Miguel Fagoaga G. Solana*
O artigo que ora traduzimos e transcrevemos na
integra foi escrito pelo jurista e pensador católico espanhol, MIGUEL FAGOAGA, que
foi articulista, junto com o brasileiro JOSÉ PEDRO GALVÃO DE SOUSA, com o
português FERNANDO AGUIAR, e com o jusfiloso, seu compatriota, FRANCISO ELIAS
TEJADA Y SPINOLA, da Revista Trilingüe Reconquista. Escrito há mais de
cinquenta anos, reputamos que referido artigo não perdeu a vigência sendo
indispensável, portanto, sua leitura, para melhor compreensão dos profícuos ensinamentos
de São Pio X, sobretudo em nossos dias em que ainda se observa, não sem
tristeza, a lepra socialista predominar em certos círculos ditos católicos.
São Pio X
A beatificação de Pio X neste ano evoca seus ensinamentos
em todas as ordens e, de uma maneira especial, sua luta denodada contra uma
série de erros, que em seu tempo começavam a estender-se em proporções
alarmantes.
Por isso seus escritos sobre questões sociais
possuem especial importância, e assombra observar como os tratadistas, ao expor
a doutrina da Igreja nesta matéria, fixam sua atenção sobre Leão XIII e Pio XI
e prescindem totalmente do Santo Patriarca de Veneza.
Sua doutrina central é clara e terminante: a
causa de todos os males que molestam a sociedade deve buscar-se nas “doutrinas dos pseudofilósofos do século
XIII, as da Revolução e do liberalismo tantas vezes condenado” (1).
Adverte com prudência que “a questão social e a ciência social não nasceram ontem; que em todas
as idades a Igreja e o Estado em união de esforços felizmente suscitaram para o
bem estar da sociedade organizações fecundas” (2). E valentemente sai ao
encalço das insidiosas acusações fulminadas contra a Religião Católica ao
dizer: “a Igreja, que jamais traiu a
felicidade do povo com alianças comprometedoras, não tem que desligar-se do
passado”. (3).
Ao examinar, todos estes erros recorda como
Leão XIII anatematizou uma “certa
democracia cuja perversidade chega ao extremo de atribuir na sociedade a
soberania ao povo e procurar a supressão e nivelação de classes”. (4).
Para estes reformadores da sociedades, “seu sonho consiste em mudar as bases
naturais e tradicionais (da sociedade) e em prometer uma cidade futura
edificada sobre outros princípios que se atrevem a declarar mais fecundos, mais
benéficos que aqueles em que descansa a atual sociedade cristã” (5).
Segundo eles, “toda desigualdade de condição é injusta ou, ao menos, uma menor
justiça, princípio sobremaneira contrário a natureza das coisas, gerador da
inveja e da injustiça e subversivo de toda ordem social” (6).
O perigo do socialismo o denuncia em toda sua
importância: “refutar eficazmente aos
progressos do socialismo; o qual, respirando ódio contra o Cristianismo e
arrancando do coração do povo as esperanças do céu, avança destrutor para
derrubar o edifício já vacilante da sociedade”. (7).
A única solução está na doutrina católica, já
que “não se edificará a sociedade se a
Igreja não põe os cimentos e dirige os trabalhos” (8). Porque “se se busca a verdadeira paz é um absurdo
pensar que possa existir sem Deus, posto que, onde Deus se aparta, se aparta
também a justiça, e faltando esta, em vão pode esperar-se a paz” (9).
E com exatidão e clarividência traça um
programa de ação para os católicos no terreno social, político e religioso: “É mister a união dos entendimentos na
verdade, a união das vontades na moral, a união dos corações no amor de Deus e
de seu Filho Jesus Cristo” (10).
A este respeito não podem olvidar os espanhóis
os certeiros conselhos dados ao Cardeal Aguirre, Arcebispo de Toledo: “A ação social dos católicos não reportará
as utilidades apetecidas se os que trabalham pelo bem comum não tem, segundo é
sua obrigação, um mesmo pensar, um mesmo querer, e um mesmo agir” (11).
É necessário, ademais, nesta empresa de volver
a criar uma ordem social cristã, “o
concurso dos verdadeiros trabalhadores da restauração social, os organismos
quebrados pela revolução - Grêmios, Confrarias, etc. - e adapta-los, com o
mesmo espirito cristão de que estiveram animados, ao novo meio criado pela
evolução material da sociedade contemporânea, porque os verdadeiros amigos do
povo não são nem revolucionários nem renovadores, senão tradicionalistas” (12).
É muito freqüente a afirmação de que a Igreja
fracassou ante o problema social, de que a ação dos católicos neste terreno tem
sido estéril e que este é o motivo pelo qual as massas de trabalhadores se tem
descristianizado e tem seguido doutrinas mais favoráveis em aparência a seus
interesses e a seus programas reivindicatórios.
