“Foi pelo sofrimento que conheci de perto o meu
Amigo. Aquele que reconstruiu a minha morada. Ele se empenhou sempre, com
amorável tenacidade, a que eu me chegasse a Ele através dos revezes que me
mandou. Verifico-o hoje, claramente. Pois, ao volver agora os meus olhos para o
caminho percorrido, vejo que tive ao longo dessa minha jornada alguns pobres
triunfos que outrora me enlevaram. Mas nos momentos exatos desses triunfos, nos
momentos em que, por circunstâncias várias e em várias ocasiões, parecia que
meu destino ia alar-se a sucessos ainda maiores, eis que um golpe adverso, áspera
vergastada dos fados, matava no nascedouro, sem dó, a vitória que despontara
ontem. Esse sofrimento, contra o qual eu, espumando fel, me rebelei tantas
vezes de punhos fechados, sofrimento que estrangulava todas as minhas ambições,
que arredava com mão de ferro a minha mocidade do mundo vão que eu amava, esse
sofrimento que, culminando, terminou por fazer de mim esse mísero trapo humano
que hoje sou, este sofrimento foi - quem jamais soube lá os desígnios secretos
de Deus? - o caminho dorido e áspero, mas abençoado, que, fazendo-me ascender do
charco às estrelas, levou-me devagarinho, mansamente, para esta doce paz de
espírito em que hoje vivo, para este remansado sossego de consciência, e,
sobretudo, para esta felicidade - escute-o bem, meu irmão! - para esta paradoxal
felicidade de me ver doente, certo de morrer breve, e, por isso mesmo ditoso,
serenamente ditoso, porque sinto que fui assinalado pela mão oculta e
misericordiosa do Cristo".
Paulo SETÚBAL. Confiteor, São Paulo: Loyola, 1998,
p.12.
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