sexta-feira, 28 de novembro de 2014

A REFORMA INTELECTUAL E MORAL

Jean Madiran (1920-2013)

A política moderna é essencialmente uma estratégia sem fé nem lei para a tomada do poder e para sua exploração; é portanto um despotismo sistemático e não acidental. Não está mais a serviço do bem comum temporal. É por isto que a palavra “política” e o fato político estão desacreditados, como estava desonrada a profissão das armas quando nasceu a cavalaria.
A reforma intelectual não visa a tomado do poder nem mesmo do poder cultural. Ela quer outra coisa: quer a restauração do aprendizado.
O homem é votado à aprendizagem e ao aperfeiçoamento, isto é, ao esforço de adquirir aquilo que é superior a ele mesmo: superior na ordem do saber, na ordem do saber fazer e na ordem da sabedoria. Quando, por princípio, se imagina que não há nada superior ao eu individual, à própria consciência e à própria vontade livre, o aprendizado não tem mais sentido, não há mais aperfeiçoamento. Estamos atualmente neste ponto. Todos os graus de ensino estão fundados na crença de que tudo se pode saber sem nada se ter aprendido. A isto se chama respeitar e cultivar a criatividade de cada um. Maurras caracterizou bem as duas atitudes mentais:
“Um moço que quer amadurecer pode dizer a si mesmo:
Com quem parecerei? Comigo mesmo? Com o que tenho de mais ‘eu-mesmo’? Acentuarei a minha personalidade, reforçando todos os traços de meu natural?
Como pode dizer também:
Tornar-me-ei parecido com alguma coisa de melhor e mais alta do que eu?”
Prender-se ao que há de mais “eu-mesmo” ou a “qualquer coisa de melhor e de mais alta do que eu”? Estas duas atitudes mentais poderíamos chamá-las, uma, moderna, outra, clássica, ou melhor natural. A reforma intelectual consiste em subir da primeira para a segunda. A modernidade consiste em descer da segunda para a primeira: neste caso já se suprime, de saída, a idéia de aprendizado porque não trata de tornar-se melhor mas de tornar-se cada vez mais “eu-mesmo”, sem se compreender que o verdadeiro modo, a única possibilidade de se tornar cada vez mais “eu-mesmo” é justamente se tornando melhor. No fundo existe aí, portanto, um qüiproquó diabólico, um infernal mal-entendido, como houve desde o princípio com o eritis sicut dii (“sereis como deuses”). Perseverar e crescer no ser que se é, eis a mais legítima aspiração; a aspiração natural do ser. O caminho aparentemente curto, o caminho enganador recusa reconhecer superioridades, submeter-se a elas, instruir-se, adaptar-se, conformar-se por elas, como se estas restrições de boa ordem infligissem uma diminuição à pessoa. Mas o desabrochar da personalidade não é a finalidade suprema: ela não será encontrada por acréscimo em lugar algum senão no final do caminho da humildade.
A história da humanidade mostra um progresso geral quase constante, quase contínuo: o progresso do poder do homem sobre a matéria. Este progresso não é, em si mesmo, uma ilusão. Mas ilude. Faz esquecer o outro aspecto da história da humanidade, também constante, que é a inconstância de seu valor intelectual e moral; inconstância de um século para outro, de uma época para outra, e até de uma idade para outra de uma mesma vida, como mostra a história do Santo rei David e ainda mais a do rei Salomão. Mas nenhuma história mostra mais nada quando se deturpa tanto o que ela conta quanto os critérios de julgamento. Hoje, na França, o recurso às lições da história é inoperante. A história que vem sendo ensinada aos franceses há um século foi pensada, fabricada, escrita com uma intenção passionalmente hostil à sua pátria e à sua religião. Henri Charlier foi educado sem fé nem batismo, num espírito perfeitamente maçônico. Passando pela primeira vez diante de Notre-Dame de Paris, conclui imediatamente que lhe tinham mentido, que os homens, a sociedade, a época que tinham construído a Igreja de Notre-Dame não estavam mergulhados no obscurantismo com lhe haviam dito. Ele pode formular para si mesmo, com certeza, tal conclusão porque tinha uma verdadeira percepção clássica; viu que da época da construção de Notre-Dame para a nossa não tinha havido progresso mas recuo. Progresso houve, sem dúvida, como sempre, mas do poder do homem sobre a matéria; recuo intelectual e moral. Mais ou menos no mesmo momento, a percepção política ou especulativa de Péguy, de Maurras, levavam-nos a observações análogas. Percepções raras, percepções excepcionais. Pois o olhar moderno foi preparado, habituado, condicionado para procurar no passado não mais o exemplo de realizações do bem comum temporal, mas precedentes revolucionários revelando as primeiras revoltas da pessoa individual em marcha para a conquista de sua autonomia moral. Disto se compõe um outro universo mental: o universo cultural e político que a televisão de cada dia ilustra, instala, impõe. A autonomia moral da pessoa é uma mentira. O homem moderno pensa que vai achar a liberdade nesta autonomia; acha a escravidão. Sua libertação depende de uma reforma intelectual e moral, a reforma de Péguy, de Maurras, de Henri Charlier.


“Itinéraires” n° 216 — Set—Out 1977. Permanência, n° 112/113, Mar-Abr 1978, trad. de Anna Luiz Fleichman.

