Durante uma troca
de pontos de vista, em que eu havia falado sobre as condições de uma vida
harmoniosa, um de meus interlocutores me perguntou boquiaberto: “Ah, mas o
senhor é feliz?”.
Pego de surpresa,
pois nunca havia pensado na questão, contestei, tolamente, que não sabia.
Antes de tudo, o
que significa ser um homem feliz? Péguy disse, em um célebre texto, que a
grande, a terrível descoberta de todos os homens de quarenta anos é constatar
que não se é feliz, que ninguém foi e que ninguém jamais será feliz. Sem
dúvida, queria falar essa plenitude absoluta e permanente que se sonha na
juventude e que, efetivamente, jamais existirá, pois não só suporia uma
concordância perfeita do homem consigo mesmo, mas circunstancias exteriores sempre
favoráveis, duas coisas impossíveis de ocorrer aqui embaixo. E pela razão de
que cada elemento de nosso destino capaz de fazer-nos felizes trás, igualmente,
em si, a capacidade fazer-nos sofrer, no mesmo nível e na mesma proporção. E
isso em todos os planos de nossas necessidades e de nossos desejos. A saúde
física é uma das condições da felicidade. Mas o corpo humano, maravilhoso
instrumento de prazer por sua sensibilidade, pelo mesmo motivo se converte em
uma fonte inesgotável de sofrimento quando a enfermidade se abate sobre ele.
O mesmo ocorre com
os bens exteriores como a fortuna, o êxito social, as honras, etc. Estes nos
decepcionam duplamente: por sua privação, caso se fracasse em sua busca, ou
pelo vazio que deixam em nós, caso sejam obtidos.
Um breve olhar
sobre os grandes desse mundo nos ensina que o leque de seus privilégios está
longe de englobar o da felicidade...
Restam os bens
espirituais, cuja fonte é inegavelmente mais pura e menos intermitente. Mas a
mesma lei opera sobre eles em outro plano.
A inteligência nos
proporciona grandes alegrias, mas suas próprias luzes fazem sentir seus limites
e assinalam amargamente nossa impotência ante o mistério. “Quem multiplica o
saber multiplica a dor”, dizia o Eclesiastes. Do qual faz eco Voltaire em sua
carta a Madame du Deffand: “No fundo, só os imbecis são infelizes, mas por
desgraça a creio pouco dotada para essa felicidade”.
O sentido da beleza
tem, igualmente, um duplo fio: por ele gozamos das maravilhas da natureza e da
arte, mas também somos dolorosamente alérgicos a todas as formas de fealdade.
O amor, a amizade,
nos preenche, mas sofremos na mesma medida quando o ser amado é golpeado pelo
mal ou nos é arrebatado pela morte.
E quanto à
sabedoria, quer dizer, a santidade, se nos dá a paz interior, tem como preço as
feridas que inflige aos seres mais puros a presença universal do mal. Quem
disse que a maturidade da alma se reconhecia pela passagem da paixão à
compaixão? Mas compadecer é sofrer.
O bem e o mal; ao
estar indissoluvelmente unidos aqui embaixo o bem e o mal, a alegria e a pena,
resulta que o verdadeiro problema não é ser feliz ou desgraçado: é ser um ou
outro no nível mais elevado de cada qual. É ter alegria e sofrimentos
autênticos e não deixar-se fascinar pela posse ou privação de ninharias. Não se
deixar tomar por dores vãs e felicidades ilusórias. Se necessário, consumir-se,
mas não em qualquer fogo.
Parece que hoje
tudo conjura contra essa concepção seletiva da existência. O clima de
facilidade e de desfrute em que vivemos, ao multiplicar em todos os planos as
necessidades, que aumentam sempre mais rapidamente que as possibilidades de
satisfazê-las, socavam a base de nossa capacidade de experimentar verdadeiras
alegrias e verdadeiros sofrimentos. Para muitos de nossos contemporâneos, não
resta mais que a mediocridade de uns pequenos prazeres e de uns pequenos
aborrecimentos, avantajando, ademais os segundos aos primeiros com grande
diferença, pois o homem, obcecado pela excessiva busca da felicidade, vive em
um estado de permanente insatisfação que o faz indiferente ao que possui e
avido do que lhe falta. A fome, provocada e mantida artificialmente, se
transforma em incurável saciedade. Dai uma frustração em duas fases: “tenho que
obter isso custe o que custar”; e depois: “Não era nada de mais; busquemos
outra coisa”. Há que se concluir que não se separa impunemente a busca da
felicidade do conjunto das atividades, dos deveres e das virtudes, que são a
trama de toda existência autentica.
Os grandes
personagens aos que a humanidade reconhece com seus modelos e guias
preocuparam-se, por acaso, alguma vezes de sua pequena felicidade individual?
Obedeceram à sua vocação sem se esquivar os riscos nem das desgraças que as
acompanha e, as vezes, chegando até o sacrifício de sua vida; e a felicidade,
na medida em que é possível neste mundo, lhe foi dada por acréscimo. Pois a
vida é indivisível; se em nome do famoso “direito à felicidade” com que nos
martelam os ouvidos, se tenta dissolvê-la, se chega ao irrisório resultado de
ficar-se só com o liquido.
Gustave Thibon. El equilibrio y la armonía, Belacqva, 2005.
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