segunda-feira, 4 de agosto de 2014

A AMIZADE E O OFÍCIO

“Temos, com efeito, o habito de esperar durante muito tempo os encontros... A terra, assim, é ao mesmo tempo deserta e rica. Rica desses jardins secretos, escondidos, difíceis de atingir, mas aos quais o oficio nos conduz sempre, um dia ou outro. A vida nos separa talvez dos companheiros, e nos impede de pensar muito nisso. Eles estão em algum lugar, não se sabe bem onde, silenciosos e esquecidos, mas tão fieis! E se cruzarmos seus caminhos, eles nos sacodem pelos ombros com belos lampejos de alegria. Sim, nós temos o hábito de esperar. Mas pouco a pouco descobrimos que não ouviremos nunca mais o riso claro daquele companheiro; descobriremos que aquele jardim está fechado para sempre. Então começa nosso verdadeiro luto, que não é desesperado, mas um pouco amargo. Nada, jamais, na verdade, substituirá o companheiro perdido. Ninguém pode criar velhos companheiros. Nada vale o tesouro de tantas recordações comuns, de tantas horas más vividas juntos, de tantas desavenças, de tantas reconciliações, de tantos impulsos afetivos. Não se reconstroem essas amizades. Seria inútil plantar um carvalho na esperança de ter, em breve, o abrigo de suas folhas.
Assim vai a vida. A principio, enriquecemos; plantamos durante anos, mas os anos chegam em que o tempo destrói esse trabalho, arranca essas arvores. Um a um, os companheiros nos retiram sua sombra. E aos nossos lutos mistura-se então a mágoa secreta de envelhecer. Esta moral que Mermoz e tantos outros me ensinaram. A grandeza de uma profissão é talvez, antes de tudo, unir os homens; só há um verdadeiro luxo, o das relações humanas.
Trabalhando só pelos bens materiais construímos nós mesmos nossa prisão. Encerramo-nos lá dentro, solitários, com nossa moeda de cinza que não pode ser trocada por coisa alguma que valha a pena viver. Se procuro entre minhas lembranças as que me deixaram um gosto durável, se faço o balanço das horas que valeram a pena, certamente só encontro aquelas que nenhuma fortuna do mundo ter-me-ia presenteado. Não se compra a amizade de um Mermoz, de um companheiro a quem estamos ligados para sempre pelas provas sofridas juntos”.


___ Antoine de SAINT-EXUPÉRY. Terra dos homens, Rio de Janeiro: José Olympio, 1973, pp. 24-25.
Français Mermoz, Saint-Exupéry e Guillaumet

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