O HOMEM CONTRA A CRIAÇÃO

"Homem e mulher são diferentes no corpo e na alma, na biologia, no sentir, no amar e no entender, mas são diferentes para serem um para o outro, e os dois, através das diferenças e relação mútua, para criação do filho, em que colaboram intimamente com Deus – eles, os pais, no corpo, em tudo o que o corpo traz à vida, no sentimento, no coração, quase na alma; Deus, na alma transcendente, nesse quase que está para além dos pais e os pais, por não serem divindade, não podem acabar. Os pais lhe dão a terra; Deus, o que está para além da terra, o destino transcendente dos seres espirituais.
Deus está presente já na própria concepção dando ao amor dos pais a oferta criadora duma nova alma. É nesta associação espantosa de Deus e do homem, não dada à criação em momento algum, que se tornam, homem e mulher, na regra fundamental do viver humano, à qual tudo deve estar subordinado.
A família supõe assim, por estes fatos fundamentais, a ordem criada. Deus colabora na ordem que criou e através dela. Não se sujeita a colaborar numa ordem criada pelo homem, sem Ele.
A complementaridade, e diferenciação dos sexos é assim o fato primário, a própria condição de existência na terra da obra suprema da divindade. Não admira que, num mundo em que se está a negar a diferenciação e complementaridade dos sexos, se substitua a graça da criação pela tragédia da destruição das fontes da vida e da própria vida, como sucede na anticoncepção e nas destruições maciças em que a humanidade, invocando um amor que não foi criado, se extingue de dia para dia... o que leva já alguns governos temerem, não o espectro neo-maltusiano da sobre população, mas o vácuo ainda mais pavoroso da extinção dos seus povos por falta de procriação.
A grande ameaça da humanidade de hoje não é o aumento da população que as máquinas calculam nos gabinetes do planejamento mundial, não são as bombas atômicas que ainda não conseguiram matar além de escassas centenas de milhares de vidas; espantosamente, segundo uma evidência em que o senso comum, (por se Ter completamente perdido, certamente) não acredita, é o aborto, que mata atualmente milhões e que já matou cerca de 50 milhões de homens nos últimos 20 anos. (P.S.: o presente artigo foi escrito em 1971)
Deus não colabora com o homem numa ordem criada contra uma ordem que Ele criou, e se a humanidade, que ainda não destruiu o instinto inicialmente dado, ainda cresce, não demorará extinguir-se pouco a pouco, em face da maior razia de vidas que nunca peste ou fome ou guerra lhe trouxe na história passada. Bom será que o presente século, hipnotizado pela doutrina econômica do neo-maltusianismo, ao menos, por um imperativo também econômico, considere urgentemente uma nova doutrina, anti maltusiana agora.
Começa por divergir a história atual, logo de início, da ordem criada, e também, na ordem criada, a sentir efeitos devastadores. Pode o homem tentar criar uma nova natureza, não pode livrar-se da vingança da natureza destruída. As leis que Deus criou, para todos evidentes, atuam sempre, ou criando, ou destruindo, por elas mesmas. E estas leis vingam-se implacavelmente, num determinismo cego a que o homem não pode fugir. É o preço da nova criação".

___ Luis de SENA ESTEVES. Trecho extraído da Revista católica Hora Presente, Ano III, Dezembro de 1971, n°11, p.176-177

A CHAMADA DIGNIDADE HUMANA

“Somente a pessoa pode ser sujeito de direitos e deveres, não a natureza. Portanto, não se pode falar de direitos humanos universais, mas sim de direitos concretos de cada pessoa. O direito natural o que faz é criar uma ordem relativa à natureza humana que se impõe como um conjunto de deveres às pessoas; por isso os Mandamentos da Lei de Deus são formulados como deveres e não como direitos; deveres da pessoa em relação à natureza. O que a Declaração de Direitos Humanos pretende fazer é atribuir direitos à natureza como reflexo daqueles deveres, confundindo a natureza individual com a pessoa, e fundando aqueles pretensos direitos em uma inexistente dignidade natural”.


__ Alvaro D'ORS. “La llamada dignidad humana”, La Ley (Buenos Aires), núm. 148 (1980).

Alvaro D'Ors (1915-2004)

DOS DIREITOS HUMANOS À BARBÁRIE

“Os cidadãos têm deveres para com a sociedade e com o governo: as declarações de direitos nasceram para limitar a quantidade e a qualidade desse deveres que os governantes podiam impor aos cidadãos, não para impedir que lhes fossem impostos deveres. (…) os direitos não nasceram para igualar todos os cidadãos na irresponsabilidade. Os direitos foram aplicados à polícia para impedir seus abusos, não para deixá-la inerme diante dos delinquentes. Os direitos se aplicaram à justiça para ajudá-la a cumprir sua grande missão de transformar a vingança privada visceral, em represália pública mais humana e desapaixonada, não para impossibilitar a resposta pública dos crimes”.

__ Francisco PUY MUÑOZ. Sobre la antinomia derechos humanos deveres humanos, em “Horizontes de la filosofía del derecho...”, Universidad de Alcalá, Alcalá de Henares, 2002, p. 637.

O QUE SERIA NA PRÁTICA O DECRETO 8.246/14 E ALGUMAS DISPOSIÇÕES DO PNDH-3

“No marxismo-leninismo deve ser gradualmente retirada a realização da Justiça da classe profissional dos juízes e promotores, cujo senso jurídico e cuja independência produzem, mesmo dentro do sistema totalitário, surpresas desagradáveis ao governo. Esta evolução começou, na Alemanha Oriental, com a eleição dos jurados e com sua participação nos assuntos judiciais; continua com a eleição popular dos juízes (através das representações populares locais – lei 1/X/59); e, finalmente, irá terminar confiando a realização da justiça a 'órgãos sociais'”.


___ Hans Heinrich JESCHECK. Delito e Sanção na Teoria e na Realidade do Marxismo-leninismo (traduzido por Alípio Silveira), citado pelo ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ítalo Galli (1913-2012), em sua conferência “Fundamento teleológico do direito de punir”, na primeira Jornadas Brasileiras de Direito Natural.


MASSIFICAÇÃO DE DESARRAIGO

“Como consequência de um complexo processo espiritual e político, a sociedade de nosso tempo se converteu em uma sociedade de massas, em que as quantidades não designam simplesmente números, mas revelam formas de vida. Suas notas características, estudadas profundamente pelo pensamento atual desde diversas perspectivas, são a uniformidade, a ausência de estruturas hierarquizadas naturais, a manipulação externa da massa amorfa e inorgânica, o primado da irresponsabilidade, a indiferenciação do individual, a valoração da incompetência etc.; tudo isso no marco cada vez mais rígido e regulamentado de uma sociedade mecanizada e manipulada através do Poder”.


