quarta-feira, 9 de março de 2016

O QUE É A FELICIDADE?

Durante uma troca de pontos de vista, em que eu havia falado sobre as condições de uma vida harmoniosa, um de meus interlocutores me perguntou boquiaberto: “Ah, mas o senhor é feliz?”.
Pego de surpresa, pois nunca havia pensado na questão, contestei, tolamente, que não sabia.
Antes de tudo, o que significa ser um homem feliz? Péguy disse, em um célebre texto, que a grande, a terrível descoberta de todos os homens de quarenta anos é constatar que não se é feliz, que ninguém foi e que ninguém jamais será feliz. Sem dúvida, queria falar essa plenitude absoluta e permanente que se sonha na juventude e que, efetivamente, jamais existirá, pois não só suporia uma concordância perfeita do homem consigo mesmo, mas circunstancias exteriores sempre favoráveis, duas coisas impossíveis de ocorrer aqui embaixo. E pela razão de que cada elemento de nosso destino capaz de fazer-nos felizes trás, igualmente, em si, a capacidade fazer-nos sofrer, no mesmo nível e na mesma proporção. E isso em todos os planos de nossas necessidades e de nossos desejos. A saúde física é uma das condições da felicidade. Mas o corpo humano, maravilhoso instrumento de prazer por sua sensibilidade, pelo mesmo motivo se converte em uma fonte inesgotável de sofrimento quando a enfermidade se abate sobre ele.
O mesmo ocorre com os bens exteriores como a fortuna, o êxito social, as honras, etc. Estes nos decepcionam duplamente: por sua privação, caso se fracasse em sua busca, ou pelo vazio que deixam em nós, caso sejam obtidos.
Um breve olhar sobre os grandes desse mundo nos ensina que o leque de seus privilégios está longe de englobar o da felicidade...
Restam os bens espirituais, cuja fonte é inegavelmente mais pura e menos intermitente. Mas a mesma lei opera sobre eles em outro plano.
A inteligência nos proporciona grandes alegrias, mas suas próprias luzes fazem sentir seus limites e assinalam amargamente nossa impotência ante o mistério. “Quem multiplica o saber multiplica a dor”, dizia o Eclesiastes. Do qual faz eco Voltaire em sua carta a Madame du Deffand: “No fundo, só os imbecis são infelizes, mas por desgraça a creio pouco dotada para essa felicidade”.
O sentido da beleza tem, igualmente, um duplo fio: por ele gozamos das maravilhas da natureza e da arte, mas também somos dolorosamente alérgicos a todas as formas de fealdade.
O amor, a amizade, nos preenche, mas sofremos na mesma medida quando o ser amado é golpeado pelo mal ou nos é arrebatado pela morte.
E quanto à sabedoria, quer dizer, a santidade, se nos dá a paz interior, tem como preço as feridas que inflige aos seres mais puros a presença universal do mal. Quem disse que a maturidade da alma se reconhecia pela passagem da paixão à compaixão? Mas compadecer é sofrer.
O bem e o mal; ao estar indissoluvelmente unidos aqui embaixo o bem e o mal, a alegria e a pena, resulta que o verdadeiro problema não é ser feliz ou desgraçado: é ser um ou outro no nível mais elevado de cada qual. É ter alegria e sofrimentos autênticos e não deixar-se fascinar pela posse ou privação de ninharias. Não se deixar tomar por dores vãs e felicidades ilusórias. Se necessário, consumir-se, mas não em qualquer fogo.
Parece que hoje tudo conjura contra essa concepção seletiva da existência. O clima de facilidade e de desfrute em que vivemos, ao multiplicar em todos os planos as necessidades, que aumentam sempre mais rapidamente que as possibilidades de satisfazê-las, socavam a base de nossa capacidade de experimentar verdadeiras alegrias e verdadeiros sofrimentos. Para muitos de nossos contemporâneos, não resta mais que a mediocridade de uns pequenos prazeres e de uns pequenos aborrecimentos, avantajando, ademais os segundos aos primeiros com grande diferença, pois o homem, obcecado pela excessiva busca da felicidade, vive em um estado de permanente insatisfação que o faz indiferente ao que possui e avido do que lhe falta. A fome, provocada e mantida artificialmente, se transforma em incurável saciedade. Dai uma frustração em duas fases: “tenho que obter isso custe o que custar”; e depois: “Não era nada de mais; busquemos outra coisa”. Há que se concluir que não se separa impunemente a busca da felicidade do conjunto das atividades, dos deveres e das virtudes, que são a trama de toda existência autentica.
Os grandes personagens aos que a humanidade reconhece com seus modelos e guias preocuparam-se, por acaso, alguma vezes de sua pequena felicidade individual? Obedeceram à sua vocação sem se esquivar os riscos nem das desgraças que as acompanha e, as vezes, chegando até o sacrifício de sua vida; e a felicidade, na medida em que é possível neste mundo, lhe foi dada por acréscimo. Pois a vida é indivisível; se em nome do famoso “direito à felicidade” com que nos martelam os ouvidos, se tenta dissolvê-la, se chega ao irrisório resultado de ficar-se só com o liquido.


Gustave Thibon. El equilibrio y la armonía, Belacqva, 2005.

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