos e embriagou-se com o seu gesto; não semeou...


Gustave THIBON. O que Deus uniu, Editorial Aster - Collecção Éfeso.

sábado, 19 de setembro de 2015

O PODER DAS TREVAS DOMINA AINDA O MUNDO...

Os melhores analistas do nosso tempo coincidem em ver nele aspectos de relevância, ao lado de outros fortemente negativos. Estão concordes com a tradição cristã, a qual sempre viu no mundo uma realidade ambivalente. Deus amou o mundo a ponto de lhe dar seu Filho unigênito. O mundo, nesse sentido básico, ontológico, o mundo da natureza e da criação, Deus declarou-o bom, muito bom (as naturezas são boas num duplo sentido: em si mesmas e nas suas atividades, operações, virtualidades de crescimento). Mas de outro lado, o estado presente desse todo, desse “mundo” é mau: a natureza humana, glória e fim da criatura material, está enferma, tem as forças debilitadas, o crescimento ameaçado. E na medida em que recusa a mensagem da salvação e a virtude saneadora da graça, o mundo se tranca no mal. Como acaba de nos lembrar o papa na sua alocução para o encerramento do presente Sínodo: “o poder das trevas domina ainda o mundo”.    


__ Alfredo LAGE. A Revolução da Arte Moderna, Rio de Janeiro, AGIR, 1969, p. 11.


A REVOLUÇÃO É A NAÇÃO CRISTÃ DESBATIZADA

“Não, não é apenas a Igreja católica, sua hierarquia e suas instituições que a Revolução Francesa visa desterrar da ordem civil, política e social. Seu princípio e seu objeto é eliminar o cristianismo por inteiro; ater-se unicamente ao que seus filósofos chamam dados da natureza e da razão. A Revolução é a sociedade descristianizada; é Cristo relegado ao fundo da consciência individual, separado de tudo o que é público, de tudo o que é social; desterrado do Estado, que já não procura em sua autoridade a consagração da sua própria; desterrado das leis, das quais sua lei não é nem mesmo a regra soberana; desterrado da família, constituída sem a sua benção; desterrado da escola, onde seu ensino não é mais a alma da educação; desterrado da ciência, onde obtém, por homenagem, nada mais que certa neutralidade não menos injuriosa que a contradição; desterrado de todas as partes com exceção, talvez, de um pequeno rincão da alma, aonde se consente em deixar-lhe um vestígio de dominação. A Revolução é a nação cristã desbatizada, repudiando sua fé histórica tradicional e pretendendo reconstruir-se fora do Evangelho, sobre as bases da razão pura, e que viria a ser a única fonte do direito e a única regra do dever. Uma sociedade que não tem outro guia, que as luzes naturais da inteligência, isolada da Revelação, nem outro fim, que o bem estar do homem neste mundo, feita abstração de seus fins superiores e divinos; eis aqui em sua ideia essencial, fundamental, a doutrina da Revolução”.


___ Mons. FREPPEL. La Revolución Francesa: con motivo del centenario de 1789, Trad. de Don Francisco Pons Boigues, Madrid: Biblioteca de "la ciencia cristiana", 1889, pp. 21-22.  

ELES QUEREM GOVERNAR-SE A SI MESMOS

“Nunca, na história, o poder foi menos coativo do que no século XVIII. Mas as ‘luzes’ conscientizam os indivíduos. Eles querem governar-se a si mesmos. O que aceitam cada vez menos é o princípio de autoridade”. 

___ Louis SALLERON. Libéralisme et socialisme, CLC, Paris, 1977, p. 10-11.


A FONTE DO MAL

“É um problema metafísico formidável, porque se não se crê na existência de Deus, e não se crê na existência do inimigo de Deus, e se crê, apesar disso, na existência do mal, a consequência é implacável: não tendo o mal sua fonte fora do homem, o tem no próprio homem. Seja como for, deverá encontrar o mal no homem”.