____ Enrique ZULETA PUCEIRO. Justiça e Igualdade. Revista Verbo, Madri, n. 148-149, p. 1120

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

EM DEFESA DA CULTURA CRISTÃ-HIPÂNICA

"A árvore argentina se compunha, pois, de uma raiz fundamental, hispano-cristã; de um tronco tradicional, criollo, e de uma ramagem moderna imigratória. A folhagem enriquecia a árvore, à qual se assimilava. Tudo em sua medida e harmoniosamente. Tal concepção perdurou intacta até a derrota nacional de 1982 nas Ilhas Malvinas. Desde então predominaram certos grupos étnicos, não precisamente americanos ou nativos, que sempre resistiram a assimilação à um único raizame indentificatório nacional. Entronizados nos aparatos educativos, mediáticos e partidocráticos, aproveitaram a funesta situação de derrota para atacar a identidade argentina, e, propor, em substituição, o mito da ‘pluralidade cultural, própria dos povos invertebrados e sem história’.
À esses efeitos tenebrosos, e como disfarce de sua real autoria e, interesses de ‘ghetto”, ditos setores levantaram o tópico da ‘diversidade cultural’ dos ‘povos originários’. Daí que, na reforma constitucional de 1994, em lugar de assinalar a identidade nacional, se estabeleça o respeito à identidade indígena não por amor ao índio, mas por ódio à cultura cristã-hispânica fundacional de nosso país”.


__ Enrique DÍAZ ARAUJO. Propiedad Indígena (Glosas Críticas), Editorial: EUC, 2011, p. 14-15.

FRANCISCO E O SANDINISTA MIGUEL D'ESCOTO

Trechos da Declaração do Instituto de Filosofia Prática de Buenos Aires sobre o levantamento de uma suspensão a divinis e o comunismo.

“O comunismo é intrinsecamente perverso”. Pio XI, Divini Redemptoris, 60.

“Todo anticomunista é um cão”; “O inferno são os outros”. Jean Paul Sartre.


1. Há poucos dias, o Papa Francisco levantou a suspensão “a divinis” que pesava sobre o sacerdote Miguel D’Escoto Brochmann, por solicitação do mesmo, alentado pelo Núncio na Nicarágua. A penalidade havia sido imposta por seu antecessor João Paulo II, há trinta anos atrás, por participar, "na perseguição de católicos durante o primeiro governo sandinista", do qual era chanceler.

2. Como afirma Antonio Valladares, poeta e pintor curbano, quem padeceu vinte e dois anos nas prisões políticas de Cuba, “não consta que o padre D’Escoto tenha se retratado do apoio ostensivo à ditadura castrista, favorecendo a escravidão do povo cubano”; para o padre D’Escoto “a primeira coisa que um cristão deve ser é anticapitalista e antiimperalista”. (Francisco, pro-castrismo, y confusión, 9/8/2014)

3. Não demorou muito para que reabilitado sacerdote mostrasse seu atual espirito de “reconciliação”. Em primeiro lugar, criticou a punição que lhe havia sido imposta: “na realidade, foi um abuso de autoridade e Deus me deu a graça de carregar isso sem nenhum rancor”; em segundo lugar, afirmou: “Jesus foi o maior anti-imperialista da história; foi crucificado por ser anti-imperialista”.  (La Prensa, Managua edición digital, 5/8/2014).

4. Mas, como se isto já não bastasse, no mesmo dia declarou ao Canal 4 de Managua: “O Vaticano pode silenciar em face do mundo, então Deus fará com que as pedras transmitam sua mensagem, mas não fez isso, escolheu o maior latino-americano de todos os tempos: Fidel Castro”. E não satisfeito em sua orgia laudatória acrescentou: “É através de Fidel Castro que o Espírito Santo nos transmite a mensagem, essa mensagem de Jesus da necessidade de lutar para estabelecer o reino de Deus nesta terra que é a alternativa ao império” (Agencia EFE, 5/8/2014).

5. O comunismo, que há muitos engana com a ideia de uma ‘aparente redenção’, seguirá sendo nosso primeiro inimigo. Porque “sua doutrina não é apenas social. O ateísmo que leva em seu coração o afeta com um coeficiente religioso... a doutrina comunista e um Evangelho infernal... Por isso se esforça em criar a confusão entre os católicos mediante sua falsificação da redenção dos humildes. Transforma a revolução divina em revolução humana e faz do homem novo de São Paulo o homem novo do marxismo” (Louis Salleron Monde et Vie, Paris, n. 168, 1968, p.44).

6. O comunismo, “abraçou o partido da humanidade contra os homens”, e os partidários do ódio convertera muitos lugares da terra em um mundo odioso, bem descrito por Thierry Mauliner: “Desse [mundo] que quis me afastar, desse mundo em que a mulher deve desconfiar de seu marido e o irmão de seu irmão. 7. Desse mundo em que um filho deve peticiona ao tribunal para julgue seu pai por traição: 'Solicito que meu pai seja condenado à morte e que minha carta seja lida em sua frente’. Desse mundo em que a vida é comprada ao preço do nojo de si mesmo”.

8. O sacerdote D’Escoto, cheio de ódio, blasfemo, impenitente, soberbo, cego ante a realidade, extraviado, fanatizado pela ideologia marxista ou totalmente louco, encontra-se em condições de celebrar a Santa Missa? Não serão cometidos renovados sacrilégios?

9. Não somos responsáveis por tudo isso porque não é de nossa competência outorgar licenças, retirá-las, ou suspender a quem quer seja. Mas como cristãos, manifestamos nosso temor e o faremos chegar pelas vias correspondentes, a quem têm a competência e responsabilidade de fazê-lo, para que fique inteirado caso não o esteja. E proceda em consequência assumindo essa responsabilidade.

Buenos Aires, 12 de agosto de 2014.

