quinta-feira, 27 de novembro de 2014

SÃO PIO X E A QUESTÃO SOCIAL

Miguel Fagoaga G. Solana*

O artigo que ora traduzimos e transcrevemos na integra foi escrito pelo jurista e pensador católico espanhol, MIGUEL FAGOAGA, que foi articulista, junto com o brasileiro JOSÉ PEDRO GALVÃO DE SOUSA, com o português FERNANDO AGUIAR, e com o jusfiloso, seu compatriota, FRANCISO ELIAS TEJADA Y SPINOLA, da Revista Trilingüe Reconquista. Escrito há mais de cinquenta anos, reputamos que referido artigo não perdeu a vigência sendo indispensável, portanto, sua leitura, para melhor compreensão dos profícuos ensinamentos de São Pio X, sobretudo em nossos dias em que ainda se observa, não sem tristeza, a lepra socialista predominar em certos círculos ditos católicos.

São Pio X

A beatificação de Pio X neste ano evoca seus ensinamentos em todas as ordens e, de uma maneira especial, sua luta denodada contra uma série de erros, que em seu tempo começavam a estender-se em proporções alarmantes.
Por isso seus escritos sobre questões sociais possuem especial importância, e assombra observar como os tratadistas, ao expor a doutrina da Igreja nesta matéria, fixam sua atenção sobre Leão XIII e Pio XI e prescindem totalmente do Santo Patriarca de Veneza.
Sua doutrina central é clara e terminante: a causa de todos os males que molestam a sociedade deve buscar-se nas “doutrinas dos pseudofilósofos do século XIII, as da Revolução e do liberalismo tantas vezes condenado” (1).
Adverte com prudência que “a questão social e a ciência social não nasceram ontem; que em todas as idades a Igreja e o Estado em união de esforços felizmente suscitaram para o bem estar da sociedade organizações fecundas” (2). E valentemente sai ao encalço das insidiosas acusações fulminadas contra a Religião Católica ao dizer: “a Igreja, que jamais traiu a felicidade do povo com alianças comprometedoras, não tem que desligar-se do passado”. (3).
Ao examinar, todos estes erros recorda como Leão XIII anatematizou uma “certa democracia cuja perversidade chega ao extremo de atribuir na sociedade a soberania ao povo e procurar a supressão e nivelação de classes”. (4).
Para estes reformadores da sociedades, “seu sonho consiste em mudar as bases naturais e tradicionais (da sociedade) e em prometer uma cidade futura edificada sobre outros princípios que se atrevem a declarar mais fecundos, mais benéficos que aqueles em que descansa a atual sociedade cristã” (5).
Segundo eles, “toda desigualdade de condição é injusta ou, ao menos, uma menor justiça, princípio sobremaneira contrário a natureza das coisas, gerador da inveja e da injustiça e subversivo de toda ordem social” (6).
O perigo do socialismo o denuncia em toda sua importância: “refutar eficazmente aos progressos do socialismo; o qual, respirando ódio contra o Cristianismo e arrancando do coração do povo as esperanças do céu, avança destrutor para derrubar o edifício já vacilante da sociedade”. (7).
A única solução está na doutrina católica, já que “não se edificará a sociedade se a Igreja não põe os cimentos e dirige os trabalhos” (8). Porque “se se busca a verdadeira paz é um absurdo pensar que possa existir sem Deus, posto que, onde Deus se aparta, se aparta também a justiça, e faltando esta, em vão pode esperar-se a paz” (9).
E com exatidão e clarividência traça um programa de ação para os católicos no terreno social, político e religioso: “É mister a união dos entendimentos na verdade, a união das vontades na moral, a união dos corações no amor de Deus e de seu Filho Jesus Cristo” (10).
A este respeito não podem olvidar os espanhóis os certeiros conselhos dados ao Cardeal Aguirre, Arcebispo de Toledo: “A ação social dos católicos não reportará as utilidades apetecidas se os que trabalham pelo bem comum não tem, segundo é sua obrigação, um mesmo pensar, um mesmo querer, e um mesmo agir” (11).
É necessário, ademais, nesta empresa de volver a criar uma ordem social cristã, “o concurso dos verdadeiros trabalhadores da restauração social, os organismos quebrados pela revolução - Grêmios, Confrarias, etc. - e adapta-los, com o mesmo espirito cristão de que estiveram animados, ao novo meio criado pela evolução material da sociedade contemporânea, porque os verdadeiros amigos do povo não são nem revolucionários nem renovadores, senão tradicionalistas” (12).
É muito freqüente a afirmação de que a Igreja fracassou ante o problema social, de que a ação dos católicos neste terreno tem sido estéril e que este é o motivo pelo qual as massas de trabalhadores se tem descristianizado e tem seguido doutrinas mais favoráveis em aparência a seus interesses e a seus programas reivindicatórios.
Em primeiro lugar é necessário advertir que todos aqueles sistemas que apresentam uma ordem social distinta da cristã são, ademais de errôneos, utópicos. Hoje o mundo tem experimentado a dolorosa realidade destes regimes socialistas e comunistas que, longe melhorar a condição social dos trabalhadores, hão submetido os povos a escravidão e a barbárie. E nestes erros não há atenuações, todos são igualmente condenáveis: comunismo, socialismo, socialismo de Estado, socialismo democrata, etc.
Que oferecem estes programas? Ao princípio escrevemos o esboço traçado por Pio X: “Seu sonho consiste em mudar as bases naturais e tradicionais (da sociedade) e em prometer uma cidade futura edificada sobre outros princípios que se atrevem a declarar mais fecundos, mais benéficos que aquele em que descansa a atual sociedade cristã” (13).
No mundo, por mais que se afanem os mediadores, sempre haverá ricos e pobres, desigualdade, trabalhos, dores, sofrimentos e misérias, etc., etc.
