A Cidade totalitária que se
elabora ao redor de nós oferece-nos, efetivamente, um duplo espetáculo: de um
lado, uma tendência ao nivelamento geral, que apaga as verdadeiras diferenças
entre os homens e consequentemente a complexidade natural; e, de outro, uma
complicação cada vez maior na administração da Cidade e nas condições de
existência de seus habitantes. Todos os homens estão em vias de se reunir como
carneiros de um mesmo rebanho e nada é mais inextricavelmente emaranhado do que
as leis e os regulamentos que regem suas relações. Tecnocracia, burocracia,
papelada - isso não tem nada a ver com a relação orgânica complexidade-unidade.
E isso se parece muito pouco com aquele processo de "amorisação"
(impregnação de amor) de que fala Teilhard Chardin.
O coletivismo não reúne os
homens senão para melhor os isolar. Ele os separa uns dos outros, na medida em
que os amontoa uns sobre os outros. Assim, os grãos de areia no deserto formam
uma imensa massa homogênea, mas os elementos que constituem essa massa não tem
entre eles nenhum vínculo interno: é a própria imagem da Cidade Totalitária em
que a solidão aumenta em função da promiscuidade.
A maqueta da Cidade Futura,
nós a temos já nos grandes conjuntos anônimos que crescem como cogumelos ao
redor de nossas cidades e dos quais transpira, para fora como para dentro, a
lepra da uniformidade e do tédio; nos rebanhos humanos em que o
"condutor" substitui o pastor; nesse desenraizamento geral que solta
os indivíduos, como folhas mortas, ao vento da moda e da opinião; nessa
fabricação em cadeia de consciências teleguiadas que são cevadas de abstrações e
de quimeras ao invés de serem nutridas de realidades.
Falam-nos de bom grado da
"dimensão planetária" da humanidade de hoje. Mas quem não vê que onde
essa nova dimensão (que, aliás, não é nova: todos os santos conheceram essa
paixão da humanidade) não tem por fundamento e por caução um apego vivido ao
próximo imediato e uma experiência de responsabilidade pessoal, ela não pode
ser senão ilusão e engano? É muito bonito ser cidadão do mundo, mas é preciso
começar por não ser apátrida. Saint-Exupéry refere-se a este diálogo entre um
homem apegado à sua terra e um desenraizado: "Você está partindo? - Sim. -
Para onde? - Para Melbourne. - Como você estará longe! - Longe de onde?".
Com efeito, não há distâncias para o desenraizado. Ele não está longe de nada.
Mas, em contrapartida, ele não está ligado a nada: a palavra próximo não tem o menor sentido para ele.
Nessa ordem, o uso imoderado das facilidades de comunicação - quer se trate de deslocamento no
espaço ou de informação - arrisca comprometer nossa capacidade de comunhão.
O próximo se distância à medida que o longínquo se aproxima. E ainda não se
aproxima senão em aparência: por palavras e por imagens. O que pensar, por
exemplo, desse cidadão inconsciente e organizado (mecanizado caberia melhor)
que se apaixona pela guerra do Vietnã e ignora os problemas e talvez mesmo a
existência de seu vizinho de andar. Que ignora até o seu próprio problema, pois
não se dá conta de que não entende nada das questões acerca das quais é pedido
que tome partido. E esse homem, arrancado de seu próximo e de si mesmo, vive em
sonho a duas mil léguas.
Diante dessa ameaça - já em parte realizada - do
formigueiro futuro, Teilhard afirma com um otimismo intrépido: "não há
formigueiro se as formigas aprendem a se amar". Mas como poderiam elas
aprender a se amar se a própria construção do formigueiro implica na eliminação
das condições de amor, na erosão do terreno social de que ele precisa germinar?
É aqui que se aplica a fundo a parábola da semente e do solo: o grão divino
aborta sobre um solo humano muito empobrecido.
Victor Hugo, num clarão de
lucidez profética, coloca estas palavras na boca de não sei que Demos informe, construtor da Cidade
coletivista e igualitária: "eu sou tudo, o inimigo misterioso de Tudo".
O número, túmulo da unidade: é aí, com efeito, que desemboca a miragem
coletivista. Uma cidade em que une seus habitantes enquanto cifras e não
enquanto pessoas. Que faz a soma e não a síntese. E que, em última análise, se
edifica sobre as ruínas do homem real. Um organismo - se isso se pode dizer! -
em que a prótese substituiu os membros: no limite, os ídolos absorvendo seus
adoradores – uma sociedade sem homens.
Gustave THIBON. Coletivismo contra o social. Revista Hora
Presente, São Paulo, set-outubro de 1968, n. 1, p. 127-128.
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