                    Bernardino Montejano*                       Juan Vergara del Carril                     Presidente                                                  Secretario


* O professor Montejano é conhecido nos círculos católicos no âmbito de sua pátria, a Argentina, e em nível internacional, tendo colaborado com a Revista Verbo de Madri, dirigida por décadas pelo também jusnaturalista Juan Vallet de Goytisolo. Discípulo do Padre Julio Meinvielle, seu compatriota e conhecido tomista, é profundo conhecedor do magistério da Igreja e defensor intrépido da Realeza Social de Nosso Senhor Jesus Cristo conforme ensinamentos de São Pio X e da encíclica Quas Primas de Pio XI. 


Os socialistas Evo Morales e frei D'escoto

A REALEZA DE CRISTO E A APOSTASIA MODERNA - R. P. ALFREDO SÁENZ

SÃO PIO X E A QUESTÃO SOCIAL

Miguel Fagoaga G. Solana*

O artigo que ora traduzimos e transcrevemos na integra foi escrito pelo jurista e pensador católico espanhol, MIGUEL FAGOAGA, que foi articulista, junto com o brasileiro JOSÉ PEDRO GALVÃO DE SOUSA, com o português FERNANDO AGUIAR, e com o jusfiloso, seu compatriota, FRANCISO ELIAS TEJADA Y SPINOLA, da Revista Trilingüe Reconquista. Escrito há mais de cinquenta anos, reputamos que referido artigo não perdeu a vigência sendo indispensável, portanto, sua leitura, para melhor compreensão dos profícuos ensinamentos de São Pio X, sobretudo em nossos dias em que ainda se observa, não sem tristeza, a lepra socialista predominar em certos círculos ditos católicos.

