O AMOR CONJUGAL E O ESPLENDOR DE NOSSA EXISTÊNCIA
Se não há outro luxo
na vida que uma mão que se estende ou o calor de um olhar que nos diz: “não
estás só, estou contigo”, será preciso concluir que só em germe esse luxo se
encontra na amizade. Porque a amizade é plural e hierarquizada e sempre
estabelece algumas reservas e condicionamentos. Somente no amor se realizará
essa autentica luz ou esplendor de nossa existência. Não no amor tomado em seu
sentido genérico, que inclui em si a amizade, ou companheirismo e outras mil
formas de relação humana, senão em seu sentido estrito, aquele que se cimenta
em estranhas afinidades seletivas entre o homem e a mulher. Somente neste laço
humano pode culminar essa entrega mutua que nos salva da solidão e do exílio.
Laço que é excludente e exclusivo dentro de seu gênero, e que se apresenta
sempre com a pretensão de perenidade. Relação humana que pode ser capaz de
superar as limitações e peripécias de cada vida humana e de amadurecer ao longo
do tempo, penetrando desde as camadas biológicas até a entranha mesma da alma,
o apex mentis (ápice da mente ou da personalidade) de que falava São
Boaventura. “É assim – exclama Saint-Exupéry – como eu concebo a felicidade: o
milagre de um rosto radiante, o mundo inteiro que se resume nele e se nos
oferece. Que maravilha!” O amor não nasce do dialogo nem de prévios critérios
estéticos ou eróticos: não existe justificação racional para o nascimento do
amor. Transcende o tempo e ultrapassa os limites da morte. Para quem ama não
existe um antes de seu amor porque em tudo o vê e recorda, como oferenda,
através do ser amado. Nem se produz um depois absoluto porque o dialogo
interior que é o pensamento não elimina pela morte esse único interlocutor
profundo que é a pessoa amada. A rosa que o Pequeno Príncipe rega e abriga em
seu pequeno asteroide sublima a mulher amada, mais concretamente a esposa,
porque para Saint-Exupéry não existe outra plenitude que a do amor conjugal:
“se tu amas uma flor que se acha numa estrela, é doce, de noite, olhar o céu:
todas as estrelas estão floridas”. Apenas no matrimônio essa entrega mutua em
que consiste o amor costuma consumar-se; apenas nele se opera o amadurecimento
de quanto o nascimento de um verdadeiro leva em germe. Em uma longa vida
conjugal o amor não se consome como a lenha em uma fogueira, senão que se
transforma e sublima. O que a paixão primeira perde em intensidade ganha em
profundidade, em compenetração e em ternura. O amor autêntico não é planta
chamada a ser efêmera, como ocorre com os amores plurais. Estes deixam sempre
na alma um resíduo de frustração e de incoerência. Apenas o amor permanente, compenetrado,
paga pelo tempo que se foi.
Rafael GAMBRA. El exílio y El reino. Revista Verbo n. 231-232.
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