sexta-feira, 21 de março de 2014

UM LUGAR ESPECIAL NO INFERNO

“Você sabe, Lev Gregorich – dizia um novato a Rubin – minha cabeça está girando com esta mudança brusca. Já vivi cinquenta e dois anos e sobrevivi a doenças fatais, já estive casado com mulheres lindas, já tive filhos, já recebi prêmios acadêmicos, mas nunca me senti tão feliz como me sinto hoje! Aonde foi que cheguei? Amanhã não me empurrarão para dentro da água gelada! Quarenta gramas de manteiga! Pão preto – na mesa! Não proíbem livros! A gente pode se barbear! Os guardas não batem nos zeks. Que grande dia! Que cume deslumbrante! Será um sonho? Parece que estou no céu.
- Não, meu caro senhor – disse Rubin – o senhor está exatamente aonde estava antes, no inferno. Mas o senhor subiu para seu melhor e mais alto círculo – o primeiro círculo. O senhor me perguntava o que é uma sharashka? Foi Dante, se quiser, que inventou o conceito de sharashka. O senhor está lembrado de que Dante arrancou os cabelos para decidir onde meter os sábios da antiguidade? Seu dever de cristão era lançar aqueles pagãos no inferno. Mas a consciência do Renascimento não podia se conformar com a ideia de ter homens esclarecidos amontoados com toda sorte de pecadores e condenados a torturas físicas. Então Dante imaginou para eles um lugar especial no inferno...”.


Alexander SOLJENÍTSIN. O primeiro círculo, Rio de Janeiro: Bruguera, 1968, p. 07.

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