O
assalto à soberania e a ocupação dissimulada da Amazônia, acobertada pela
proteção das reservas indígenas. Hoje nos países em desenvolvimento
desconfia-se de que camufladamente grande parte daquelas sociedades não governamentais
e missões religiosas desempenham a mesma função do vilipêndio; na rota da
ocupação fingem-se de zelo sacerdotal pela causa indígena ou se credenciam como
cientistas do solo, da fauna e da flora. São a ponta de lança da invasão
futura. Buscam desse modo conhecer melhor nossas riquezas com o propósito de
arrebatá-las depois, consoante já o fizeram nos casos do México e da Colômbia, vítimas
da maior tragédia imperialista dos últimos cento e cinquenta anos na América
Latina. Não é sem razão que a demarcação das reservas indígenas, ocorrendo
mediante sub-reptícia pressão internacional, em verdade não correspondente aos
interesses do nosso índio, mas aos desígnios predatórios da cobiça imperialista,
empenhada já na ocupação dissimulada do espaço amazônico e na preparação e
proclamação da independência das tribos indígenas como nações encravadas em
nosso próprio território, do qual se desmembrariam. Essa demarcação desde muito
deixou de ser uma questão de proteção ao silvícola para se converter numa grave
ameaça integridade nacional.
A esse
respeito o mais alarmante vem dos Estados Unidos onde, na Câmara dos
Representantes, se legisla já, com ambiguidades, sobre a proteção dos povos
indígenas do Terceiro Mundo.
Com
efeito, em 22 de março de 1991, o deputado Benjamin A. Gilman, de Nova York, apresentou
àquela Casa um projeto legislativo que oficialmente se intitula “lei para proteger
os povos indígenas do mundo inteiro.”
Só o
título vale para demonstrar a sem-cerimônia, a arrogância e a falta de
autoridade com que esse parlamentar estrangeiro, deslembrado do extermínio de
seus moicanos e peles-vermelhas, intenta invadir na questão indígena a
competência dos parlamentos das ações em desenvolvimento ou subdesenvolvidas.
O [O
projeto de lei para proteção das populações indígenas internacionais de 1991] International
Indigenous Peoples Protection Act of 1991” tramita por distintas comissões
daquela Câmara e determina ao Secretário de Estado e ao Diretor da Agência Internacional
para o Desenvolvimento que subordinem a política externa dos Estados Unidos a
essa esdrúxula proteção e sobrevivência cultural dos povos indígenas do mundo inteiro.
Suspeita-se
que seja o primeiro grande passo legal e preparatório para legitimar depois,
interna e externamente, intervenções como aquela que ontem desmembraram no
istmo da América Central o Panamá da Colômbia, e fizeram nascer a república de
Noriega, ou anexaram o Texas à União Americana, a expensas do México.
Não é
de espantar, portanto, se amanhã os missionários estrangeiros da Amazônia, até
mesmo com a cumplicidade das Nações Unidas, proclamarem na reserva indígena,
que cresce de tamanho a cada ano e já tem a superfície de um país de extensão
de Portugal, uma república ianomâmi, menos para proteger o índio do que para preservar
interesses das superpotências.
Incalculáveis
riquezas jazem na selva amazônica e a proteção da cultura indígena trouxe a
presença ali de cavaleiros que se adestram para segurar as rédeas de um novo e
estranho Cavalo de Tróia.
O que
parece à primeira vista apreensão infundada ou mero pesadelo de Cassandras
nacionalistas, bem cedo, se não atalharmos o mal pela raiz, mediante vivência
efetiva nas fronteiras do Norte e Oeste, se tornará um fato consumado, uma
tragédia, e como todas as tragédias, algo irremediável. A consciência da
nacionalidade, picada de remorso, não saberia depois explicar às gerações
futuras com honra e dignidade tanta omissão e descaso. O assalto à soberania
está pois em curso. É hora de pensar no Brasil!
___ BONAVIDES,
Paulo. Teoria do Estado. 6ª Ed. São Paulo: Malheiros. p.392-393.
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