sábado, 5 de abril de 2014

FAMÍLIA E A HIERARQUIA NECESSÁRIA...

A família nos ensina a acatar, sem reservas, o que é a alma mesma de toda sociedade organizada: A hierarquia definida pelos serviços que presta. A igualdade que fascina nossos contemporâneos é a definição da morte social. Que intercâmbios haveria em uma associação de iguais, a não ser um trato verbal, falaz e vão? O intercâmbio exige a diferenciação, e a diferenciação, por sua vez, exige a hierarquia em cujo cume o intercâmbio se converte em dom. Nunca será suficientemente ressaltado que a comunidade familiar é aquela em que os pais dão sempre, sem nunca receber de seus filhos, em troca, coisa alguma além dos sinais de afeto. Os serviços e bens que os pais proporcionam não tem reciprocidade por parte de seus filhos. Somente mais tarde, quando eles mesmos tenham fundado um lar, os filhos se farão doadores. A reciprocidade do quid pro quo se estende na sucessão. Ai encontra-se a essência mesma da hierarquia: o verdadeiro chefe é aquele que da sem receber em troca ou aquele cuja liberalidade é sem medida comum com o que recebe, pois ordena no duplo sentido de ordenamento e de mandato, sem o qual toda sociedade se desmorona, e ele é o único que pode fazê-lo. A sociedade familiar é, nesse sentido, o modelo da sociedade política ideal onde o chefe identifica seu interesse pessoal ao interesse geral do qual é ponto chave, de tal modo que o primeiro é submerso pelo segundo... O paternalismo do qual estupidamente nosso tempo faz troça, é o elemento essencial das sociedades humanas e cuja continuidade engendra a continuidade da sociedade política. Um dos princípios mais importantes da política e cuja origem se encontra na família, que o imprime em todo ser humano mediante a educação, é o de que a maioria dos homens necessitam de um “protetor”, um homem com suficiente elevação sobre os demais para ajudar-lhes a consolidar sua natureza social fluida em demasia, para ajudar-lhes a resolver os problemas que apresenta sua inserção nas comunidades mais amplas e para ajudar-lhes a esclarecer a incógnita que representa sua relação com agrupações exteriores. A imagem do pai está sempre presente na autoridade geradora e protetora da ordem. É a que determina a seleção dos indivíduos que assumem esta carga. O que da notoriedade aos “notáveis”, aqueles que exercem qualquer poder na sociedade política, é sua capacidade de prestar serviço a modo de pai. Dirige-se a eles nas dificuldades da existência. Se lhes reveste deste modo de uma autoridade política. As “autoridades sociais”, segundo Le Play, são precisamente as famílias cujos membros, por terem tido uma educação levada além da geração presente e que se fizeram hereditária, contrariam o habito de doar-se socialmente e por isso gozam da estima geral e adquirem assim o direito de mandar. Augusto Comte, com sua habitual penetração, viu claramente que a relação de pai a filho condiciona toda a vida social e política: “como filhos, aprendemos a venerar a nossos superiores... mas é a paternidade a que nos ensina diretamente a amar a nossos inferiores”. A relação hierárquica entre superior e inferior, de que nenhuma sociedade pode prescindir, está, pois, enraizada na família que, por isso, é o elemento essencial da política. Tira sua força da permanência dos poderes complementares da natureza e da educação na família, pois a natureza prescreve a proteção do homem pelo homem, sem a qual não haveria ser humano que pudesse sobreviver, fazendo passar do homem para o homem a essência mesma da sociabilidade. Ela é assim, o lugar em que se realizam e transmitem de modo indivisivelmente biológico e humano, as experiências fundamentais que constituem a ossatura de toda comunidade.
  
Marcel DE CORTE. “L’education politique”.


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