domingo, 26 de fevereiro de 2017

EU CONFESSO...

“Foi pelo sofrimento que conheci de perto o meu Amigo. Aquele que reconstruiu a minha morada. Ele se empenhou sempre, com amorável tenacidade, a que eu me chegasse a Ele através dos revezes que me mandou. Verifico-o hoje, claramente. Pois, ao volver agora os meus olhos para o caminho percorrido, vejo que tive ao longo dessa minha jornada alguns pobres triunfos que outrora me enlevaram. Mas nos momentos exatos desses triunfos, nos momentos em que, por circunstâncias várias e em várias ocasiões, parecia que meu destino ia alar-se a sucessos ainda maiores, eis que um golpe adverso, áspera vergastada dos fados, matava no nascedouro, sem dó, a vitória que despontara ontem. Esse sofrimento, contra o qual eu, espumando fel, me rebelei tantas vezes de punhos fechados, sofrimento que estrangulava todas as minhas ambições, que arredava com mão de ferro a minha mocidade do mundo vão que eu amava, esse sofrimento que, culminando, terminou por fazer de mim esse mísero trapo humano que hoje sou, este sofrimento foi - quem jamais soube lá os desígnios secretos de Deus? - o caminho dorido e áspero, mas abençoado, que, fazendo-me ascender do charco às estrelas, levou-me devagarinho, mansamente, para esta doce paz de espírito em que hoje vivo, para este remansado sossego de consciência, e, sobretudo, para esta felicidade - escute-o bem, meu irmão! - para esta paradoxal felicidade de me ver doente, certo de morrer breve, e, por isso mesmo ditoso, serenamente ditoso, porque sinto que fui assinalado pela mão oculta e misericordiosa do Cristo".
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Paulo SETÚBAL. Confiteor, São Paulo: Loyola, 1998, p.12.

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Os Apóstolos das Coisas (Canto dos Lavradores)

(Ao Pequito Rebelo)

NÓS somos os Apóstolos das Coisas, e quando lhe pregamos o amor,
Elas entendem-nos, porque florescem.
O ar bom que se respira somos nós que o criamos,
Porque temos o poder de mudar os climas.
E as nuvens do céu obedecem-nos, como ovelhas mansas, nos prados.

Nós chamamos ao bom caminho, desviando-os do leito inútil,
Os rios maus e transviados, dirigindo-os no dever de regar os campos.
Nós damos de beber a cada folha um trago de luz, a cada raiz uma sede de água,

E choramos sobre as nossas culpas, se o verão é seco e o outono gelado...

Nós temperamos os gelos das madrugadas nos suores das nossas frontes.
 E cada arvore que plantamos é um ramo erguido a Deus,
Que, em paga das flores, nos dá os frutos.

E porque assim somos, tudo nos louva e engrandece.
Os passarinhos voam, em cruz, a abençoar-nos a sementeira,
As suas vozes apenas dizem: “lavrai, regai, criai...”.
E quando alegremente poisam na terra e nos ramos,
E a relha do arado faísca ao sol, alumiando o rego,
Debruçam-se, enternecidos, a ver as delicias que lhe semeamos.

Depois, quando as Coisas do campo nascem e crescem
Sorrimos-lhes, contentes, como a filhos no berço.
E se uma seara adoece, sobre as espigas mortas, por terra,
Vertemos lagrimas, a sofrer, como numa sepultura.
E para salvarmos as plantas da trovoada,
Quantas vezes damos a vida por elas!...

E o nosso bendito amor pela terra nunca descança,
“Porque as leiras virgens, sem fruto, são terras de perdição,
Onde a luz do céu morre sempre de tristeza,

Como a santa graça de Deus, no coração do ímpio.
E, por isso, deixamos ao filhos este preceito:
“Cavai a terra, fecundai-a, porque Deus andará triste. Enquanto na terra houver uma leira sem fruto.

E somos nós, que, a semear, embelezamos e salvamos a Vida!...

Venham até nós os sábios e as escolas, os filósofos e os artistas,
Porque somos pobrezinhos e sustentamos o mundo,
Não conhecemos as Letras e temos a Ciência da Vida,
Não aprendemos a Arte e somos os pintores da Terra!

As nossas mãos são duras e feias, mas são elas que trabalham a luz do sol,
Donde tecem a seda das rosas e o oiro das espigas.
São toscas as nossas falas, mas é entre nós que os passarinhos gostam de cantar,
É bravio o nosso gênio e mudamos o toiro bravo em cordeiro.
É rude o nosso convívio e Deus anda a toda a hora conosco.

Os nossos pés são pesados de abrirem as veredas
Que levam a semente onde as estradas não chegam;
E estas veredas brancas dos campos, cintilando ao sol,
São os caminhos dos Apóstolos da Natureza.

E estes Apóstolos, a quem Deus sorri, somos nós,
Que logo de pequeninos, mal erguendo a enxada,
Recebemos a graça e o poder de criar as Coisas.
E pela vida fora, ao começar os trabalhos de cada dia,
Traçamos, da fronte ao peito, a cruz de uma oração.

Para que todas as Coisas nasçam e se criem,
Em nome do Padre, do filho e do Espirito Santo.

E porque assim somos, gloriosos e simples,
Bendito seja Deus que nos fez lavradores,
Porque muito nos quere.
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NUNO DE MONTEMÓR, extraído do livro Amor de Deus e da Terra, e publicado na revista Ordem Nova, Ano 1, Volume 1, LISBOA 1926, pp. 23-25.


sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

O ORATÓRIO ANTIGO E POBRE

O oratório antigo e pobre
cheirando a flor murcha e a cera.
Ao lado, uma vela acesa.
Lá dentro, um senhor dos Passos
que me fazia aflição;

tão doloroso e cansado,
tão carregado de sombra,
o corpo todo dobrado,
o joelho tocando o chão.

Em torno, o silêncio... A vela
abria uma vaga auréola
no fundo azul da penumbra.
Eu olhava, de olhos baços...
E, no entanto, não sabia
de que distância Ele vinha,
de que imensa solidão.
Nem mesmo, Senhor, sabia
que Teus pés ainda dariam
tantos passos, tantos passos -
antes que um dia chegasses
ao meu triste coração.


Tasso da Silveira

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

O MAIOR ANTEPARO À AVALANCHE VERMELHA ESTÁ NA RELIGIÃO DO CRISTO

"O maior anteparo ao comunismo ateu está, caros jovens, nos princípios cristãos, que vossos mestres vos ensinaram, que vossos pais professam, que vos formaram, plasmaram o vosso ser. Está nesse ideal sacrossanto e imortal, que torna possível a catequese heroica das missões, perlustrando os sertões brasileiros, hostilizados pela natureza e pelo homem, a levar aos nossos patrícios a redenção da palavra divina, sem outra recompensa, além da satisfação intima de cumprir a vontade do Mestre. Está na pregação que dignificou a mulher, que elevou a família e se encarna na dedicação e no carinho de vossas mães, no respeito e no encantamento de vossos lares. O maior anteparo à avalanche vermelha do comunismo, está, senhores, na religião do Cristo"
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CAETANO MUNHOZ DA ROCHA. Discurso de Paraninfo, pronunciado no ato da colação de grau dos bacharelandos do Instituto Santa Maria, de Curitiba, a 29 de Novembro de 1937. (Publicado na revista  "A Ordem", Fevereiro de 1938, n. 88, p. 185).