A
temperança liga-se estreitamente à prudência pois modera as paixões do
concupiscível e conserva-as num justo meio razoável entre o excesso e a
carência. Ela se une à justiça pelos atos e pela rejeição à intemperança, vício
essencialmente próprio ao indivíduo dedicado ao seu prazer pessoal. Ela é
companheira da força, que luta pelo bem comum, já que é impossível ser forte
sem ser temperante.
(...)
Não
há nenhuma outra virtude que esteja em mais estreita conexão com todas as
demais ou que lhe seja mais extensível: quase todas as virtudes, cardeais ou
não, tem necessidade da temperança para se levar a efeito. Seu uso é freqüente,
cotidiano, e, se a força a supera “dum certo modo” (quoad aliquid) por seu
aspecto social, por sua freqüência necessária e pelos vínculos concretos com as
demais virtudes, a temperança pode encontrar a preferência do moralista, não
somente em relação à força, mas “mesmo à justiça”. Ela é uma virtude viril e
santo Tomás, seguindo Aristóteles, comenta com precisão que seu contrário “é um
pecado de concupiscência” excessiva que, de ordinário, atribuímos às crianças.
Igualmente destaca, acompanhando “o mestre daqueles que sabem”, que a
intemperança é um vício mais grave que a pusilanimidade, porque é mais
voluntária, mais própria do homem feito. O pusilânime tem quase sempre o
espírito paralisado diante do perigo da morte física ou moral; é mais sujeito
aos impulsos exteriores que sofre, mais sensível aos riscos e às ameaças em
geral. O intemperante é atraído pelos gozos particulares, adjacentes ou
acessórios às concupiscências da natureza. Ora, “é pura e simplesmente mais
voluntário o que é voluntário nas ações singulares, nas quais culminam a
virtude ou o vício, no sentido próprio dos termos”.
Mas,
indo um pouco além, estas ações singulares não estão isoladas de seus
prolongamentos sociais. A vergonha que se associa à intemperança se opõe à
honra e distinção da virtude contrária. Sem dúvida, a intemperança é freqüente
em meio à humanidade, e sua repetição, por demais visível, parece diminuir a
vergonha e a desonra que se associam a ela na opinião dos homens. Todavia, elas
não se apagam completamente dali: a natureza do vício ao qual sucumbe o
intemperante, marcada por sua gravidade, opõe-se a isto. Demais, os estigmas
deixados pela intemperança sobre o aspecto do homem ― a abjeção de sua conduta
libidinosa ― apagam, diz-nos Santo Tomás com profundeza, o brilho e a beleza
inerentes ao homem temperante, equilibrado, dono de si, seguro das finalidades
que persegue, e cuja razão ilumina, por sua transparência, os atos virtuosos.
Um visível envilecimento caracteriza o libidinoso e, na mulher, os artifícios
que o dissimulam só acentuam a ausência de castidade. Todos esses sinais, ao
mesmo tempo individuais e sociais, cujos sentidos são evidentíssimos,
manifestam que o homem ou a mulher entregues à intemperança se rebaixam ao
nível do animal, destruindo em si as marcas do seu caráter verdadeiramente
humano.
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Marcel
de Corte. A temperança, virtude desaparecida. Publicado originalmente na Revista
Itineraires n. 250, Fev/81 Tradução: Permanência.
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