Em primeiro lugar é necessário advertir que
todos aqueles sistemas que apresentam uma ordem social distinta da cristã são,
ademais de errôneos, utópicos. Hoje o mundo tem experimentado a dolorosa
realidade destes regimes socialistas e comunistas que, longe melhorar a
condição social dos trabalhadores, hão submetido os povos a escravidão e a
barbárie. E nestes erros não há atenuações, todos são igualmente condenáveis:
comunismo, socialismo, socialismo de Estado, socialismo democrata, etc.
Que oferecem estes programas? Ao princípio
escrevemos o esboço traçado por Pio X: “Seu
sonho consiste em mudar as bases naturais e tradicionais (da sociedade) e em
prometer uma cidade futura edificada sobre outros princípios que se atrevem a
declarar mais fecundos, mais benéficos que aquele em que descansa a atual
sociedade cristã” (13).
No mundo, por mais que se afanem os mediadores,
sempre haverá ricos e pobres, desigualdade, trabalhos, dores, sofrimentos e
misérias, etc., etc.
É a condenação bíblica que pesa sobre o gênero
humano. Há que volver a repetir com Pio X: “Não
há salvação para o mundo fora de Jesus Cristo; como que não há outro nome
debaixo do céu dado aos homens, em que devamos ser salvos. À Ele, pois, é
necessário volver; a Seus pés é preciso prostrar-nos; de Seus divinos lábios
recebermos as palavras de vida eterna; porque o único que pode indicar o
caminho da regeneração é Aquele que disse: ‘Eu sou o Caminho, a Verdade e a
Vida’”.
Se tem tentado novamente prescindir de Cristo
na direção das coisas contingentes, passageiras; se tem começado a edificar
desfazendo-se da pedra angular, que é que o que São Pedro jogava na cara dos
que haviam crucificado a Cristo. Mas o que se edifica sobre areia movediça, por
certo cai sobre a cabeça dos edificadores e destroça-se; no entanto, Jesus
continua sendo a pedra angular da sociedade humana, comprovando-se uma vez mais
que fora Dele não há salvação. “Eu sou a
pedra reprovada por vós, os edificadores; e não está em nenhum outro lugar a
verdade” (14).
É evidente que o trabalho de muitos católicos
no campo social tem sido ineficaz, porém tem eles seguido as regras mais dos
revolucionários do que agido como católicos. Eles tem aceitado os princípios
errôneos: democracia igualitária, socialismo, totalitarismo, etc., e não ouvem
os infalíveis ensinamentos da Igreja. Sigamos a Pio X neste ponto de atuação
dos católicos em questões sociais.
Há muitos católicos que defendem ideias
liberais e democráticas sem considerar que hão sido anatematizadas pela Igreja “as doutrinas dos pseudofilósofos do século
XVIII, as da revolução e do liberalismo tantas vezes condenado” (15). “Outros muitos colocam a autoridade no povo
ou quase a suprimem, e têm por ideal realizável o nivelamento de classes. Vão,
pois, ao revés da doutrina católica, para um ideal condenado” (16).
São muitos os que “ébrios com o mosto da novidade falam uma linguagem nova e confusa, que
não é certamente a que falavam os primeiros cristãos” (17). Disse Pio X
dirigindo-se aos espanhóis:
“Desejamos
que se cuide também de que não se infiltrem lentamente doutrinas novas e
peregrinas, por não dizer opostas ao ensinamento da Igreja. Não raras vezes há
ocorrido que a paixão de novidades tenha infeccionado a muitos, ainda entre o
clero, dando em terra com sua obra” (18).
Não poucas vezes estes católicos hão procurado
antepor os interesses materiais aos espirituais, motivo fundamental do
fracasso.
“Enganam-se
a si mesmos gravemente os que ao procurar o público bem estar, singularmente ao
defender a causa do povo, põe seu principal cuidado nos bens do corpo, ainda
que passem em silêncio os da alma e as gravíssimas obrigações da profissão
cristã” (19).
Em quantas ocasiões os afãs demagógicos e
proselitistas hão esterilizado os melhores esforços. "Mas não basta reunir gente: é preciso educa-la na vida cristã; é
preciso forma-la naquele apostolado popular que, juntamente com a ação
católica, exige de seus fiéis a Igreja; católicos de fé estéril e infecunda ou,
pior ainda, católicos cuja fé contradiga as obras, não poderão nunca ser
instrumentos úteis para as grandes empresas da restauração social, a qual, para
difundir-se eficazmente, deve começar pelo mesmo que dela se professa apóstolo.
Não se contentem, pois, com ir ao povo; esforcem-se sobretudo por formar nele
um espírito profundamente cristão” (20).
