“A
tradição católica implicava costumes, instituições e ideias; da mesma forma, as
transformações ideológicas revolucionárias conduziram primeiro à fratura das
instituições, que por seu turno, se arrastou generalizadamente aos costumes. E
a resistência à revolução progressivamente foi ficando no âmbito dos costumes,
que, ao não contar com o apoio institucional, também foram se esvaindo,
resistindo unicamente o reduto das ideias. Ideias, progressivamente mais
depuradas quanto mais se isolavam no cenáculo dos “militantes” ou dos “tradicionalistas
conscientes”. Este é o processo de conversão (desnaturalização) de um
tradicionalismo cabal em uma société de pensée ou, no melhor dos casos, em um
gueto de famílias em meio a ruínas.
Está
claro que uma tal situação está marcada pelo equilíbrio instável. Pois o que
resta de famílias com dificuldade vai resistindo à pressão exterior, ao tempo
que o agregado ideológico, isolado, tende a fragmentar-se, perdendo o sinal de
unidade de toda tradição, de toda civilização.
Hoje
é muito frequente encontrar defensas da moral sexual e familiar mais
tradicional pelos mesmos grupos que contribuem e sustentam uma política que
progressivamente torna impossível a manutenção desta mesma moral. Outros
defendem a tradição política. Alguns, por fim, reivindicam pedaços da
cosmovisão tradicional de modo “ideológico”, às vezes “conservador”, e até
mesmo “revolucionário”. A consequência é desoladora para os que querem seguir
recebendo “a boa nova” no seio da civilização que esta engendrou entre nós. Porque
é impossível inculturar o cristianismo na civilização moderna e seus valores
atuais, seja a “forte” tecnocrática e prometeica (que podemos denominar “hipermoderna”),
como a “débil” desconstrutiva e niilista (que podemos denominar propriamente “postmoderna”).
Nesta situação, a conjuntura impele muitos a salvar
o que se pode de um velho navio naufragado. Enquanto outros se esforçam por
recordar que os despojos que vão à deriva pertenceram a uma embarcação cujas
dimensões, características, etc., sabe-se de sobejo. E tudo deve ser feito. Mas
o que não se pode esquecer é que sem o acolhimento de uma civilização coerente
todos os restos que se salvam, de um lado, estão mutilados, desnaturalizados, e
– de outro – dificilmente podem subsistir muito tempo em sua separação. Assim,
a chave não pode encontrar-se senão na incessante restauração-instauração (como
não lembrar o memorável texto de São Pio X?) da civilização cristã, que,
ademais, não poder ser alheia – exigência da pietas – da Cristandade”.
______________
Miguel
AYUSO. “La Ciudad Católica en el seno de la tradición católica”. Revista Verbo
n. 445-446, pp. 508-509.
Miguel Ayuso Torres
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