Gustave
Thibon (1903-2001)
Um padre americano contou-me recentemente a
história seguinte: recebera a visita de dois adolescentes num estado de extrema
agitação. Julgavam-se possessos do demônio e pediram-lhe para os exorcizar.
Como nunca lhe tinham feito tal pedido, começou por manifestar algum ceticismo
sobre o que os jovens afirmavam. Compreendeu tudo, quando eles lhe confessaram
que tinham assistido, alguns dias antes, à projeção do filme de horror
intitulado "O exorcista".
"Acabei
-
contou-me ele - por praticar sobre eles,
com a maior solenidade possível, os ritos do exorcismo e eles foram-se embora
livres da sua obsessão. Mas pergunto a mim próprio se não se tratava de um
simples fenômeno de autossugestão...".
Sugestão ou não - respondi-lhe - acho que
procedeu muito bem, porque era verdadeiramente do diabo que se tratava. Não,
sem dúvida, de um caso em que o demônio possuía diretamente uma pessoa, mas sim
do espírito do mal que sopra através do mundo e penetra nas almas através dos
meios de comunicação social. Em suma, um demônio sociológico, adaptado à era
das multidões.
Digamos que estes jovens que se julgavam
possessos tinham "somatizado"
a emoção violenta provocada por um espetáculo de terror. O que nos conduz a
reflexões mais gerais sobre o fenômeno da projeção no corpo das perturbações da
alma, ao qual um dos nossos grandes médicos atribuía recentemente a origem de
pelo menos cinquenta por cento das doenças consideradas orgânicas: asma,
eczema, úlcera gástrica, cardiopatia, etc. Daqui a necessidade de os médicos
que se preocupam com a eficácia saberem tanto de psicologia como de fisiologia.
Admite-se, portanto, cada vez mais, sob a
pressão crescente dos fatos, que a alma é senhora do corpo, que o plasma, se
assim posso dizer, à sua imagem, uma vez que perturba o funcionamento do corpo
em função do seu próprio desregramento.
Mas qual é então a causa da má vontade ou da
suspeita que tão facilmente incide sobre o bem fundado da influência contrária,
a influência da alma sobre os mecanismos e as pulsões do corpo, a fim de os regular
e de os orientar em função de um ideal moral ou religioso?
Uma imensa corrente de opinião, que tem origem
no culto aviltante do prazer e da facilidade, tende a repelir, como contrárias
à plenitude do ser humano e como causas de recalcamento e de frustração, todas
as formas de ascese e de disciplina que o espírito impõe à carne. É neste
sentido que alguns condenam, em nome da espontaneidade e da criatividade da
criança, a parte de aprendizagem e de disciplina que a educação comporta e que
identificam, em matéria sexual, o ideal de castidade com recalcamento...
"É
lesar os direitos do corpo impor a castidade aos adolescentes",
dizia-me uma educadora, embebida até a medula de liberalismo moral e, por outro
lado, eminentemente favorável ao aborto e à pílula.
Eis como lhe respondi: "O corpo não tem direitos, mas funções. É à alma que pertence
coordenar essas funções com vista a realizar um equilíbrio ótimo entre a vida
animal, a vida espiritual e as exigências do meio social. Que isso implica uma
parte de violência em relação às pulsões carnais, é algo a que dou o meu acordo
sem receio. E também concordo que certas castidades mal integradas provocam
recalcamentos. Mas o recurso ao aborto ou à pílula, que você preconiza, como
contrapartida da liberdade sexual, não é também um atentado contra esses
famosos ‘direitos’ do corpo? É a
carne que reclama a interrupção da gravidez ou o impedimento da fecundidade?
Pelo contrário, ela só quer levar até ao fim o processo natural que vai da
união conjugal ao nascimento. Não, essas intervenções mutilantes procedem de um
frio cálculo do espírito, ávido de tirar do corpo o máximo de gozo, sem ter em
consideração as consequências naturais do prazer. Nesse caso, intervenção por
intervenção, prefiro a da moral sexual..."
Assim, como quer que se proceda, nunca se
escapa ao domínio da alma sobre o corpo. Todo o problema está em saber qual o
sentido em que esse domínio se exerce.
Mens
sana in corpore sano (alma sã em corpo são), diziam os antigos.
Sabemos demasiado bem que as doenças da alma se repercutem sobre o corpo; por
isso, é preciso velar pela saúde da alma, a fim de que ela tenha, em sentido
contrário, as mesmas repercussões. Por outras palavras, substituir o
psicossomatismo do erro e do mal pelo da verdade e do bem.
In: Revista "Itinéraires", 22 de
outubro de 1976.
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