Para nosso Martín
Fierro, dos bens que o homem recebeu de Sua Divina Majestade, o primeiro é a
palavra, o segundo, a amizade. Contudo, hoje, no contexto da filosofia que
chamamos da exterioridade, se fala da “palavra
violada” e da solidão do homem contemporâneo. A palavra é violada em dois
sentidos: como meio de comunicação, ou seja, como expressão de nossa interioridade,
e como compromisso... a palavra hoje é violada como compromisso; em lugar de
teorizar sobre a palavra de honra, seria melhor recuperar a honra da palavra;
destas “palavras definitivas que marcam
as fidelidades”, palavras de promessas, de votos, dessa perpetuidade que
fixa, a partir de uma escolha livre, o destino de toda uma vida... Todo este
aspecto parece muito estranho para uma civilização que optou em sua imensa
maioria, não pelo que permanece, mas pelo que muda. Ingressamos de cheio na
chamada “era da transitoriedade”, e caminhamos para um mundo que irá “romper
irremediavelmente com o passado”, ao cortar “todos os marcos com os antigos
modos de pensamento, de sentimento, de adaptação”...
O resultado é um
homem extraviado, sem rumo, rodeado de quimeras e delírios, farto por uma
quantidade de informação que não capaz de assimilar nem de ordenar. Um homem
prisioneiro de uma nova erística, tão nefasta como a antiga, praticada pelos
sofistas. Um homem sem ideais permanentes que lhe sirvam de base para
configurar sua existência...
Isto engendrou
certos tipos de homens que o filosofo alemão Dietrich von Hildebrand denomina
os “homens borboleta”, superficiais, os quais “se desenvolvem nada mais que no nível exterior de sua consciência presente”;
e outros, que chamamos com outra metáfora: os “homens cata-vento”, sempre
atentos, para acomodar-se, em comprovar para onde sopra o vento”.
Vamos agora, ao
segundo dos bens recebidos pelo homem segundo Fierro: a amizade. Contudo, em
nossos dias, os homens encontram-se “mais preocupados pela questão da solidão
que pela da amizade”. Em nosso Curso de Argumentação, já estudamos as raízes
filosóficas deste problema, que vêm desde o final da Idade Média e configuram o
idealismo moderno. Esse processo, Saturnino Alvarez Turienzo, o encerra em
poucas palavras: “o nominalismo de Ockham
vê o mundo como as dunas de um deserto, como uma poeirada de solidões; o mundo
estará composto por Descartes por naturezas solitárias”.
Aqui se apresentam
dois temas básicos: a solidão urbana e o desarraigo. A solidão urbana é um fenômeno
de nosso tempo que se sente em especial nas megalópoles e nas cidades que
cresceram sem guardar proporções humanas. Não é a solidão do anacoreta nem do
ermitão, os quais se afastam da proximidade físico com os outros homens, para
incrementar sua proximidade espiritual com eles e com Deus; não é a solidão
acidental de Robinson Crusoe; tampouco é a solidão do poeta à qual se refere
Francisco de Quevedo e Villegas em um soneto que leva como subtítulo “gustoso el autor con la soledad y sus estúdios”,
o qual, em suas primeiras estrofes disse:
“Retirado en la paz de estos
desiertos con pocos pero doctos libros juntos vivo en conversación con los
difuntos y escucho con mis ojos a los muertos”.
“Si no siempre entendidos,
siempre abiertos, o enmiendan o secundan mis asuntos; y en músicos, callados
contrapuntos, al sueño de la vida hablan despiertos”.
Não é
esta solidão, a do ermitão ou do poeta, mas outra, que é o resultado da
debilitação e da ruptura das comunidades naturais básicas, das solidariedades
mais elementares, substituídas por relações contratuais, por organizações
despersonalizadas.
É a
solidão como saldo de uma sociedade edificada a partir dos direitos e nãos dos
deveres, resultado do individualismo e do egoísmo. É a solidão do ancião que em
virtude da dissolução da grande família encontra-se recluso e até às vezes,
depositado e abandonado em um asilo onde espera a morte; é a solidão da criança
para quem seus pais não têm tempo e que passa horas absorvida e deseducada pela
televisão; é a solidão da mulher ou do marido, os quais como resultado da
lavagem cerebral que cotidianamente efetuam os meios de comunicação social, os
ambientes e as modas, não percebem que têm a seu lado uma pessoa; é a solidão
do pobre ou do doente, do órgão e da viúva, que não desperta generosidade,
interesse nem solidariedade de próximos que evaporaram.
As
solidões forçadas e involuntárias só se superam com a restauração da família,
de seu papel educador e transmissor dos valores morais fundamentais, e das
demais pequenas comunidades, âmbitos propícios para o dialogo, a convivência personalizada
e a solidariedade vivida, não declamada nos discursos.
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Bernardino MONTEJANO. Filosofía
clásica, amistad y concordia. In. Verbo (Madrid): Revista de formación cívica e de acción cultural, según el derecho natural y cristiano, n. 481-482, 2010, pp. 60.
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