quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

A DEGRADAÇÃO DO HOMEM E A CONSTRUÇÃO DE UMA PODEROSA BABEL...

Um povo, ou mesmo uma civilização, pode conhecer um desenvolvimento tal das forças do mal que lhe adjudique uma especial significação de perversidade... Tal é a condição do que se chama "mundo moderno", "civilização moderna", "cultura moderna", "filosofia moderna”, em que o "moderno" não encerra uma conotação puramente cronológica, mas valorativa, e que se refere a um processo determinado que tem lugar nessa civilização. A civilização que se desenvolve na história hoje, e que começou a aproximadamente cinco séculos, não guarda uma continuidade homogênea com a civilização anterior. Há sim uma continuidade cronológica, mas não valorativa. A civilização anterior se propunha, basicamente, à criação do homem cristão, é dizer, de um homem para o qual os valores referentes à vida eterna, cujo depósito se encontra na Igreja, eram o que importava. A civilização se ocupava dos bens terrestres do homem, mas de forma tal que reconhecia publicamente a ordem de valores dos bens eternos, de cujo cuidado direto se ocupava a Igreja. Mas ela, essa civilização, em sua política, em sua economia, em sua filosofia, em sua cultura, em sua arte, favorecia a criação de um homem "cristão". Era uma civilização mundana - com toda ambiguidade que acarreta esse vocábulo, e ainda com a pendente ao mal que ele caracteriza -, mas uma civilização mundana que reconhecia publicamente outros valores transcendentes superiores, a cujo serviço devia de alguma colocar-se. Uma civilização orientada para o divino e o eterno do homem, donde, por conseguinte, a Igreja, cuja razão de ser é precisamente este aspecto do homem, era reconhecida como valor supremo de todos os valores. Nos alvores do mundo moderno, a civilização deixar de mirar para o eterno, o divino, o sobrenatural, do homem, para concentrar-se no puramente humano. Já não põe o acento no "sobrenatural", mas no "natural", no "humano". E toda a vida, na filosofia, nas artes, na política, na economia, rebaixa de uma escola de valores que se orientava para o sobrenatural, a uma escala de valores orientada ao puramente natural. Aparece o Humanismo; desponta o laicismo da política e da vida; se rompe na vida pública das nações o reconhecimento da Igreja como sociedade publica sobrenatural. E esta ruptura da ordem pública que deixa de render à Igreja a homenagem que lhe corresponde como Sacramento de Saúde do homem há de significar ao mesmo tempo a ereção de outra civilização orientada para o humanismo, racionalismo, naturalismo, em que só se tenham em conta os valores naturais do homem. A civilização moderna deve ser entendida como uma tomada de posição história frente à civilização cristã, a que tenta suplantar. Representa outra concepção do homem, com outra escala de valores. Mas esta escala de valores significa, por sua vez, um valor mais baixo que aquele que é substituído. O divino é substituído pelo humano. Há, pois, uma degradação. Mas uma degradação sumamente perigosa. Porque precisamente a teologia da graça ensina que o homem não pode guardar a lei moral natural em sua integridade e de maneira conveniente, senão com o auxílio do sobrenatural. Uma civilização que nega ou simplesmente ignora a graça, não pode manter-se por muito tempo no plano humano, e há de ir rebaixando para condições infra-humanas. É o caso da civilização moderna, que do naturalismo, do racionalismo, do humanismo em que se desenvolve durante os séculos XVI, XVII e XVIII, vai baixando à um economismo, ou animalismo, próprio do século XIX. O homem já não busca a dignidade humana que procuram a política, a filosofia ou a cultura das letras, mas a abundancia das riquezas. A preocupação "econômica" vem a orientar a vida do homem como se este fosse só um animal confortável. E o ideal humano já não é, não digamos o santo, mas nem sequer o herói; agora o é o burguês. O capitalismo rege a vida das nações. Mas aqui tampouco pode o homem manter-se. A degradação há de continuar. O burguês buscava a riqueza, o bem-estar puramente material, o econômico. Ao proletário lhe dá sentido não o bem-estar, mas "o trabalho". O comunismo centra toda a civilização em torno do trabalho. O homem foi feito para trabalhar. É um instrumento produtivo. Não já um animal, no que pretendia converter-lhe o capitalismo, mas algo mais baixo, um puro instrumento de produção. O homem hoje, depois de um processo de degradação que leva cinco séculos, encontra-se em estado de impotência frente à "vida pública" que lhe pressiona por todas as partes e lhe empurra para situações cada vez mais degradantes. Falamos do empurre da "vida pública” sobre o homem individual.
A "vida pública", com seu "ideário religioso", com sua "filosofia da contradição", com sua política de mentiras, com sua economia agobiadora, com sua publicidade e reclame de reflexos condicionados; uma "vida pública" que persegue com seu poderoso aparato tecnocrático a cada indivíduo, que foi quebrado anteriormente em suas estruturas morais e psíquicas. O mudo que opera sobre o homem, longe de ser o mundo da criação, do pecado e da redenção, de que falávamos antes, é um mundo-máquina que se apresenta ante o indivíduo como um poderoso aparato triturador. O homem é presa de uma engrenagem que se apodera dele, o envolve em suas malhas e o faz circular em suas bobinas. Depois da etapa de degradação que se prolonga durante cinco séculos, se inicia, com este resíduo degradado que é o homem moderno, outra etapa de domesticação tecnocrática, na que se visa usar o homem para a construção de uma enorme e poderosa Babel. O homem, privado do gozo de Deus, do gozo da reflexão humana, do gozo do prazer animal e convertido em simples peça para a Construção de uma poderosa Babel.


Padre Julio MEINVIELLE. La Iglesia y el Mundo Moderno: el progresismo en Congar y otros teólogos recientes, Buenos Aires: Ediciones Theoria, 1965, p. 79-82.

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