É a condenação bíblica que pesa sobre o gênero humano. Há que volver a repetir com Pio X: “Não há salvação para o mundo fora de Jesus Cristo; como que não há outro nome debaixo do céu dado aos homens, em que devamos ser salvos. À Ele, pois, é necessário volver; a Seus pés é preciso prostrar-nos; de Seus divinos lábios recebermos as palavras de vida eterna; porque o único que pode indicar o caminho da regeneração é Aquele que disse: ‘Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida’”.
Se tem tentado novamente prescindir de Cristo na direção das coisas contingentes, passageiras; se tem começado a edificar desfazendo-se da pedra angular, que é que o que São Pedro jogava na cara dos que haviam crucificado a Cristo. Mas o que se edifica sobre areia movediça, por certo cai sobre a cabeça dos edificadores e destroça-se; no entanto, Jesus continua sendo a pedra angular da sociedade humana, comprovando-se uma vez mais que fora Dele não há salvação. “Eu sou a pedra reprovada por vós, os edificadores; e não está em nenhum outro lugar a verdade” (14).
É evidente que o trabalho de muitos católicos no campo social tem sido ineficaz, porém tem eles seguido as regras mais dos revolucionários do que agido como católicos. Eles tem aceitado os princípios errôneos: democracia igualitária, socialismo, totalitarismo, etc., e não ouvem os infalíveis ensinamentos da Igreja. Sigamos a Pio X neste ponto de atuação dos católicos em questões sociais.
Há muitos católicos que defendem ideias liberais e democráticas sem considerar que hão sido anatematizadas pela Igreja “as doutrinas dos pseudofilósofos do século XVIII, as da revolução e do liberalismo tantas vezes condenado” (15). “Outros muitos colocam a autoridade no povo ou quase a suprimem, e têm por ideal realizável o nivelamento de classes. Vão, pois, ao revés da doutrina católica, para um ideal condenado” (16).
São muitos os que “ébrios com o mosto da novidade falam uma linguagem nova e confusa, que não é certamente a que falavam os primeiros cristãos” (17). Disse Pio X dirigindo-se aos espanhóis:
“Desejamos que se cuide também de que não se infiltrem lentamente doutrinas novas e peregrinas, por não dizer opostas ao ensinamento da Igreja. Não raras vezes há ocorrido que a paixão de novidades tenha infeccionado a muitos, ainda entre o clero, dando em terra com sua obra” (18).
Não poucas vezes estes católicos hão procurado antepor os interesses materiais aos espirituais, motivo fundamental do fracasso.
“Enganam-se a si mesmos gravemente os que ao procurar o público bem estar, singularmente ao defender a causa do povo, põe seu principal cuidado nos bens do corpo, ainda que passem em silêncio os da alma e as gravíssimas obrigações da profissão cristã” (19).
Em quantas ocasiões os afãs demagógicos e proselitistas hão esterilizado os melhores esforços. "Mas não basta reunir gente: é preciso educa-la na vida cristã; é preciso forma-la naquele apostolado popular que, juntamente com a ação católica, exige de seus fiéis a Igreja; católicos de fé estéril e infecunda ou, pior ainda, católicos cuja fé contradiga as obras, não poderão nunca ser instrumentos úteis para as grandes empresas da restauração social, a qual, para difundir-se eficazmente, deve começar pelo mesmo que dela se professa apóstolo. Não se contentem, pois, com ir ao povo; esforcem-se sobretudo por formar nele um espírito profundamente cristão” (20).
Basta-nos, para terminar, expor as normas dadas por Pio X para que estes trabalhos no campo social sejam o suficientemente frutíferos que as graves circunstancias do mundo exigem e esperam.
Dirigindo-se aos fiéis da orbe na Encíclica Supremi Apostolatus Cathedra, dizia: “A ação é o que requer os tempos atuais; mais uma ação entregue de toda ao cumprimento íntegro e escrupuloso das leis divinas e dos preceitos da Igreja, a profissão franca e patente da Religião, a prática de toda classe de obras caritativas, sem visar qualquer proveito próprio nem cobiça de vantagens terrenas. Brilhantes exemplos dessas virtudes dadas por tantos soldados de Cristo, serão muito mais eficazes para comover e arrebatar as almas que a abundância de palavras e sutilezas de razões, e se logrará facilmente que, deposto o temor, rechaçadas as prevenções e as dúvidas, se convertam muitíssimos à Cristo e promovam aonde queiram seu conhecimento e seu amor”. (21).
Anos depois, na Encíclica Il fermo proposito traça o seguinte programa do católico na vida pública e social: “Deve lembrar-se de ser, em qualquer conjuntura, e de aparecer, verdadeiramente católico, aproximando-se dos cargos públicos e desempenhando-os com o firme e constante propósito de promover, quanto lhe seja possível, o bem social e econômico da Pátria, particularmente do povo, conforme as máximas da civilização eminentemente cristã, e de defender ao mesmo tempo os interesses supremos da Igreja, que são os da Religião e da Justiça” (22).
Atuação incompatível com covardias e contemporizações.
“Gravíssimamente erram os que sonham com um estado tal em que a Igreja, sem oposição de ninguém, goze de paz dulcíssima. Mas mais torpemente se enganam os que, levados de vã e falsa esperança de conseguir essa paz, dissimulam os interesses e direitos da Igreja preterindo suas particulares comodidades, os atenuam injustamente, bajulam ao mundo sob pretexto de ganhar aos fautores de novidades e de concilia-los com a Igreja, como se fosse possível acordo algum entre a luz e as trevas, entre Cristo e Belial. Sonhos de enfermos são estes, cujas vãs aparências se forjaram e forjarão sempre enquanto houver covardes que, apenas tendo visto o inimigo, arrojem baixando o escudo, ou traidores que se apressuram em pactuar com o lado contrário, que é em nosso caso o inimigo furioso de Deus e dos homens” (23).