___ Marcel CLÉMENT. La apertura cristiana en el mundo y la dialética izquierda contra derecha, Barreiro y Ramos, Montevideo, 1974, p. 15.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

O HOMEM É QUEM FAZ A HISTÓRIA E NÃO O SEU PRODUTO

Gustave Thibon (1903-2001)

“... aprendemos que as essências são determinadas e que os atos, os acontecimentos são contingentes. Na atualidade nos é ensinado o contrário, a saber: que a natureza humana (se é que se tolera ainda o emprego desta palavra) é fundamentalmente contingente, indeterminada, maleável, enquanto os acontecimentos são necessários e que esses nos ‘informam’, nos re-criam sem cessar. Para esses pseudometafísicos tudo é obscuro no homem (seu ser, que não é definido jamais, se dissolve no econômico e no social), mas tudo é claro na história. Nós não sabemos o que somos, mas sim, sabemos para onde o tempo nos conduz. É o caminho que cria não apenas o objetivo, mas o próprio viajante... Para tal concepção não é o homem quem faz a história, é a história quem faz o homem. O tempo já não é uma tela a preencher, um instrumento oferecido ao homem para exercer sua liberdade, quer dizer, para realizar seu destino temporal e preparar seu destino eterno; não, o homem é instrumento do tempo, a matéria informe e caótica que recebe sua forma e seu fim desse demiurgo... A história assim erigida em ato puro e em potencia criadora, ressuscita em seu proveito as mais obscuras ideologias das idades bárbaras; nessa perspectiva, todos os sacrifícios humanos são permitidos e exigidos: contanto que a carruagem divina prossiga sua rota luminosa, que importam os seres obscuros triturados por suas rodas? Se, com efeito, tudo que é verdadeiro e tudo o que é o bem residem no porvir, os piores horrores do presente estão justificados: é bom tudo o que conduz a esse porvir, tudo o que se encontre conforme o ‘sentido da história’”.


__ Gustave THIBON. Revista Itinéraires, julho-agosto de 1956, núm. 5, pp. 2-3.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

PORQUE DEUS SE CALA

Resenha do livro "El silencio de Dios" do saudoso filósofo espanhol, Rafael Gambra (Editorial Prensa Española, Madrid, 1968. Prólogo de Gustave Thibon), elaborada por José Pedro Galvão de Sousa.



Deixemos falar o próprio autor. Numa entrevista dada a propósito deste livro e publicada na revista Roca Viva, assim justifica Rafael Gambra o título do mesmo: "O título desse meu último livro faz referência ao silêncio que Cristo manteve diante de seus acusadores e diante dos que em sua vida humana lhe falaram para tentá-lo. Alude também ao silêncio com que Deus responde aos mais duros transes da vida espiritual humana, e a como o homem deve saber escutar e interpretar esse silêncio na profundidade da fé. Refere-se, enfim, à duríssima prova que para a sobrevivência da fé e da Cristandade está supondo isso que se chame hoje ‘experiência pós-conciliar’', à angústia daqueles que creem hoje perder a fé ou a esperança, enquanto Deus, uma vez mais, responde com o silêncio da sua dor''.
Mostra-nos o livro como nascem as civilizações históricas, mediante uma re-ligação transcendente, isto é, sobre bases sacralizadas, e como perecem por uma dissolução interior, decorrente de lenta erosão provocada pelo racionalismo, negador daquelas bases. Neste sentido, toma como ponto de partida o duplo conceito de engagement e apprivoisement, de Saint-Exupéry, para fazer o processo, à luz dessas noções, da civilização moderna tecnocratizada e paulatinamente desumanizada. Desligado de suas bases transcendentes, o homem acaba por se tornar também desligado dos "compromissos'' que o fazem participar da vida social no seu sentido mais profundo - o comunitário - e deixa de "domesticar'' os seres dos reinos inferiores que o cercam, tornando-se um estrangeiro no seu próprio mundo. Daí o fenômeno da massificação e as concepções mecanicistas do Estado de direito do liberalismo e do totalitarismo nivelador.
Na visão realista de Aristóteles, indivíduo e sociedade são "aspectos de um só ser: o homem concreto, que é ao mesmo tempo individual e social (natureza individual com radical tendência à sociabilidade), como demonstra o fato de que nunca se conheceram homens sem viver em sociedade, nem sociedade alguma que absorva a individualidade como nos grupos de animais gregários (formigueiros, enxames)''. O abstracionismo racionalista gerou primeiro a idéia do homem fora da sociedade, de Rousseau, inspirando o constitucionalismo liberal, e depois a concepção da sociedade absorvendo os homens, característica do Estado totalitário. Tanto para o liberalismo quanto para o socialismo, a sociedade passa a ser algo de extrínseco para o homem, sendo que no caso do socialismo o Estado a constrói como "um habitáculo técnico forjado mediante a organização e a adaptação dirigidas". A organização do Estado liberal cifra-se a uma técnica de convivência das liberdades, e a do Estado totalitário consiste no planejamento dos serviços e dos seguros abrangendo toda a via humana.
"Em face de tais concepções de fundo racionalista" - escreve Gambra - "a autêntica reivindicação humana se expressaria num impulso que, segundo seus diversos aspectos, poderíamos chamar corporativismo, institucionalismo ou comunitarismo histórico. A ordem social não se cifraria assim em criar ou manter um poder racional e neutro que vele só pela liberdade dos indivíduos ou que os proveja de meios e seguros. Mas, pelo contrário, consistiria em recuperar mediante o compromisso e a domesticação o universo existencial de grupos e de instituições capazes de conferir sentido histórico, cordial, à vida coletiva dos homens, e ao mesmo tempo defendê-la das supercriações do Estado racionalista planificador”. Assim, pôde escrever Camus num de seus últimos livros: "A verdadeira libertação do homem se apoiou sempre nas realidades mais concretas: a família, a profissão, o município, que fazem transparecer em seus limites o ser, o coração vivo das coisas e dos homens". Tal, enfim, a idéia de Saint-Exupéry, que concebe a cidade como o navio ou a mansão dos homens, "comunidade de laços, de recordações, de esperanças, onde cada passo e cada tempo tem sentido".