São Pio X

A beatificação de Pio X neste ano evoca seus ensinamentos em todas as ordens e, de uma maneira especial, sua luta denodada contra uma série de erros, que em seu tempo começavam a estender-se em proporções alarmantes.
Por isso seus escritos sobre questões sociais possuem especial importância, e assombra observar como os tratadistas, ao expor a doutrina da Igreja nesta matéria, fixam sua atenção sobre Leão XIII e Pio XI e prescindem totalmente do Santo Patriarca de Veneza.
Sua doutrina central é clara e terminante: a causa de todos os males que molestam a sociedade deve buscar-se nas “doutrinas dos pseudofilósofos do século XIII, as da Revolução e do liberalismo tantas vezes condenado” (1).
Adverte com prudência que “a questão social e a ciência social não nasceram ontem; que em todas as idades a Igreja e o Estado em união de esforços felizmente suscitaram para o bem estar da sociedade organizações fecundas” (2). E valentemente sai ao encalço das insidiosas acusações fulminadas contra a Religião Católica ao dizer: “a Igreja, que jamais traiu a felicidade do povo com alianças comprometedoras, não tem que desligar-se do passado”. (3).
Ao examinar, todos estes erros recorda como Leão XIII anatematizou uma “certa democracia cuja perversidade chega ao extremo de atribuir na sociedade a soberania ao povo e procurar a supressão e nivelação de classes”. (4).
Para estes reformadores da sociedades, “seu sonho consiste em mudar as bases naturais e tradicionais (da sociedade) e em prometer uma cidade futura edificada sobre outros princípios que se atrevem a declarar mais fecundos, mais benéficos que aqueles em que descansa a atual sociedade cristã” (5).
Segundo eles, “toda desigualdade de condição é injusta ou, ao menos, uma menor justiça, princípio sobremaneira contrário a natureza das coisas, gerador da inveja e da injustiça e subversivo de toda ordem social” (6).
O perigo do socialismo o denuncia em toda sua importância: “refutar eficazmente aos progressos do socialismo; o qual, respirando ódio contra o Cristianismo e arrancando do coração do povo as esperanças do céu, avança destrutor para derrubar o edifício já vacilante da sociedade”. (7).
A única solução está na doutrina católica, já que “não se edificará a sociedade se a Igreja não põe os cimentos e dirige os trabalhos” (8). Porque “se se busca a verdadeira paz é um absurdo pensar que possa existir sem Deus, posto que, onde Deus se aparta, se aparta também a justiça, e faltando esta, em vão pode esperar-se a paz” (9).
E com exatidão e clarividência traça um programa de ação para os católicos no terreno social, político e religioso: “É mister a união dos entendimentos na verdade, a união das vontades na moral, a união dos corações no amor de Deus e de seu Filho Jesus Cristo” (10).
A este respeito não podem olvidar os espanhóis os certeiros conselhos dados ao Cardeal Aguirre, Arcebispo de Toledo: “A ação social dos católicos não reportará as utilidades apetecidas se os que trabalham pelo bem comum não tem, segundo é sua obrigação, um mesmo pensar, um mesmo querer, e um mesmo agir” (11).
É necessário, ademais, nesta empresa de volver a criar uma ordem social cristã, “o concurso dos verdadeiros trabalhadores da restauração social, os organismos quebrados pela revolução - Grêmios, Confrarias, etc. - e adapta-los, com o mesmo espirito cristão de que estiveram animados, ao novo meio criado pela evolução material da sociedade contemporânea, porque os verdadeiros amigos do povo não são nem revolucionários nem renovadores, senão tradicionalistas” (12).
É muito freqüente a afirmação de que a Igreja fracassou ante o problema social, de que a ação dos católicos neste terreno tem sido estéril e que este é o motivo pelo qual as massas de trabalhadores se tem descristianizado e tem seguido doutrinas mais favoráveis em aparência a seus interesses e a seus programas reivindicatórios.
Em primeiro lugar é necessário advertir que todos aqueles sistemas que apresentam uma ordem social distinta da cristã são, ademais de errôneos, utópicos. Hoje o mundo tem experimentado a dolorosa realidade destes regimes socialistas e comunistas que, longe melhorar a condição social dos trabalhadores, hão submetido os povos a escravidão e a barbárie. E nestes erros não há atenuações, todos são igualmente condenáveis: comunismo, socialismo, socialismo de Estado, socialismo democrata, etc.
Que oferecem estes programas? Ao princípio escrevemos o esboço traçado por Pio X: “Seu sonho consiste em mudar as bases naturais e tradicionais (da sociedade) e em prometer uma cidade futura edificada sobre outros princípios que se atrevem a declarar mais fecundos, mais benéficos que aquele em que descansa a atual sociedade cristã” (13).
No mundo, por mais que se afanem os mediadores, sempre haverá ricos e pobres, desigualdade, trabalhos, dores, sofrimentos e misérias, etc., etc.
É a condenação bíblica que pesa sobre o gênero humano. Há que volver a repetir com Pio X: “Não há salvação para o mundo fora de Jesus Cristo; como que não há outro nome debaixo do céu dado aos homens, em que devamos ser salvos. À Ele, pois, é necessário volver; a Seus pés é preciso prostrar-nos; de Seus divinos lábios recebermos as palavras de vida eterna; porque o único que pode indicar o caminho da regeneração é Aquele que disse: ‘Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida’”.
Se tem tentado novamente prescindir de Cristo na direção das coisas contingentes, passageiras; se tem começado a edificar desfazendo-se da pedra angular, que é que o que São Pedro jogava na cara dos que haviam crucificado a Cristo. Mas o que se edifica sobre areia movediça, por certo cai sobre a cabeça dos edificadores e destroça-se; no entanto, Jesus continua sendo a pedra angular da sociedade humana, comprovando-se uma vez mais que fora Dele não há salvação. “Eu sou a pedra reprovada por vós, os edificadores; e não está em nenhum outro lugar a verdade” (14).
É evidente que o trabalho de muitos católicos no campo social tem sido ineficaz, porém tem eles seguido as regras mais dos revolucionários do que agido como católicos. Eles tem aceitado os princípios errôneos: democracia igualitária, socialismo, totalitarismo, etc., e não ouvem os infalíveis ensinamentos da Igreja. Sigamos a Pio X neste ponto de atuação dos católicos em questões sociais.
Há muitos católicos que defendem ideias liberais e democráticas sem considerar que hão sido anatematizadas pela Igreja “as doutrinas dos pseudofilósofos do século XVIII, as da revolução e do liberalismo tantas vezes condenado” (15). “Outros muitos colocam a autoridade no povo ou quase a suprimem, e têm por ideal realizável o nivelamento de classes. Vão, pois, ao revés da doutrina católica, para um ideal condenado” (16).
São muitos os que “ébrios com o mosto da novidade falam uma linguagem nova e confusa, que não é certamente a que falavam os primeiros cristãos” (17). Disse Pio X dirigindo-se aos espanhóis:
“Desejamos que se cuide também de que não se infiltrem lentamente doutrinas novas e peregrinas, por não dizer opostas ao ensinamento da Igreja. Não raras vezes há ocorrido que a paixão de novidades tenha infeccionado a muitos, ainda entre o clero, dando em terra com sua obra” (18).
Não poucas vezes estes católicos hão procurado antepor os interesses materiais aos espirituais, motivo fundamental do fracasso.
“Enganam-se a si mesmos gravemente os que ao procurar o público bem estar, singularmente ao defender a causa do povo, põe seu principal cuidado nos bens do corpo, ainda que passem em silêncio os da alma e as gravíssimas obrigações da profissão cristã” (19).
Em quantas ocasiões os afãs demagógicos e proselitistas hão esterilizado os melhores esforços. "Mas não basta reunir gente: é preciso educa-la na vida cristã; é preciso forma-la naquele apostolado popular que, juntamente com a ação católica, exige de seus fiéis a Igreja; católicos de fé estéril e infecunda ou, pior ainda, católicos cuja fé contradiga as obras, não poderão nunca ser instrumentos úteis para as grandes empresas da restauração social, a qual, para difundir-se eficazmente, deve começar pelo mesmo que dela se professa apóstolo. Não se contentem, pois, com ir ao povo; esforcem-se sobretudo por formar nele um espírito profundamente cristão” (20).
Basta-nos, para terminar, expor as normas dadas por Pio X para que estes trabalhos no campo social sejam o suficientemente frutíferos que as graves circunstancias do mundo exigem e esperam.
Dirigindo-se aos fiéis da orbe na Encíclica Supremi Apostolatus Cathedra, dizia: “A ação é o que requer os tempos atuais; mais uma ação entregue de toda ao cumprimento íntegro e escrupuloso das leis divinas e dos preceitos da Igreja, a profissão franca e patente da Religião, a prática de toda classe de obras caritativas, sem visar qualquer proveito próprio nem cobiça de vantagens terrenas. Brilhantes exemplos dessas virtudes dadas por tantos soldados de Cristo, serão muito mais eficazes para comover e arrebatar as almas que a abundância de palavras e sutilezas de razões, e se logrará facilmente que, deposto o temor, rechaçadas as prevenções e as dúvidas, se convertam muitíssimos à Cristo e promovam aonde queiram seu conhecimento e seu amor”. (21).
Anos depois, na Encíclica Il fermo proposito traça o seguinte programa do católico na vida pública e social: “Deve lembrar-se de ser, em qualquer conjuntura, e de aparecer, verdadeiramente católico, aproximando-se dos cargos públicos e desempenhando-os com o firme e constante propósito de promover, quanto lhe seja possível, o bem social e econômico da Pátria, particularmente do povo, conforme as máximas da civilização eminentemente cristã, e de defender ao mesmo tempo os interesses supremos da Igreja, que são os da Religião e da Justiça” (22).
Atuação incompatível com covardias e contemporizações.
“Gravíssimamente erram os que sonham com um estado tal em que a Igreja, sem oposição de ninguém, goze de paz dulcíssima. Mas mais torpemente se enganam os que, levados de vã e falsa esperança de conseguir essa paz, dissimulam os interesses e direitos da Igreja preterindo suas particulares comodidades, os atenuam injustamente, bajulam ao mundo sob pretexto de ganhar aos fautores de novidades e de concilia-los com a Igreja, como se fosse possível acordo algum entre a luz e as trevas, entre Cristo e Belial. Sonhos de enfermos são estes, cujas vãs aparências se forjaram e forjarão sempre enquanto houver covardes que, apenas tendo visto o inimigo, arrojem baixando o escudo, ou traidores que se apressuram em pactuar com o lado contrário, que é em nosso caso o inimigo furioso de Deus e dos homens” (23).

