(Ao
Pequito Rebelo)
NÓS
somos os Apóstolos das Coisas, e quando lhe pregamos o amor,
Elas
entendem-nos, porque florescem.
O
ar bom que se respira somos nós que o criamos,
Porque
temos o poder de mudar os climas.
E
as nuvens do céu obedecem-nos, como ovelhas mansas, nos prados.
Nós
chamamos ao bom caminho, desviando-os do leito inútil,
Os
rios maus e transviados, dirigindo-os no dever de regar os campos.
Nós
damos de beber a cada folha um trago de luz, a cada raiz uma sede de água,
E
choramos sobre as nossas culpas, se o verão é seco e o outono gelado...
Nós
temperamos os gelos das madrugadas nos suores das nossas frontes.
E cada arvore que plantamos é um ramo erguido
a Deus,
Que,
em paga das flores, nos dá os frutos.
E
porque assim somos, tudo nos louva e engrandece.
Os
passarinhos voam, em cruz, a abençoar-nos a sementeira,
As
suas vozes apenas dizem: “lavrai, regai, criai...”.
E
quando alegremente poisam na terra e nos ramos,
E
a relha do arado faísca ao sol, alumiando o rego,
Debruçam-se,
enternecidos, a ver as delicias que lhe semeamos.
Depois,
quando as Coisas do campo nascem e crescem
Sorrimos-lhes,
contentes, como a filhos no berço.
E
se uma seara adoece, sobre as espigas mortas, por terra,
Vertemos
lagrimas, a sofrer, como numa sepultura.
E
para salvarmos as plantas da trovoada,
Quantas
vezes damos a vida por elas!...
E
o nosso bendito amor pela terra nunca descança,
“Porque
as leiras virgens, sem fruto, são terras de perdição,
Onde
a luz do céu morre sempre de tristeza,
Como
a santa graça de Deus, no coração do ímpio.
E,
por isso, deixamos ao filhos este preceito:
“Cavai
a terra, fecundai-a, porque Deus andará triste. Enquanto na terra houver uma
leira sem fruto.
E
somos nós, que, a semear, embelezamos e salvamos a Vida!...
Venham
até nós os sábios e as escolas, os filósofos e os artistas,
Porque
somos pobrezinhos e sustentamos o mundo,
Não
conhecemos as Letras e temos a Ciência da Vida,
Não
aprendemos a Arte e somos os pintores da Terra!
As
nossas mãos são duras e feias, mas são elas que trabalham a luz do sol,
Donde
tecem a seda das rosas e o oiro das espigas.
São
toscas as nossas falas, mas é entre nós que os passarinhos gostam de cantar,
É
bravio o nosso gênio e mudamos o toiro bravo em cordeiro.
É
rude o nosso convívio e Deus anda a toda a hora conosco.
Os
nossos pés são pesados de abrirem as veredas
Que
levam a semente onde as estradas não chegam;
E
estas veredas brancas dos campos, cintilando ao sol,
São
os caminhos dos Apóstolos da Natureza.
E
estes Apóstolos, a quem Deus sorri, somos nós,
Que
logo de pequeninos, mal erguendo a enxada,
Recebemos
a graça e o poder de criar as Coisas.
E
pela vida fora, ao começar os trabalhos de cada dia,
Traçamos,
da fronte ao peito, a cruz de uma oração.
Para
que todas as Coisas nasçam e se criem,
Em
nome do Padre, do filho e do Espirito Santo.
E
porque assim somos, gloriosos e simples,
Bendito
seja Deus que nos fez lavradores,
Porque
muito nos quere.
_____________________
NUNO
DE MONTEMÓR, extraído do livro Amor de Deus e da Terra, e publicado na revista
Ordem Nova, Ano 1, Volume 1, LISBOA 1926, pp. 23-25.
Nenhum comentário:
Postar um comentário