sexta-feira, 22 de setembro de 2017

A CIDADE MODERNA

Por suas características, a cidade moderna modelou uma sociedade urbana composta exclusivamente de indivíduos isolados. Os esquemas centralistas, a abolição da vida paroquial, dos bairros e vizinhanças com personalidade própria, foram suficientes para debilitar a cultura urbana, pois não há cultura baseada em indivíduos isolados. A excessiva acessibilidade, paradoxalmente, criou mais solidão. Os contatos pessoais, casuais, na rua, vão desaparecendo. O anonimato vai cobrindo áreas inteiras em razão das densidades desumanas que fazem com que ninguém se conheça entre si. Daí resulta a ausência de solidariedade e, logo, a insegurança e a ausência total de um mínimo de controle social que, antes, colaborava em grande medida com as forças da ordem e hoje delas se afasta.
É que a sociedade urbana perdeu as virtudes da comunidade; é, na realidade, o seu oposto. Trata-se de uma aglomeração que acredita na capacidade de organizar-se voluntariamente, por contratos, e que em vez de buscar fundamentos comuns se jacta de sustentar um pluralismo como fim. De onde o reflexo material – a aparência arquitetônica – seja tão deplorável, pois salvo que algum regulamento o proíba, a tendência espontânea é o destoar, o desarmonizar, criar o caos.
A comunidade era – e é em alguns contados casos infensos à voragem da macrourbanização – a associação fundada em ideais comuns, em determinadas pautas de comportamento social herdadas, não questionadas racionalistamente, onde os deveres imperavam sobre os direitos, pois ninguém se sentia como nascido fora do seio dessa comunidade.
Mas a técnica descontrolada, com sua força material avassaladora, persuadiu a muitos de que é portadora de uma nova ordem social. Pior ainda, de que essa nova ordem é diferente – se assim convém – da natureza humana e até mesmo a ela contrária. Por isso, se chega a proclamar que o homem contemporâneo deve adequar-se não tanto à outra ordem, pois esta é cambiante, senão à mudança em si, a mudar indefinidamente: acostumar-se a ser ninguém.
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Patricio H. RANDLE. Tendencia a la desconstruccion de la ciudad contemporânea, in Revista Verbo, Ns. 301-302, Madri: Speiro, p. 105-106.

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