Basta-nos, para terminar, expor as normas dadas
por Pio X para que estes trabalhos no campo social sejam o suficientemente
frutíferos que as graves circunstancias do mundo exigem e esperam.
Dirigindo-se aos fiéis da orbe na Encíclica Supremi Apostolatus Cathedra, dizia: “A ação é o que requer os tempos atuais;
mais uma ação entregue de toda ao cumprimento íntegro e escrupuloso das leis
divinas e dos preceitos da Igreja, a profissão franca e patente da Religião, a
prática de toda classe de obras caritativas, sem visar qualquer proveito
próprio nem cobiça de vantagens terrenas. Brilhantes exemplos dessas virtudes
dadas por tantos soldados de Cristo, serão muito mais eficazes para comover e
arrebatar as almas que a abundância de palavras e sutilezas de razões, e se
logrará facilmente que, deposto o temor, rechaçadas as prevenções e as dúvidas,
se convertam muitíssimos à Cristo e promovam aonde queiram seu conhecimento e
seu amor”. (21).
Anos depois, na Encíclica Il fermo proposito traça o seguinte programa do católico na vida
pública e social: “Deve lembrar-se de
ser, em qualquer conjuntura, e de aparecer, verdadeiramente católico,
aproximando-se dos cargos públicos e desempenhando-os com o firme e constante
propósito de promover, quanto lhe seja possível, o bem social e econômico da
Pátria, particularmente do povo, conforme as máximas da civilização
eminentemente cristã, e de defender ao mesmo tempo os interesses supremos da
Igreja, que são os da Religião e da Justiça” (22).
Atuação incompatível com covardias e
contemporizações.
“Gravíssimamente
erram os que sonham com um estado tal em que a Igreja, sem oposição de ninguém,
goze de paz dulcíssima. Mas mais torpemente se enganam os que, levados de vã e
falsa esperança de conseguir essa paz, dissimulam os interesses e direitos da
Igreja preterindo suas particulares comodidades, os atenuam injustamente,
bajulam ao mundo sob pretexto de ganhar aos fautores de novidades e de
concilia-los com a Igreja, como se fosse possível acordo algum entre a luz e as
trevas, entre Cristo e Belial. Sonhos de enfermos são estes, cujas vãs
aparências se forjaram e forjarão sempre enquanto houver covardes que, apenas
tendo visto o inimigo, arrojem baixando o escudo, ou traidores que se
apressuram em pactuar com o lado contrário, que é em nosso caso o inimigo
furioso de Deus e dos homens” (23).
Tratamos de bosquejar em breves linhas o
pensamento de Pio X, sobre questões sociais. Hoje que o mundo obsessivamente
trata de buscar solução a todos estes problemas por meio de grande quantidade
de organismos nacionais e internacionais, bom será que meditemos sobre estas
sábias normas de um Pontífice elevado aos altares, e que se morreu por seu amor
aos humildes, pois, como esculpiu em seu testamento, “nascido pobre, tendo vivido pobre e certo de morrer muito pobre”
(24), ele se considerava um deles.
(1) Enc. Notre charge apostolique, 1, 23
agosto, 1910.
(2) Enc. Notre charge apostolique, 39.
(3) Enc. Notre charge apostolique, 39.
(4) Enc. Notre charge apostolique, 9.
(5) Enc. Notre charge apostolique, 10.
(6) Enc. Notre charge apostolique, 21.
(7) Carta de 20 de janeiro de 1907 aos
dirigentes da União Econômico Social.
(8) Enc. Notre charge apostolique, 11.
(9) FERRUCCIO CARLl, PÍO X e Seu tempo,
Barcelona, 1943.
(10) Enc. Notre charge apostolique, 22.
(11) Carta do Papa ao Cardeal Aguirre em
novembro de 1909.
(12) Enc. Notre charge ttpostolique, 39.
(13) Enc. Notre charge apostolique, 10.
(14) Jocunda sane. (Enc. sobre São Gregório
Magno). 12 março, 1904.
(15) Enc. Notre charge apostolique, 1.
(16) Enc. Notre charge apostolique, 9.
(17) Enc. Piene L'animo. 28 julho 1906.
(18) Carta ao Cardeal Aguirre, Arcebispo de
Toledo.
(19) Enc. Jocunda sane.
(20) Carta do Cardeal-Secretário de Estado aos
diretores da Ação Católica de Umbría.
(21) Enc. Supremi Apostolatus Cathedra, 4
outubro, 1903.
(22) Enc. II fermo Propósito, 11 junho, 1905.
(23) Enc. Communium rerum, 21 de abril, 1909.
(24) Cardeal RAFAEL MERRY DEL VAL, Memórias do
Papa Pio X. Madrid, 1946.
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*Este artigo foi transcrito da Revista de
Política Social, Número 11, de Julho/Setembro de 1951, pp. 69/75.
Traduzido por Fernando Rodrigues Batista.