"Compromisso, domesticação (apprivoisement) e corporativismo histórico vêm a ser assim os correlatos dialéticos do que no século racional foram o individualismo, a atitude estética e o liberalismo".

São sempre estas as idéias que dirigem o fio das reflexões contida no presente volume: "Na entrega (compromisso) e no amor, o homem cria sua própria personalidade e seu mundo próprio. Na sua sêde ou seu fervor, e na domesticação de um mundo valioso e sagrado para êle, está o verdadeiro homem e o sentido de seus dias".
Belas páginas sobre a "aceleração da história" - tão bem estudada por Daniel Halévy e por Marcel de Corte - e um capítulo impressionante sobre "a jogralizaçao da fé", comentado estas palavras de João XXIII: "Não é culpado somente quem de modo deliberado desfigura a verdade, mas igualmente quem, para estar "em dia", a atraiçoa com uma atitude ambígua".
Em seu prólogo, Gustave Thibon assim se expressa: "Num século em que reina o conformismo do absurdo e da desordem, em que o ídolo da revolução permanente se converteu em centro de atração para os rebanhos de escravos teledirigidos, nada há de mais novo e mais insólito do que pregar o retorno às fontes e defender a natureza e a tradição".
Essa pregação tem sido uma constante na vida de Rafael Gambra. Em El silencio de Dios ele a retoma, em meio à amargura da hora presente, procurando sobrepor-se ao derrotismo e "esperar contra toda a esperança", segundo o conselho do Apóstolo, dando um brado veemente entre os "arautos e forjadores de uma futura reconciliação do homem com a Cidade; uma Cidade renovada cujos fundamentos re-ligados sejam aceitos na humildade, no amor, e nunca mais no orgulho racionalista dos "desmitificadores" da fé".
Clama, ne cesses... Este livro - diz ainda Thibon - é "um grito de alarma profético". A nós que não queremos fugir aos "compromissos" e ao apprivoisement, que queremos preservar a natureza e salvar os valores da tradição, cumpre-nos gritar até que a nossa voz se imponha e faça calar o linguajar bárbaro dos slogans condicionadores do pensamento teleguiado.
E um dia Deus romperá o seu silêncio.

José Pedro Galvão de Sousa.


Revista "Hora Presente" - Ano I - Janeiro/Fevereiro 1969 - Número 3