terça-feira, 1 de abril de 2014

DISSOCIEDADE E ESTADO TOTALITÁRIO

Para o Estado contemporâneo e seus manipuladores, a democracia não é senão uma maquiagem, um enfeite, um adorno destinado a enganar os últimos devotos de uma religião que já expirou e que entrou em sua fase convencional de rigidez ritualista. Sob esta casca do Estado, no século XX, o que o observador descobre é apenas uma sociedade que não representa nada, uma dissociedade, uma “sociedade” que já nada deve aos impulsos originários da natureza social do homem e que os sociólogos denominaram sociedade de massas, definida pela simples justaposição de seus membros, todos homogêneos como as moléculas de um mesmo corpo material, todos igualmente desvitalizados, reduzidos ao estado de insetos, ou mais exatamente ao estado de “coisas” as quais o Estado assegura uma administração. Colocado diante de uma coletividade aonde já não há comunidades naturais senão indivíduos, o Estado adquire uma extensão ilimitada. Um Estado que coroa uma dissociedade está fatalmente destinado a ser, ele sozinho, toda a sociedade e a assumir todas as funções sociais que a natureza concedeu o homem... Salta aos olhos que o crescimento do Estado totalitário é correlativo ao declive da educação política que tem seu assento nas comunidades naturais. Nestas se articular o complemento da razão e da vontade com os impulsos da natureza e se contraem hábitos, comportamentos típicos, condutas submissas a normas bem cognoscíveis que fazem com que os atos de cada um de seus membros possam ser previstos pelos demais e que reina entre elas uma certa ordem em forma permanente enquanto as relações sociais se fundam na segurança de que o associado não enganará o seu sócio. A educação engendrou costumes comuns que fazem com que o curso normal das coisas raramente seja perturbado e que a autoridade não se exerça, no pleno sentido da palavra, mais que excepcionalmente, para ordenar ou defender. Os costumes que as comunidades naturais destilam continuamente, facilitam muito o governo da sociedade política e o tornam inclusive supérfluo enquanto o curso das coisas permaneça normal. Quanto mais constantes e arraigados sejam os usos e costumes, tal como é norma nas associações aonde a natureza possui a iniciativa, menos poderá lançar-se o poder soberano na corrida para o absolutismo que lhe é característico quando abandonado às suas próprias forças. É a educação e não o poder do Estado que dita ao cidadão o que se deve ou não fazer. Todo Estado construído sobre as comunidades naturais e sobre a educação que elas difundem, vê assim reduzido seu poder à sua justa medida; e este poder é poucas vezes sentido como uma força exterior aos cidadãos. Ao contrário, todo Estado sem sociedade é automaticamente um Estado coercitivo, policial, armado com um arsenal de leis e regulamentos com os que se encarrega de dar um sentido às imprevisíveis e aberrantes condutas dos indivíduos. Sua tendência ao totalitarismo é proporcional à debilitação das comunidades naturais, à ruína dos costumes, ao desmoronamento da educação... O terrificante Leviatã social que conhecemos, substitui as autoridades moderadoras que imprudentemente foram sendo eliminadas por uma Constituição ou uma legislação insensata.

Marcel de CORTE. La educacion política. Comunicação ao Congresso de Lausanne II. Verbo, n. 59, pp. 643-644.

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