Quem haveria de dizer
que nós fomos criados no meio de um povo alegre? Naquele tempo a oficina era o
lugar da terra em que os homens são felizes. Hoje a oficina é o lugar da terra
em que os homens se recriminam, se odeiam e se batem; se matam. No meu tempo todo
mundo cantava (exceto eu, mas eu já era indigno de ser daquele tempo). Na maior
parte das corporações contava-se. Hoje se resmunga. Naquele tempo não se
ganhava nada, por assim dizer. Os salários eram de uma pequenez que não se faz
ideia. E, no entanto, todo mundo respira. Havia nas mais humildes casas uma espécie
de facilidade cuja lembrança se perdeu. Na verdade no se calculava. E não era
preciso calcular. Podia-se educar os filhos. E se educavam. Não havia esse
estrangulamento econômico de hoje, essa estrangulação científica, fria,
retangular, regular, nítida, caprichada, sem uma emenda, implacável, sóbria, comum,
constante, cômoda como uma virtude, da qual não há nada mais a dizer, e na qual
o estrangulador está tão evidentemente sem razão. Não se saberá nunca até onde
ia a decência e a justeza de alma desse povo; uma tal firmeza, uma tal cultura profunda
nunca mais se encontrará. Nem tamanha elegância e precaução no falar. Aquela
gente se envergonharia de nosso melhor tom de hoje, que é o tom burguês. E hoje
todo mundo é burguês. Quem poderia crer, e isso vem ainda a dar no mesmo, que
nós conhecemos operários que tinham vontade de trabalhar. Só se pensava em
trabalhar. Nós conhecemos operários que de manhã, não penavam senão em
trabalhar. Eles se levantavam de manhã (e a que horas!) e cantavam à ideia de
partir para o trabalho. Às onze horas cantavam quando iam à sopa. E sempre
Victor Hugo no fim de contas; e é sempre a Victor Hugo que é preciso voltar:
Eles iam, eles cantavam... Trabalhar era a sua própria alegria, a raiz profunda
do seu ser. E a razão do seu ser. Havia uma honra incrível do trabalho, a mais
vela de todas as honras, a mais cristã, a única talvez que tenha sentido. É por
isto, por exemplo, que eu digo que um livre-pensador daquele tempo era mais
cristão que um católico dos nossos dias. Porque um católico dos nossos dias é
forçosamente um burguês. E hoje em dia todo mundo é burguês.
Charles PÉGUY (1873-1914).
in Revista A Ordem, n. 06, Vol. XXXVII, junho
de 1947, p. 31-32.
Nenhum comentário:
Postar um comentário