Tratamos de bosquejar em breves linhas o pensamento de Pio X, sobre questões sociais. Hoje que o mundo obsessivamente trata de buscar solução a todos estes problemas por meio de grande quantidade de organismos nacionais e internacionais, bom será que meditemos sobre estas sábias normas de um Pontífice elevado aos altares, e que se morreu por seu amor aos humildes, pois, como esculpiu em seu testamento, “nascido pobre, tendo vivido pobre e certo de morrer muito pobre” (24), ele se considerava um deles.

(1) Enc. Notre charge apostolique, 1, 23 agosto, 1910.
(2) Enc. Notre charge apostolique, 39.
(3) Enc. Notre charge apostolique, 39.
(4) Enc. Notre charge apostolique, 9.
(5) Enc. Notre charge apostolique, 10.
(6) Enc. Notre charge apostolique, 21.
(7) Carta de 20 de janeiro de 1907 aos dirigentes da União Econômico Social.
(8) Enc. Notre charge apostolique, 11.
(9) FERRUCCIO CARLl, PÍO X e Seu tempo, Barcelona, 1943.
(10) Enc. Notre charge apostolique, 22.
(11) Carta do Papa ao Cardeal Aguirre em novembro de 1909.
(12) Enc. Notre charge ttpostolique, 39.
(13) Enc. Notre charge apostolique, 10.
(14) Jocunda sane. (Enc. sobre São Gregório Magno). 12 março, 1904.
(15) Enc. Notre charge apostolique, 1.
(16) Enc. Notre charge apostolique, 9.
(17) Enc. Piene L'animo. 28 julho 1906.
(18) Carta ao Cardeal Aguirre, Arcebispo de Toledo.
(19) Enc. Jocunda sane.                    
(20) Carta do Cardeal-Secretário de Estado aos diretores da Ação Católica de Umbría.
(21) Enc. Supremi Apostolatus Cathedra, 4 outubro, 1903.
(22) Enc. II fermo Propósito, 11 junho, 1905.
(23) Enc. Communium rerum, 21 de abril, 1909.
(24) Cardeal RAFAEL MERRY DEL VAL, Memórias do Papa Pio X. Madrid, 1946.

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*Este artigo foi transcrito da Revista de Política Social, Número 11, de Julho/Setembro de 1951, pp. 69/75. 
Traduzido por Fernando Rodrigues Batista.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

JORDAN BRUNO GENTA: Pedagogo do “¡O juremos con gloria morir!”

Por: Mario Caponnetto


Jordan Bruno Genta
(2 de outubro de 1909 - 27 de outubro de 1974)

Certa ocasião o Padre Leonardo Castellani, ao dedicar a Jordán Bruno Genta um exemplar de seu livro Martita Ofelia y otros cuentos de fantasmas, estampou, com sua letra tão inimitável como seu talento: "A Jordán B. Genta, pedagogo del ¡O juremos con gloria morir!". Se levarmos em conta que, então, Genta era um jovem professor universitário, não é difícil advertir que a dedicatória, ademais de justa, resultou profética. Pois não só, no transcorrer do tempo, Genta mesmo morreria com glória - a glória dos mártires- senão que todo seu dilatado magistério estaria dedicado, além de buscar reabilitar a inteligência argentina, foi formar homens (sobretudo soldados) capazes de morrer com glória. O exemplo mais notável foram os pilotos da Força Aérea Argentina na Guerra das Malvinas. Não o dizemos nós: disseram os próprios ingleses.
Jordán B. Genta constitui um modelo autêntico de mestre cristão. Foi um pedagogo; e um pedagogo de raça. Assim testemunha um dilatado magistério de mais de quarenta anos que começou desde tenra idade e culminou com sua morte, sua última e mais excelsa lição.
Reunia em suas aulas uma multidão de pessoas de condições diversas que acudiam atraídas pela clareza de seu pensamento, a riqueza de sua doutrina e sua personalidade cativante. A palavra viva era o coração e o centro de sua pedagogia (a "pedagogia do verbo", gostava de chama-la) pois conhecia muito bem o poder arrebatador da palavra sobretudo quando ela é imagem do Verbo, do Logos Incriado.
Bebia na fonte dos clássicos e dava de beber a seus alunos a água dessa mesma fonte; por isso o texto frontal, direto, era o centro congregante de suas aulas. Mas a pedagogia de Genta não apontava para formação da inteligência (a "reabilitação da inteligências nos hábitos dos metafísicos" e o exercício da "nobre arte das definições", como costumava dizer) senão que se dirigia, ademais, a formação inteira do caráter na imitação dos grandes arquétipos. O santo, o herói, o poeta, o sábio: tudo quanto há de eminente, de egrégio, de expressão cabal de superioridade humana, colocava e propunha Genta em suas aulas, convencido da atração irresistível que o arquétipo exerce sobre as almas.
Por isso sua pedagogia foi, por sua vez, pedagogia do verbo e pedagogia dos arquétipos
Mas, posto que Genta foi acima de tudo um mestre cristão, sua pedagogia não pode ser senão cristocentrica porque Cristo é o Verbo Encarnado e o Supremo Arquétipo. Esta pedagogia teve, pois, em vista a formação de autênticas superioridades e hierarquias sociais e intelectuais, homens e mulheres lúcidos, capazes de buscar, conhecer e amar a verdade e dispostos a defende-la mediante o testemunho, ainda que a custa da própria vida. "Filosofar é aprender a morrer" costumava repetir com frequência.
No entanto, sabe-se, também, que esta pedagogia - que em sua última ratio apontava à eternidade - teve, não obstante, uma envergadura temporal e histórica concreta pois ela não se entendia sem sua essencial referência e ordenação para a Argentina, ao seu tempo, ao seu drama e ao seu destino. Foi um pedagogia que abraçou, em síntese admirável, dois amores: Cristo e a Pátria. Genta amou a Argentina com um amor que ele mesmo não trepidou em qualificar de "amor exacerbado" frente a Pátria em perigo extremo de dissolução. Por isso, a medida que esse perigo foi incrementando-se até alcançar uma magnitude insuspeita no cenário da Guerra Revolucionaria que foi imposta ao país desde fora com a cumplicidade de atores locais, esse amor exacerbado alcançou, também, seu cimo. Os anos finais do magistério de Genta são um testemunho vivo disto que dissemos. Seus escritos, suas conferências, suas lições adquiriram um tom profético, um chamado gratificante as forças naturais de resistência as quais convocou ao combate em defesa da Cidade assediada
A mais de três décadas de sua morte como mártir, Genta resulta, hoje, mais atual que nunca, nesta Argentina assediada, já não pelos exércitos dos partisans, senão, pelas forças obscuras de uma dissolução gradual e sustentada que vai minando e corroendo as almas e as instituições.
É esta hora de velar, de vigília atenta. Estamos de guarda. Que a vida e a obra de Jordán B. Genta nos inspirem, pois, e nos ajudem a fazer realidade - se assim Deus nos pede - a estrofe do Hino: "O juremos con gloria morir".

