Pe. Julio MEINVIELLE (31 de agosto de 1905 - 02 de agosto de
1973)
Há uma verdade fundamental da dogmática
cristã que a chamada nova teologia busca obscurecer ou debilitar. É a Realeza
universal de Cristo sobre toda a criação e por isso mesmo sobre a história. Sem
embargo, esta verdade constitui a substancia mesmo do Kerygma evangélico, que
consiste na pregação do Reinado de Deus e de seu Cristo sobre a terra. A Nova
Teologia obscurece e diminui a luz desta verdade porque ela se opõe diretamente
ao laicismo da vida e da história que em sua versão liberal, socialista e
comunista impera hoje sobre os povos. O laicismo constitui a substancia do
mundo moderno e a nova busca pactuar com o mundo moderno. Logo se vê impelida a
ofuscar e a diminuir uma verdade que tão radicalmente se opõe à sua intenção
profunda.
Sem embargo, a encíclica Quas Primas, de Pio XI, sobre Cristo
Rei, permaneceu como um documento que desafia os propósitos da impiedade em seu
intento de diminuir os méritos deste título glorioso do Redentor. As páginas da
Escritura, tanto do Antigo como do Novo Testamento, a Tradição dos Padres, a
liturgia e os documentos do magistério, abundam em testemunhos desta verdade.
Os salmos de Davi cantam sob a imagem e representação de um Rei opulentíssimo e
sapientíssimo que havia de ser Rei de Israel.
O teu trono, oh Deus, permanece pelos
séculos; O cetro de teu reino é cetro de retidão. Neles se prediz que seu reino
não terá limites e que estará enriquecido com os dons da justiça e da paz.
Florescerá em seus dias a justiça e a abundancia da paz. E dominará de um mar a
outro e desde um a outro extremo do orbe da terra.
Portanto, não é de maravilhar que ao
encerrar os livros santos o Apostolo João o chame de Príncipe dos Reis da terra
que traz escrito em sua veste e em seu manto: Rei de reis e Senhor dos que
domina.
A História, a história concreta dos
povos, deve sujeitar-se ao reinado de Cristo. Cristo enquanto homem, por sua
preeminência e por direito de conquista da Redenção, tem direito a que os povos
o reconheçam em seu caráter de Rei. É evidente que os povos podem se rebelar. E
assim canta o salmo: Porque se amotinam as gentes e traçam as nações planos
vãos? Reúnem-se os reis da terra e confabulam os príncipes contra Yavé e contra
seu ungido. Rompamos o seu jugo, longe de nós suas sujeições... Mas isto é vão.
O que mora nos céus sorri. Yavé zomba deles.
A história serve ao reinado de Cristo de
bom grado ou de mal grado, mas o serve. É claro que o correto e o que todos
devemos desejar e no que devemos nos empenhar é em servi-lo de bom grado.
O diabo, Príncipe deste mundo, tem algum
senhorio sobre a história.
Teríamos uma imagem muito imperfeita da
história se fizéssemos intervir tão somente, como protagonistas principais, o
homem e Cristo. Por isso, Santo Tomás na mesma questão em que trata de Jesus
Cristo, Cabeça da Igreja, dedica um artigo – o sétimo – a resolver se o diabo é
cabeça dos maus. E responde afirmativamente, demonstrando que exerce função de
governante quem influi sobre os demais para atraí-los ao seu próprio fim. Pois
bem, o fim do demônio é afastar a criatura racional da obediência a Deus, e
este fim é alcançado com o afastamento de Deus da criatura com seu livre
arbítrio, segundo preceitua Jeremias: Rompeste o jugo e as cadeias e disseste:
não servirei. Quando, pois, os homens, pecando, se dirigem para este fim, cai
de cheio sob o regime e o governo do demônio, e por isto é chamado de cabeça
deles. O nome de Príncipe deste mundo (João 12, 31; 14, 30; 16, 11) que a
palavra divina atribui ao demônio não é um mero título, senão que expressa o
verdadeiro domínio que o diabo conquistou sobre a história dos homens. É claro
que este domínio não é absoluto, mas é muito real e se exerce não apenas sobre
o homem individual, senão também, e sobretudo, sobre a ordem temporal e sobre
as civilizações.
Digo, sobretudo. Porque a arte do
demônio é dominar os meios temporais para por ali perder o interior do homem.
