quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

A PALAVRA VIOLADA E A SOLIDÃO

Para nosso Martín Fierro, dos bens que o homem recebeu de Sua Divina Majestade, o primeiro é a palavra, o segundo, a amizade. Contudo, hoje, no contexto da filosofia que chamamos da exterioridade, se fala da “palavra violada” e da solidão do homem contemporâneo. A palavra é violada em dois sentidos: como meio de comunicação, ou seja, como expressão de nossa interioridade, e como compromisso... a palavra hoje é violada como compromisso; em lugar de teorizar sobre a palavra de honra, seria melhor recuperar a honra da palavra; destas “palavras definitivas que marcam as fidelidades”, palavras de promessas, de votos, dessa perpetuidade que fixa, a partir de uma escolha livre, o destino de toda uma vida... Todo este aspecto parece muito estranho para uma civilização que optou em sua imensa maioria, não pelo que permanece, mas pelo que muda. Ingressamos de cheio na chamada “era da transitoriedade”, e caminhamos para um mundo que irá “romper irremediavelmente com o passado”, ao cortar “todos os marcos com os antigos modos de pensamento, de sentimento, de adaptação”...
O resultado é um homem extraviado, sem rumo, rodeado de quimeras e delírios, farto por uma quantidade de informação que não capaz de assimilar nem de ordenar. Um homem prisioneiro de uma nova erística, tão nefasta como a antiga, praticada pelos sofistas. Um homem sem ideais permanentes que lhe sirvam de base para configurar sua existência...
Isto engendrou certos tipos de homens que o filosofo alemão Dietrich von Hildebrand denomina os “homens borboleta”, superficiais, os quais “se desenvolvem nada mais que no nível exterior de sua consciência presente”; e outros, que chamamos com outra metáfora: os “homens cata-vento”, sempre atentos, para acomodar-se, em comprovar para onde sopra o vento”.
Vamos agora, ao segundo dos bens recebidos pelo homem segundo Fierro: a amizade. Contudo, em nossos dias, os homens encontram-se “mais preocupados pela questão da solidão que pela da amizade”. Em nosso Curso de Argumentação, já estudamos as raízes filosóficas deste problema, que vêm desde o final da Idade Média e configuram o idealismo moderno. Esse processo, Saturnino Alvarez Turienzo, o encerra em poucas palavras: “o nominalismo de Ockham vê o mundo como as dunas de um deserto, como uma poeirada de solidões; o mundo estará composto por Descartes por naturezas solitárias”.
Aqui se apresentam dois temas básicos: a solidão urbana e o desarraigo. A solidão urbana é um fenômeno de nosso tempo que se sente em especial nas megalópoles e nas cidades que cresceram sem guardar proporções humanas. Não é a solidão do anacoreta nem do ermitão, os quais se afastam da proximidade físico com os outros homens, para incrementar sua proximidade espiritual com eles e com Deus; não é a solidão acidental de Robinson Crusoe; tampouco é a solidão do poeta à qual se refere Francisco de Quevedo e Villegas em um soneto que leva como subtítulo “gustoso el autor con la soledad y sus estúdios”, o qual, em suas primeiras estrofes disse:
   
“Retirado en la paz de estos desiertos con pocos pero doctos libros juntos vivo en conversación con los difuntos y escucho con mis ojos a los muertos”.
“Si no siempre entendidos, siempre abiertos, o enmiendan o secundan mis asuntos; y en músicos, callados contrapuntos, al sueño de la vida hablan despiertos”.

Não é esta solidão, a do ermitão ou do poeta, mas outra, que é o resultado da debilitação e da ruptura das comunidades naturais básicas, das solidariedades mais elementares, substituídas por relações contratuais, por organizações despersonalizadas.
É a solidão como saldo de uma sociedade edificada a partir dos direitos e nãos dos deveres, resultado do individualismo e do egoísmo. É a solidão do ancião que em virtude da dissolução da grande família encontra-se recluso e até às vezes, depositado e abandonado em um asilo onde espera a morte; é a solidão da criança para quem seus pais não têm tempo e que passa horas absorvida e deseducada pela televisão; é a solidão da mulher ou do marido, os quais como resultado da lavagem cerebral que cotidianamente efetuam os meios de comunicação social, os ambientes e as modas, não percebem que têm a seu lado uma pessoa; é a solidão do pobre ou do doente, do órgão e da viúva, que não desperta generosidade, interesse nem solidariedade de próximos que evaporaram.
As solidões forçadas e involuntárias só se superam com a restauração da família, de seu papel educador e transmissor dos valores morais fundamentais, e das demais pequenas comunidades, âmbitos propícios para o dialogo, a convivência personalizada e a solidariedade vivida, não declamada nos discursos.
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Bernardino MONTEJANO. Filosofía clásica, amistad y concordia. In. Verbo (Madrid): Revista de formación cívica e de acción cultural, según el derecho natural y cristiano, n. 481-482, 2010, pp. 60.

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