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Tradução: Fernando Rodrigues Batista

PSICOSSOMATISMO

Gustave Thibon (1903-2001)

Um padre americano contou-me recentemente a história seguinte: recebera a visita de dois adolescentes num estado de extrema agitação. Julgavam-se possessos do demônio e pediram-lhe para os exorcizar. Como nunca lhe tinham feito tal pedido, começou por manifestar algum ceticismo sobre o que os jovens afirmavam. Compreendeu tudo, quando eles lhe confessaram que tinham assistido, alguns dias antes, à projeção do filme de horror intitulado "O exorcista".
"Acabei - contou-me ele - por praticar sobre eles, com a maior solenidade possível, os ritos do exorcismo e eles foram-se embora livres da sua obsessão. Mas pergunto a mim próprio se não se tratava de um simples fenômeno de autossugestão...".
Sugestão ou não - respondi-lhe - acho que procedeu muito bem, porque era verdadeiramente do diabo que se tratava. Não, sem dúvida, de um caso em que o demônio possuía diretamente uma pessoa, mas sim do espírito do mal que sopra através do mundo e penetra nas almas através dos meios de comunicação social. Em suma, um demônio sociológico, adaptado à era das multidões.
Digamos que estes jovens que se julgavam possessos tinham "somatizado" a emoção violenta provocada por um espetáculo de terror. O que nos conduz a reflexões mais gerais sobre o fenômeno da projeção no corpo das perturbações da alma, ao qual um dos nossos grandes médicos atribuía recentemente a origem de pelo menos cinquenta por cento das doenças consideradas orgânicas: asma, eczema, úlcera gástrica, cardiopatia, etc. Daqui a necessidade de os médicos que se preocupam com a eficácia saberem tanto de psicologia como de fisiologia.
Admite-se, portanto, cada vez mais, sob a pressão crescente dos fatos, que a alma é senhora do corpo, que o plasma, se assim posso dizer, à sua imagem, uma vez que perturba o funcionamento do corpo em função do seu próprio desregramento.
Mas qual é então a causa da má vontade ou da suspeita que tão facilmente incide sobre o bem fundado da influência contrária, a influência da alma sobre os mecanismos e as pulsões do corpo, a fim de os regular e de os orientar em função de um ideal moral ou religioso?
Uma imensa corrente de opinião, que tem origem no culto aviltante do prazer e da facilidade, tende a repelir, como contrárias à plenitude do ser humano e como causas de recalcamento e de frustração, todas as formas de ascese e de disciplina que o espírito impõe à carne. É neste sentido que alguns condenam, em nome da espontaneidade e da criatividade da criança, a parte de aprendizagem e de disciplina que a educação comporta e que identificam, em matéria sexual, o ideal de castidade com recalcamento...
"É lesar os direitos do corpo impor a castidade aos adolescentes", dizia-me uma educadora, embebida até a medula de liberalismo moral e, por outro lado, eminentemente favorável ao aborto e à pílula.
Eis como lhe respondi: "O corpo não tem direitos, mas funções. É à alma que pertence coordenar essas funções com vista a realizar um equilíbrio ótimo entre a vida animal, a vida espiritual e as exigências do meio social. Que isso implica uma parte de violência em relação às pulsões carnais, é algo a que dou o meu acordo sem receio. E também concordo que certas castidades mal integradas provocam recalcamentos. Mas o recurso ao aborto ou à pílula, que você preconiza, como contrapartida da liberdade sexual, não é também um atentado contra esses famosos ‘direitos’ do corpo? É a carne que reclama a interrupção da gravidez ou o impedimento da fecundidade? Pelo contrário, ela só quer levar até ao fim o processo natural que vai da união conjugal ao nascimento. Não, essas intervenções mutilantes procedem de um frio cálculo do espírito, ávido de tirar do corpo o máximo de gozo, sem ter em consideração as consequências naturais do prazer. Nesse caso, intervenção por intervenção, prefiro a da moral sexual..."
Assim, como quer que se proceda, nunca se escapa ao domínio da alma sobre o corpo. Todo o problema está em saber qual o sentido em que esse domínio se exerce.
Mens sana in corpore sano (alma sã em corpo são), diziam os antigos. Sabemos demasiado bem que as doenças da alma se repercutem sobre o corpo; por isso, é preciso velar pela saúde da alma, a fim de que ela tenha, em sentido contrário, as mesmas repercussões. Por outras palavras, substituir o psicossomatismo do erro e do mal pelo da verdade e do bem.

