terça-feira, 29 de julho de 2014

CONTRA A CULTURA DA MORTE

A pressão secularizadora produziu em nosso tempo consequências de desintegração, tanto na pessoa como na família. 
O matrimonio se apresenta hoje estranhamente frágil entre aqueles que perderam o sentido cristão da vida e inclusive o respeito a alguns princípios de ordem superior, expressão da lei divina natural. É um fenômeno de patologia social essa espécie de contagio tão disseminado nos últimos anos, que provoca absurdamente – e inclusive por razões banais – a ruptura do vínculo conjugal, que por instituição natural e divina é único e indissolúvel. E são degradantes e claro sinal de retrocesso cultural, as uniões ou aparelhamentos de homem e mulher – com formalidades cerimoniais ou sem elas – que desde o princípio carecem de um animo de permanência e fidelidade. A dessacralização da instituição familiar – cuja expressão legal é o divórcio, o matrimônio civil, ou a equiparação com o matrimônio das meras uniões de fato – constitui, ao fim e ao cabo, um sinal de crise do amor, que não pode considerar-se progresso senão involução. Esse amor em crise, deteriorado, se envileceu ao tornar-se egoísta; se tornou mesquinho, pequeno, e incapaz, portanto, de afrontar as provas e cansaços, os tédios ou mudanças de humor que, cedo ou tarde, é fácil que apareçam na vida conjugal. Sobre um amor egoísta, que não é generoso nem fecundo, não pode assentar-se a estabilidade e felicidade do matrimônio e da família.
O estigma da secularização sobre o indivíduo trouxe consigo consequências de degradação da pessoa, que são particularmente agudas em algumas das sociedades mais desenvolvidas do mundo contemporâneo. Estas consequências poderiam resumir-se em uma só frase: a pretensão de “normalizar” o que é em si mesmo perverso e aberrante. Não vale a pena estender-se demasiado neste ponto. Basta evocar o grau de envilecimento a que chegou o mundo pagão da antiguidade, que São Paulo descreve com traços impressionantes no primeiro capítulo da Epístola aos Romanos. Basta recordar aquele protótipo humano que hoje se quer ressuscitar e que o apóstolo, faz vinte séculos, denunciava cruamente com o apelativo de “homem animal”. Mas nos vemos obrigado a fazer ainda menção de alguns dos aspectos mais salientes que apresenta este processo de decadência das sociedades modernas, que fez tábula rasa da Lei de Deus.
É degradante e sinal de decadência de uma civilização a pretensão de “normalizar” – inclusive no plano legal – as relações homossexuais, como reivindicam certos “coletivos” – assim são chamados – que associam estas desditadas pessoas. E é preciso proclamar aos quatro ventos que o homem secularizado se encontra cada vez mais imerso em uma “cultura da morte”, da qual é autor, mas também vítima. A “cultura da morte” pode ter sua primeira expressão moderna nos campos de concentração da segunda guerra mundial; mas há que se ter o valor de reconhecer que aquele foi apenas um ensaio, o primeiro capítulo de uma dramática história que o homem secularizado seguiu escrevendo sem pausa nem propósito de emenda. Recorde-se igualmente que, faz só um par de décadas, o aborto era considerado na Espanha [e no Brasil], de modo praticamente unânime, como uma monstruosidade, e que hoje, em virtude dessa “lavagem cerebral”, fruto da insistente propaganda de poderosos meios de comunicação social, muitos já o consideram como coisa de “administração ordinária” e inclusive, quiçá admire, porque são apresentados como heróis e heroínas, aqueles que, com sua violação das leis, quebraram o “tabu” e abriram o caminho para a legalização das práticas abortivas.
A “cultura da morte” começou a apresentar a eutanásia como uma deslumbrante conquista que estão alcançando já, como “pioneiras”, as sociedades mais avançadas e progressistas do mundo.

Não é possível tampouco silenciar que, ante os olhos do homem secularizado, estão se abrindo horizontes insuspeitos dos extremos a que pode conduzir a manipulação antinatural da vida e que hoje estão ao alcance das possibilidades técnicas da engenharia genética. No melhor dos casos – como escreveu com bom senso J. Visser – é uma ironia, em um tempo em que se praticam milhares de abortos, realizar “tantos e tantos gastos e esforços desnaturais para procriar uma vida humana artificial que, por muito que seja desejada por um determinado casal, apenas pode chamar-se fruto de seu amor”. Em sua inspiração mais profunda, a pretensão última da engenharia genética pudera ser a criação de um homem – ou de um híbrido de homem e animal -, que já não é a imagem e semelhança de Deus: a fabricação de um monstro animado, pura criatura do homem.   

___ José ORLANDIS Rovira (1918-2010)“Hacia uma nueva modernidad cristiana”, Verbo, Madri, n. 273-274, março-abril de 1989, pp. 536-555.




Nenhum comentário:

Postar um comentário