Daí que trate de dominar os meios do prazer, da riqueza e do poder para ter
amarrado o homem por completo. São estas as três tentações com que se atreveu a
atacar ao Senhor no deserto. São as três tentações da tríplice concupiscência,
que menciona o Apóstolo São João.
Junto com o diabo e sob o seu domínio
também devemos nos referir a influência do Anticristo na história. Na mesma
questão oitava, artigo 8, Santo Tomás nos diz que também o Anticristo deve ser
tido como cabeça dos maus. Porque embora não o seja na ordem do tempo nem por
sua influência, o é pela perfeição de sua malicia. Pois como em Cristo habitou
a plenitude da divindade, assim no Anticristo há de brilhar a plenitude da
malicia. Esta caracterização do Anticristo como um personagem no qual se
concentra, no final dos tempos, a malícia humana, dá uma significação ao
processo histórico dirigido a um ponto culminante de malícia. Longe de
favorecer a tese que a nova teologia costuma sustentar de um progresso
histórico, a ela se opõe e mostra que, embora a história sustente o progresso
incessante da edificação do Corpo Místico de Cristo, ela mesma pode empreender
e seguir um caminho de regresso. Por outra parte, que o Anticristo haja de
encarnar a malícia perfeita não significa que a humanidade tenha que ser
assumida pelo diabo tal como a humanidade de Cristo foi assumida pelo Filho de
Deus, senão que o diabo lhe a de comunicar por sugestão sua malícia em grau
superior a todos os demais. Neste sentido todos os demais malvados que lhe
precederam são como que figuras do Anticristo, e por isso, o mistério de
iniquidade já está operando. Também, por este lado, há como que uma exigência
do progresso do mal na história mesmo, porquanto as figuras nunca chegam a
alcançar o grau daquilo cujo significado levam.
Significação da “Sinagoga de Satanás”
na história
Com o problema do diabo e do Anticristo
está ligado o problema da malícia dos judeus fariseus e de seu significado na
história. É claro que o mal não é patrimônio de algum homem, e menos ainda
algum povo. Todos os homens são pecadores e são capazes das piores aberrações.
Assim como a graça de Deus tampouco tem relação especial com algum homem nem
com povo determinado. Sem embargo, Deus pode escolher um caminho determinado
para nos dispensar sua graça e para permitir expressar-se a malícia humana. De
fato, Deus escolheu este caminho. O povo judeu, como é sabido, foi escolhido
diretamente por Deus para nos trazer em seu sangue o Messias Jesus Cristo, quem
havia de ser a Saúde do mundo. Parte principal deste povo, contrariando toda a
tradição autêntica dos Patriarcas e Profetas, carnalizou a esperança do Messias
e se sujeitou a uma falsa tradição humana de dominação de outros povos. Parte
do povo judeu, sob a influência e o governo deste grupo de fariseus, se
constituiu de modo especial desde a vinda de Jesus Cristo no que São João, em
seu Apocalipse (2,9), chama a “Sinagoga
de Satanás”. Desde então parte do povo judeu dominada por esta minoria
cheia de malicia, se dedica à tarefa de perversão e de dominação de outros
povos. À esta minoria se aplica com toda verdade as palavras que Jesus dirigia
aos judeus fariseus: “Vós tendes por pai
ao diabo e quereis satisfazer os desejos de vosso pai; ele foi homicida desde o
princípio e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele; quando ele
profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da
mentira”
São Paulo estampou em letras
inalteráveis que ficam como lei da história a conduta desta minoria de judeus
entre as nações. Disse o Apostolo (1 Tes. 2, 14 ss.):
“Irmãos, vós vos tornastes imitadores
das igrejas de Deus em Cristo Jesus da Judéia, pois tivestes que sofrer da
parte dos vossos compatriotas o mesmo que eles sofreram dos judeus, aqueles
judeus que mataram o Senhor Jesus e aos profetas, que nos perseguem e que não
são do agrado de Deus, que são inimigos de todos os homens, visto que nos
proíbem pregar aos gentios para que se salvem”.
De acordo com esta lei que enuncia aqui
o Apostolo Paulo, uma minoria farisaica de judeus desempenha na história um
papel de inimigos primeiros dos povos cristãos, empenhados em perdê-los,
impedindo sua cristianização. Para isso buscam o domínio total da vida dos
povos apoderando-se das molas propulsoras do poder: do poder econômico primeiro
e em seguida do próprio poder político. Seria longo historiar o processo
histórico que cumpre esta minoria farisaica.