In: Revista "Itinéraires", 22 de outubro de 1976. 


segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O PENSAMENTO POLÍTICO DO PADRE JULIO MEINVIELLE - DR. BERNARDINO MONTEJANO

RESTAURAR TUDO EM CRISTO (ANTONIO CAPONNETTO)

O MUNDO NOVO

“O ato do descobrimento, inicial e progressivo, se produziu no presente da consciência de um homem que reponde a seu próprio nome: Cristóforo, ‘o que leva a Cristo’, o Almirante, que sempre se auto-considerou como mensageiro da Providência, um enviado obediente que leva a Palavra. Daí que o descobrimento do Novo Mundo tenha sido um ato da consciência cristã, consciência sobrenatural iluminada pela fé e dirigida à Cristo! É a consciência do homem ‘novo’ do Evangelho da ‘nova criatura’ de São Paulo, mariana, missionária e evangelizadora, desmistificadora e transfigurada do mundo pré-colombiano. Consciência descobridora que implica o grego, o romano e o hispano sobrelevado tudo pela tradição cristã... Com o descobrimento do Novo Mundo pela consciência cristã (que á a consciência da cultura grego-romano-ibérico e católica) começava o período da hispanidade”.



___ Alberto CATURELLI. El Nuevo Mundo, México: Universidad Popular del Estado de Puebla (México) y EDAMEX (Editores Mexicanos Asociados), 1991.

A IGUALDADE SEGUNDO O INDIGENISMO RADICAL

São Paulo é a cidade mais populosa do Brasil e, nas Américas, perde apenas para a Cidade do México e Nova York. Tem quase 11 milhões de habitantes.
Um território correspondente a 11 cidades de São Paulo -o que valeria dizer, se habitado nos moldes dessa metrópole, a mais de 110 milhões de brasileiros- foi praticamente assegurado pelo Supremo Tribunal Federal para apenas 18 mil índios. Pela decisão de oito eminentes julgadores daquela corte, os brasileiros lá residentes há décadas terão que se retirar para que um museu do índio vivo seja preservado e para que possam eles caçar, pescar e admirar a paisagem.
A fim de que tais índios não sejam perturbados em suas tradições primitivas, os demais 185 milhões de brasileiros estarão proibidos de lá entrar sem uma autorização da Funai, emitida sempre para algumas horas de estadia. Excetua-se a possibilidade de as Forças Armadas e a Polícia Federal lá ingressarem sem o carimbo da Funai.
Impressiona-me, todavia, a facilidade com que a Funai autoriza considerável número de ONGs estrangeiras a ficar por mais que algumas horas e a atuar nas áreas contingenciadas, como me impressiona que as referidas áreas estejam entre as mais ricas em minérios, biodiversidade e recursos hídricos, não tendo ficado claro, no voto dos preclaros julgadores, quem poderá explorá-los e quem se beneficiará dos recursos financeiros decorrentes se, um dia, a exploração for autorizada.
Roraima praticamente deixará de existir. Quarenta e seis por cento de seu território foram declarados como pertencentes aos índios, em que o governo é a Funai. A outra metade, quase por inteiro, a União entende pertencer-lhe, o que vale dizer, são terras administradas pelo Incra. De rigor, Roraima é o primeiro Estado brasileiro praticamente sem território, pois ou pertence aos índios ou pertence à União, ou seja, quem o governa são a Funai e o Incra.
Pela decisão, se for confirmada no próximo ano -faltam três votos-, os eminentes ministros do Supremo -que admiro há muitos anos, tendo, inclusive, livros escritos com alguns deles- outorgariam, pelo precedente criado, a pouco mais de 400 mil índios, nascidos ou não no Brasil, com cultura diferente da dos outros 185 milhões de brasileiros, 107 milhões de hectares, vale dizer, 4,5 Estados de São Paulo, onde vivem hoje 42 milhões de brasileiros!
Thomas Friedman, em "O Mundo é Plano", não vê mais espaços para o isolamento de países, regiões e povos, de maneira que os índios "não civilizados", nos próximos 50 anos, estarão, rigorosamente, adaptados aos padrões culturais do mundo inteiro, recebendo, porém, seus descendentes o privilégio de viver em extensas áreas territoriais herdadas dos pais.
Enquanto isso, continuarão os brasileiros não-índios mais pobres não "aprisionados" em vastas extensões de terras descontínuas, como afirmou o brilhante ministro Carlos Ayres Britto -que, por ser bom poeta, impregna seus votos de líricas imagens- , mas em dolorosas favelas, sem espaço, como os estudos antecipatórios de especialistas e de entidades a eles dedicados, no mundo inteiro, sinalizam que haverá na segunda metade do século 21.
Hart, grande jusfilósofo inglês, em 1961, no seu livro "The Concept of Law", disse que "direito é o que a Suprema Corte declara ser". Não se discute, pois, uma decisão do Supremo.
Não deixa de ser, todavia, estranho que, assegurando o artigo 5º, inciso XV da Constituição, a todos os brasileiros o direito de andar livremente por todo o território nacional, 185 milhões possam andar sem autorizações funaianas por apenas 87% do país, enquanto aos índios, mesmo os não nascidos no Brasil e que para cá migraram de outros países sul-americanos, está garantido o direito de percorrer 100% do Brasil, independentemente de qualquer autorização.
É de lembrar que o Brasil assinou declaração universal de auto-determinação dos povos indígenas na ONU, em fins do ano passado, enquanto Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos e Canadá, que têm índios, não assinaram.
Compreende-se que indígenas de nossos países vizinhos, que não têm tratamento igual ao brasileiro para seus nativos, estejam ingressando no país, passando a ter direitos superiores aos dos brasileiros não-índios de circulação no território nacional. Todos são iguais perante a lei, mas, como dizia Orwell, alguns são, decididamente, mais iguais do que os outros. 


__ Ives Gandra da Silva Martins. “11 cidades de São Paulo”, Folha de São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 2008.