Jean Madiran (1920-2013)
A política moderna é essencialmente uma
estratégia sem fé nem lei para a tomada do poder e para sua exploração; é
portanto um despotismo sistemático e não acidental. Não está mais a serviço do
bem comum temporal. É por isto que a palavra “política” e o fato político estão
desacreditados, como estava desonrada a profissão das armas quando nasceu a
cavalaria.
A reforma intelectual não visa a tomado do
poder nem mesmo do poder cultural. Ela quer outra coisa: quer a restauração do aprendizado.
O homem é votado à aprendizagem e ao
aperfeiçoamento, isto é, ao esforço de adquirir aquilo que é superior a ele
mesmo: superior na ordem do saber, na ordem do saber fazer e na ordem da
sabedoria. Quando, por princípio, se imagina que não há nada superior ao eu
individual, à própria consciência e à própria vontade livre, o aprendizado não
tem mais sentido, não há mais aperfeiçoamento. Estamos atualmente neste ponto.
Todos os graus de ensino estão fundados na crença de que tudo se pode saber sem
nada se ter aprendido. A isto se chama respeitar e cultivar a criatividade de
cada um. Maurras caracterizou bem as duas atitudes mentais:
“Um moço que quer amadurecer pode dizer a si
mesmo:
Com quem parecerei? Comigo mesmo? Com o que
tenho de mais ‘eu-mesmo’? Acentuarei a minha personalidade, reforçando todos os
traços de meu natural?
Como pode dizer também:
Tornar-me-ei parecido com alguma coisa de
melhor e mais alta do que eu?”
Prender-se ao que há de mais “eu-mesmo” ou a
“qualquer coisa de melhor e de mais alta do que eu”? Estas duas atitudes
mentais poderíamos chamá-las, uma, moderna, outra, clássica, ou melhor natural.
A reforma intelectual consiste em subir da primeira para a segunda. A
modernidade consiste em descer da segunda para a primeira: neste caso já se suprime,
de saída, a idéia de aprendizado porque não trata de tornar-se melhor mas de
tornar-se cada vez mais “eu-mesmo”, sem se compreender que o verdadeiro modo, a
única possibilidade de se tornar cada vez mais “eu-mesmo” é justamente se
tornando melhor. No fundo existe aí, portanto, um qüiproquó diabólico, um
infernal mal-entendido, como houve desde o princípio com o eritis sicut dii
(“sereis como deuses”). Perseverar e crescer no ser que se é, eis a mais
legítima aspiração; a aspiração natural do ser. O caminho aparentemente curto,
o caminho enganador recusa reconhecer superioridades, submeter-se a elas,
instruir-se, adaptar-se, conformar-se por elas, como se estas restrições de boa
ordem infligissem uma diminuição à pessoa. Mas o desabrochar da personalidade
não é a finalidade suprema: ela não será encontrada por acréscimo em lugar
algum senão no final do caminho da humildade.
A história da humanidade mostra um progresso
geral quase constante, quase contínuo: o progresso do poder do homem sobre a
matéria. Este progresso não é, em si mesmo, uma ilusão. Mas ilude. Faz esquecer
o outro aspecto da história da humanidade, também constante, que é a
inconstância de seu valor intelectual e moral; inconstância de um século para
outro, de uma época para outra, e até de uma idade para outra de uma mesma
vida, como mostra a história do Santo rei David e ainda mais a do rei Salomão.
Mas nenhuma história mostra mais nada quando se deturpa tanto o que ela conta
quanto os critérios de julgamento. Hoje, na França, o recurso às lições da
história é inoperante. A história que vem sendo ensinada aos franceses há um
século foi pensada, fabricada, escrita com uma intenção passionalmente hostil à
sua pátria e à sua religião. Henri Charlier foi educado sem fé nem batismo, num
espírito perfeitamente maçônico. Passando pela primeira vez diante de
Notre-Dame de Paris, conclui imediatamente que lhe tinham mentido, que os
homens, a sociedade, a época que tinham construído a Igreja de Notre-Dame não
estavam mergulhados no obscurantismo com lhe haviam dito. Ele pode formular
para si mesmo, com certeza, tal conclusão porque tinha uma verdadeira percepção
clássica; viu que da época da construção de Notre-Dame para a nossa não tinha
havido progresso mas recuo. Progresso houve, sem dúvida, como sempre, mas do
poder do homem sobre a matéria; recuo intelectual e moral. Mais ou menos no
mesmo momento, a percepção política ou especulativa de Péguy, de Maurras,
levavam-nos a observações análogas. Percepções raras, percepções excepcionais.
Pois o olhar moderno foi preparado, habituado, condicionado para procurar no
passado não mais o exemplo de realizações do bem comum temporal, mas
precedentes revolucionários revelando as primeiras revoltas da pessoa
individual em marcha para a conquista de sua autonomia moral. Disto se compõe
um outro universo mental: o universo cultural e político que a televisão de
cada dia ilustra, instala, impõe. A autonomia moral da pessoa é uma mentira. O
homem moderno pensa que vai achar a liberdade nesta autonomia; acha a escravidão.
Sua libertação depende de uma reforma intelectual e moral, a reforma de Péguy,
de Maurras, de Henri Charlier.
“Itinéraires” n° 216 — Set—Out 1977. Permanência,
n° 112/113, Mar-Abr 1978, trad. de Anna Luiz Fleichman.
Nenhum comentário:
Postar um comentário