Mas uma vez derrubada a solida
estrutura da cristandade medieval, fundada na fé e na caridade, os judeus
conseguiram penetrar dentro dos povos cristãos e dali corrompê-los com o
liberalismo e escravizá-los com o comunismo. A Revolução moderna – liberalismo,
socialismo, comunismo – é o grande instrumento de dominação de que se valem.
Com ela conseguiram suprimir a civilização cristã e substituí-la por uma
civilização laicista e ateia.
Os cristãos, por sua vez, não têm outra
defesa eficaz contra a judaização que uma adesão efetiva à vida cristã, o que
implica no cumprimento privado e público da lei natural e sobrenatural. Quando
os cristãos se debilitam neste cumprimento, vão caindo de modo insensível, mas
seguro, no domínio judaico.
A história consiste em uma disputa
entre Cristo e o diabo por apoderar-se dos homens
Do que dissemos fica claro que na
história intervêm três protagonistas principais. O homem que, dedicado a
múltiplas atividades profissionais, econômicas, políticas e culturais, deverá
decidir com seu ato livre e em cada ato que destino e que sentido quer dar ao
curo da história. O diabo que, operando através do exterior e, sobretudo,
através dos grandes meios do poder, trata de sugerir em cada homem o amor de si
próprio. Deus que, agindo no mais recôndito do coração humano, o move
suavemente, mas com força, para a prática do amor autentico. Destes três
protagonistas, apenas Deus tem um domínio total e soberano sobre a história,
que exerce de acordo com os desígnios inescrutáveis de sua sabedoria e vontade.
A história é concretamente o campo
aonde o divino semeador semeou a boa semente e aonde o diabo semeou também o
joio. É o mar e a rede que se joga no mar e recolhe peixes de toda espécie.
Nela, o mal está misturado com o bem e isso na proporção que só Deus conhece, e
assim há de ser sempre até o fim da história.
A história é o campo da disputa entre
Cristo e o demônio pela posse total do homem. Cristo emprega sobre todos meios
sobrenaturais operando no interior dos corações aonde se determina
verdadeiramente a intenção pela qual o homem age. Nessa intenção do agir humano
se determina se o homem aceita a Deus como fim ultimo de sua vida ou, em troca,
se aceita a si mesmo. Ao determinar o fim ultimo da vida nessa intenção última,
se dá, por conseguinte, sentindo e significação a todos os outros bens em que a
vida se desenvolve. Nesta luta se decide o juízo ultimo de todos os acontecimentos
humanos, sejam públicos, sejam privados, porque todos eles, seja qual for sua
natureza e suas dimensões, se resolvem definitivamente nessa intenção última e
suprema aonde o homem decide por Deus ou pela criatura.
Na história há, definitivamente, dois
grandes adversários que disputam entre si a totalidade do homem: Cristo e o
diabo. Porque se cada ato humano deve decidir-se definitivamente pôr um fim
último – Deus ou a criatura, Cristo ou o diabo – toda a história, que por ser
humana é determinada por atos humanos, também ela pertence a Cristo ou ao diabo
e, em absoluto, só a Cristo na medida em que até o diabo cai sob o seu domínio.
Daí resulta que Cristo é sempre o
vitorioso da história, o Senhor da vida e da morte, o Alfa e o Ômega. Triunfa
pelo amor e pela misericórdia nos predestinados, triunfa também pela justiça
nos réprobos. A história escreve sempre o nome de Cristo e só o nome de Cristo.
Cristo que transcende a história é também imanente a todo o devir histórico.
Todo o curso da história marcha para Cristo por caminhos que só Deus conhece.
A disputa entre Cristo e o demônio se
trava no domínio da civilização temporal.
A disputa entre Cristo e o diabo se
cumpre no interior do coração do homem. Mas seria um erro concluir daí que o
campo da vida temporal do homem é terreno neutro de disputa. De nenhuma
maneira. Porque, embora o destino da vida humana se decida no interior do
coração, se decide ali sobre o que se faz na vida temporal. O homem desenvolve sua vida em atividades
temporais que satisfaçam suas necessidades elementares e façam progredir os
meios de satisfazer essas mesmas necessidades. Sua vida de familiar, laboral,
cultural, forma o tecido de ações e de atividades de onde emerge a civilização
temporal e nas quais há de tecer sua decisão última e seu destino eterno. Daí a
importância do sentido que se atribua a essa civilização temporal na relação
com a vida eterna.