Tratamos de bosquejar em breves linhas o pensamento de Pio X, sobre questões sociais. Hoje que o mundo obsessivamente trata de buscar solução a todos estes problemas por meio de grande quantidade de organismos nacionais e internacionais, bom será que meditemos sobre estas sábias normas de um Pontífice elevado aos altares, e que se morreu por seu amor aos humildes, pois, como esculpiu em seu testamento, “nascido pobre, tendo vivido pobre e certo de morrer muito pobre” (24), ele se considerava um deles.

(1) Enc. Notre charge apostolique, 1, 23 agosto, 1910.
(2) Enc. Notre charge apostolique, 39.
(3) Enc. Notre charge apostolique, 39.
(4) Enc. Notre charge apostolique, 9.
(5) Enc. Notre charge apostolique, 10.
(6) Enc. Notre charge apostolique, 21.
(7) Carta de 20 de janeiro de 1907 aos dirigentes da União Econômico Social.
(8) Enc. Notre charge apostolique, 11.
(9) FERRUCCIO CARLl, PÍO X e Seu tempo, Barcelona, 1943.
(10) Enc. Notre charge apostolique, 22.
(11) Carta do Papa ao Cardeal Aguirre em novembro de 1909.
(12) Enc. Notre charge ttpostolique, 39.
(13) Enc. Notre charge apostolique, 10.
(14) Jocunda sane. (Enc. sobre São Gregório Magno). 12 março, 1904.
(15) Enc. Notre charge apostolique, 1.
(16) Enc. Notre charge apostolique, 9.
(17) Enc. Piene L'animo. 28 julho 1906.
(18) Carta ao Cardeal Aguirre, Arcebispo de Toledo.
(19) Enc. Jocunda sane.                    
(20) Carta do Cardeal-Secretário de Estado aos diretores da Ação Católica de Umbría.
(21) Enc. Supremi Apostolatus Cathedra, 4 outubro, 1903.
(22) Enc. II fermo Propósito, 11 junho, 1905.
(23) Enc. Communium rerum, 21 de abril, 1909.
(24) Cardeal RAFAEL MERRY DEL VAL, Memórias do Papa Pio X. Madrid, 1946.

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*Este artigo foi transcrito da Revista de Política Social, Número 11, de Julho/Setembro de 1951, pp. 69/75. 
Traduzido por Fernando Rodrigues Batista.

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