quarta-feira, 26 de março de 2014

O SILÊNCIO DE DEUS

Em um século em que reina o conformismo do absurdo e da desordem, em que o ídolo da revolução permanente se converteu no centro de atração para os rebanhos de escravos teledirigidos, não há nada mais novo nem mais insólito que pregar o retorno às fontes e defender a natureza e a tradição. “Nunca como hoje o gênio de uma época se aplicou à destruição minuciosa de sua própria Cidade humana (de seus valores e de seu sentido) até o extremo paradoxo de que o conformismo ambiental se expressa hoje pela atividade revolucionária, e que a posição insustentável, heroica, chegou a ser a conservação e a fidelidade” (cfr. Cap. I, p. 25). A “Cidade dos homens” que defende Rafael GAMBRA era constituída por um conjunto de laços vivos e vividos que, através dos diferentes níveis da criação, mantinham o homem unido à sua origem e o orientava para seu fim. A casa, a pátria, o templo, o protegiam contra o isolamento no espaço; os costumes, os ritos, as tradições, ao fazer gravitar as horas em torno de um eixo imóvel, o elevavam acima do poder destrutor do tempo. Hoje presenciamos a agonia desta “Cidade dos homens”. O liberalismo, ao isolar os indivíduos, e o estatismo, ao reagrupá-los em vastos conjuntos artificiais e anônimos, transformaram a sociedade em um imenso deserto aonde as areias sem rumo são arrebatadas nos torvelinhos do vento da história. E o homem, vítima deste fenômeno de erosão, já não tem morada no espaço (se encontra, ao mesmo tempo, na prisão e no deserto), nem ponto de referência em um tempo pelo que corre cada vez mais depressa sem saber para aonde vai. As Cidades de outrora, ao enlaçar o homem com as realidades visíveis e invisíveis, o ajudavam a elevar-se sobre si mesmo. Hoje em dia, o ideal que lhe é proposto não é vertical, senão horizontal: está na corrida mesmo, na “fuga para frente”, e não no crescimento espiritual. Em lugar de tentar produzir um arquétipo eterno, o homem deve se deixar arrastar por um movimento perpétuo e sempre acelerado. (...) As antigas formas da sociedade, ao impregnar de sagrado quase todas as manifestações da vida temporal, penetravam o eterno no tempo e Deus se fazia presente na história. Mas esta aliança do social e do divino desmorona quando o homem não reconhece outro deus que ele mesmo, nem outra pátria que o mundo temporal transformado e desfigurado por suas mãos. E se aproxima a grandes passos a hora em que a idolatria do porvir lhe ocultará a eternidade.Esta será, sem dúvida, para os últimos fieis, a suprema prova da fé. A pureza, o heroísmo dessa fé serão medidas pela resistência do pneuma divino, interior e livre (spiritus fiat ubi vult) em relação ao vento servil da história. Ante o silêncio de Deus, os crentes de amanhã terão talvez que escolher entre a realidade invisível de uma eternidade em aparência sem provir e a miragem brilhante de um porvir sem eternidade. BÉRULLE definia o homem como “um nada capaz de Deus”. Mas eis que esse homem se transforma cada vez mais em um falso deus, incapaz do Deus verdadeiro. Chegaremos até o termo desta subversão e haverá que desaparecer da Cidade dos homens? Rafael GAMBRA se compraz em repetir as palavras demasiado lucidas de TAINE: “nenhum homem sensato pode já esperar”. Mas não esqueçamos (cito novamente Françoise CHAUVIN) que a “lucidez é a pior das cegueiras se não vê nada mais além daquilo que se vê”. O cristão, imitando o apóstolo São Paulo, está obrigado a esperar contra toda esperança (contra spem in spe), porque Cristo venceu o mundo e está vitória abarca a totalidade do tempo e do espaço. E, por incertas que sejam as probabilidades de êxito, nossa missão aqui embaixo consiste em restaurar pacientemente, em nós e em nosso redor, as condições para uma restauração da Cidade dos homens; quer dizer, em preparar um porvir à eternidade.Com este chamado termina este belo livro. Nosso desejo mais fervoroso é que seja escutado, no segredo das almas, como um eco do silêncio de Deus. 
Gustave THIBON. Prólogo do livro "El silencio de Dios" (Ciudadela, 2007), do ilustre pensador espanhol Rafael GAMBRA CIUDAD  (julho de 1920 – janeiro de 2004).


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