Por suas características, a cidade moderna modelou uma sociedade
urbana composta exclusivamente de indivíduos isolados. Os esquemas
centralistas, a abolição da vida paroquial, dos bairros e vizinhanças com
personalidade própria, foram suficientes para debilitar a cultura urbana, pois
não há cultura baseada em indivíduos isolados. A excessiva acessibilidade,
paradoxalmente, criou mais solidão. Os contatos pessoais, casuais, na rua, vão
desaparecendo. O anonimato vai cobrindo áreas inteiras em razão das densidades
desumanas que fazem com que ninguém se conheça entre si. Daí resulta a
ausência de solidariedade e, logo, a insegurança e a ausência total de um
mínimo de controle social que, antes, colaborava em grande medida com as forças
da ordem e hoje delas se afasta.
É que a sociedade urbana perdeu as virtudes da comunidade; é, na
realidade, o seu oposto. Trata-se de uma aglomeração que acredita na capacidade
de organizar-se voluntariamente, por contratos, e que em vez de buscar
fundamentos comuns se jacta de sustentar um pluralismo como fim. De onde o
reflexo material – a aparência arquitetônica – seja tão deplorável, pois salvo
que algum regulamento o proíba, a tendência espontânea é o destoar, o
desarmonizar, criar o caos.
A comunidade era – e é em alguns contados casos infensos à voragem
da macrourbanização – a associação fundada em ideais comuns, em determinadas
pautas de comportamento social herdadas, não questionadas racionalistamente,
onde os deveres imperavam sobre os direitos, pois ninguém se sentia como
nascido fora do seio dessa comunidade.
Mas a técnica descontrolada, com sua força material avassaladora,
persuadiu a muitos de que é portadora de uma nova ordem social. Pior ainda,
de que essa nova ordem é diferente – se assim convém – da natureza humana e até
mesmo a ela contrária. Por isso, se chega a proclamar que o homem contemporâneo
deve adequar-se não tanto à outra ordem, pois esta é cambiante, senão à mudança
em si, a mudar indefinidamente: acostumar-se a ser ninguém.
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