É preciso primeiro
constatar que toda forma de sociedade comporta dois elementos: a seiva e a
casca ou, se se preferir, a fonte e o canal: de um lado, o clima vivo, orgânico
da Cidade, meio e veiculo dos valores que alimentam o ser interior (costumes,
tradições, artes, religião, etc.), e de outro, o aparelho, o enquadramento
legal da Cidade. Em outras palavras, a lei natural, suporte da lei divina, e a
lei escrita. Aqui se impõe uma
observação fundamental. As leis naturais, porque emanam do fundo imutável das
coisas (o qual permite, na superfície, uma grande liberdade de movimento), são
ao mesmo tempo permanentes no seu princípio e muito flexíveis nas suas
aplicações: no limite, a obediência absoluta a Deus se confunde com a
"santa liberdade dos filhos de Deus" (parere Deos liberta est, dizia
Sêneca). As leis escritas, ao contrário, são ao mesmo tempo muito rígidas (elas
não levam em consideração a diversidade dos indivíduos) e muito instáveis e
cambiantes: basta, por exemplo, uma mudança de regime político para que o
aparelho das leis e regulamentos seja modificado completamente. Elas fazem
pouco da liberdade individual por sua uniformidade e a desorientam pela rapidez
de suas mutações... a melhor forma de
sociedade é aquela onde o segundo desses elementos se situa no prolongamento do
primeiro, onde a lei escrita vem apoiar e codificar a lei não escrita que
emana, não somente da natureza universal do homem, mas ainda do gênio
particular de tal ou qual nação. Sem nada idealizar (porque sempre existe uma
distância e uma tensão entre esses dois polos da realidade social), o direito
romano se inscrevia na linha do gênio do povo romano, a constituição helvética
corresponde ao desejo íntimo dos habitantes da Confederação, a democracia e o
direito consuetudinário britânicos foram elaborados em função do caráter
anglo-saxão, etc. Aqui o direito escrito aparece como a rede protetora da lei
natural. Inversamente, uma
sociedade degenera na medida em que o segundo polo (o da lei escrita) contraria
ou absorve o primeiro, quando a pele abafa a seiva. "O que são as boas
leis sem os bons costumes?", dizia Cícero. E Victor Hugo: "Na França,
há dez mil leis e regulamentos entre nós e a liberdade". Neste caso, é o
juridicismo contra o direito e a inadequação de todas as leis que são estranhas
aos costumes ou simplesmente estão muito adiante dos costumes. Poder-se-iam
invocar aqui sistemas de previdência social cujo bom funcionamento exigiria um
grau de maturidade moral que o povo, no seu conjunto, está longe de ter
atingido; o drama dos povos recentemente libertados da tutela colonial, certas
leis contra o alcoolismo ou a prostituição e, mais geralmente, todos os ensaios
de reforma que, por não estarem adaptados ao estado dos costumes, não fazem
senão agravar os males que pretendem curar.
Resumamos. As
melhores formas de sociedade são aquelas cujas estruturas comportam o máximo de
vínculos vivos e interiores. Por outras palavras, aquelas em que a coletividade
se organiza sob uma dupla influência: primeiro, aquela da necessidade elementar
de polaridade biológica (a família, o grupo humano arejado em que cada um
permanece ele mesmo em sua relação com o próximo, o trabalho, o pertencer comum
a um solo, a um clima, a uma tradição, em resumo a Cidade em que o passado é o
suporte e o alimento do presente e em que a hierarquia das funções se enraiza
na diversidade das vocações); em seguida, aquela influência de um apelo
espiritual representado por uma cultura e uma arte que traduzem o espírito de
um povo, por uma religião ao mesmo tempo universal e encarnada. Uma tal
sociedade prolonga, coroa, corrige se necessário, mas sem aboli-la, a
diversidade humana; ela constitui uma síntese da qual cada elemento conserva e
desenvolve sua integridade, sem justaposição nem mistura; a identidade do fim
aí concorre para a expansão da diferença original que cada indivíduo traz em
si. Apressamo-nos a
acrescentar que nenhuma formação social atende plenamente a esse ideal. Todas
as sociedades estão mais ou menos em equilíbrio instável, todas apresentam
imperfeições e fraturas (opressão, parasitismo, farisaismo, etc.) mas, sem
realizar o bem absoluto, impossível de atingir aqui em baixo neste mundo, é já
uma grande vantagem encarnar o menor dos males. Schopenhauer dizia que os reis
que inscreviam no começo de seus ordenamentos: "Nós, pela graça de
Deus" teriam estado mais perto da verdade dizendo: "Nós, dos males o
menos, decretamos que..." Enfim, como os indivíduos, todas as formas de
sociedade tornam-se caducas e as novas formas que as substituem, mesmo se (o
que está longe de ser sempre o caso) estas constituem um progresso positivo em
relação às precedentes, continuam fatalmente misturadas ao bem e ao mal. Um só exemplo. O
parasitismo social existia, no Antigo Regime, sob a forma do senhor ocioso e do
cortesão e no no século XIX sob a figura do rendeiro não menos ocioso. Hoje,
esses tipos humanos praticamente desapareceram, mas o número de parasitas em
relação ao conjunto da população certamente não diminuiu. Citemos de memória os
funcionários inúteis, os desfrutantes dos "trusts" ou do Estado e os
inúmeros "trabalhadores" que exercem atividades supérfluas ou
nocivas. Todas eles são parasitas, no sentido de que eles não proporcionam à
coletividade o equivalente aos bens reais que eles consomem. E não creio que
esse mal possa jamais ser totalmente eliminado.
___ Gustave
THIBON. Realidade social e miragem coletivista. Revista Hora Presente, n.
1, set/out 1968.
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