Essa civilização ajuda com o seu
sentido na cristianização da vida ou, ao contrário, a dificulta? É claro que
uma civilização que favorece a degradação das ideias e dos costumes, que
corrompe a instituição familiar, que paganiza a vida pública, não pode ajudar a
catequização de um povo. A civilização chamada ocidental, laicista e de ateísmo
libertário, não é propicia para devolver o sentido de Deus às almas. Muito
menos o é a civilização ateia e de trabalho forçado dos países comunistas. O
fato de que apesar disso Deus consiga influir sobre os corações e salve nessas
civilizações a muitos escolhidos, não pode deixar de nos convencer que são
civilizações perversas que perdem a muitas almas, que postas em condições
propicias e favoráveis à Fé cristã, se salvariam. Com essas civilizações o
diabo consegue que a mensagem Cristã não chegue aos gentis e que estes se
salvem (I Tes., 2, 14 e ss.).
É claro que deus pode deixar entregue
ao domínio temporal dos povos e civilizações em poder do diabo e mesmo assim
ganhar a verdadeira batalha, que é a saúde dos escolhidos. Mas o fato de que
Deus possa atingir seus fins apesar das civilizações anticristãs, não nos
autoriza estimular estas civilizações e deixar de trabalhar pra que impere a
verdadeira civilização cristã.
A tarefa necessária, hoje, em pró da
civilização cristã
Daí que a Igreja com insistência, desde
os dias de Leão XIII, clama pela restauração da civilização ou da Cidade
Católica. Mais adiante traremos as recordadas palavras de São Pio X que são
clássicas na matéria. Mas podemos citar também as de Pio XI e de Pio XII. Este
pontífice deu ao mundo inteiro em 19 de setembro de 1944 uma mensagem sobre
este tema da “civilização cristã”.
Ali manifesta textualmente que “a
fidelidade ao patrimônio da civilização cristã, sua defesa intrépida contra
todas as correntes ateias ou anticristãs, é chave de abóboda, que nunca poderá
ser sacrificada nem diante de uma vantagem transitória nem diante de qualquer
combinação mutável”.
Para a Igreja, esta palavra “civilização cristã” não é uma mera
palavra vazia de conteúdo. Ao contrário, a considera apontando para um
patrimônio vivo que ainda alimento substancialmente a vida de muitos povos. Por
isso Pio XII neste mesmo documento diz umas palavras que merecem ser lembradas:
“Europa – expressa- e os outros
continentes vivem ainda, em grau diverso, graças às forças vitais e aos
princípios que a herança do pensamento cristão lhes dá testemunho quase como
uma transfusão espiritual de sangue. Alguns chegam a esquecer este precioso
patrimônio, a depreciá-lo, inclusive a desprezá-lo; mas subsiste sempre o fato
daquela sucessão hereditária. Até certo ponto um filho pode renegar sua mãe;
mas não por isso deixa de estar unido biológica e espiritualmente. Assim também
os filhos que se afastam da casa paterna e se consideram estranhos a ela, ouvem
sempre, no entanto, às vezes inconscientemente e a seu pesar, como voz do
sangue, o eco daquela herança crista, que muitas vezes em seus intentos e em
sua conduta lhes preserva de se deixar dominar totalmente e guiar pelas falsas
ideias, as que, intencionalmente ou de fato, aderem”.
Nestas palavras se encerra toda uma
teologia da civilização moderna que dá sentido àquelas palavras da proposição
80 do “Syllabus” que negava a
possibilidade de conciliação da Igreja com a civilização moderna. Porque, com
efeito, se esta é a tarefa pesada que a Igreja tem pela frente, fazer a civilização
moderna conforme o evangelho, é porque esta civilização se encontra na
tentativa absurda de querer edificar-se fora de Deus.
Há que refazê-la totalmente, como
ensina Pio XII.
Mas antes de considerar o tipo de
tratamento profundo que necessita, a civilização moderna deverá considerar em
que espécie de aberração caiu.
***
Padre Julio MEIVIELLE. El Comunismo em la revolución anticristiana,
Buenos Aires: Cruz y Fierro, 1982, p. 15-20.
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