“Deus nunca é neutro em relação
aos acontecimentos humanos nem em face do curso da história” (Pio XII, Natal de
1951).
O
homem depende metafisicamente de Deus em seu ser e em seu operar. Donde a
relação essencial, metafísica, irrenunciável do homem para com Deus. Mas, do
mesmo modo, a sociedade humana, em qualquer de suas formas e em qualquer
contexto, tem para com Deus a mesma relação e a mesma dependência que o
individuo (Leão XIII, “Immortale Dei”). Por isso não pode ser ateia, nem agnóstica
e nem laica. A sociedade humana em seu fim temporal é regida pela política. O
objeto formal da política é o bem comum temporal: o bem da Cidade temporal. Este
bem se fundamente na ordem moral. A ordem moral depende essencialmente de Deus.
Política sem Deus é antipolítica, posto que é o ordenamento ao “mal comum”, à
autodestruição da sociedade.
O
bem comum não é algo adicionado à sociedade, nem menos ainda algo tirado do
individuo. O bem comum é o justo ordenamento de toda a vida social em vista a
mutua perfeição: da pessoa singular pela comunidade e da comunidade pela pessoa
singular. “A sociedade é meio” (Pio XII) para o aperfeiçoamento integral da
pessoa humana. Dai que, o primeiro BEM no bem comum é Deus; Quem, por outro
lado, é o mais comum dos bens.
Também
para a Política em seu ordenamento da vida social o primeiro e indispensável
pressuposto é Deus. De outro modo, o bem comum temporal é impossível.
Mas
manifesta-se Jesus Cristo. A presença de Cristo sobre o mundo não incide apenas
no destino do homem, nem apenas nas estruturas espirituais simplesmente. Todo o
cosmos é penetrado por sua graça, ainda que diversamente.
Por
Cristo, a ordem da graça, apoiada na ordem da natureza, tem uma relevância absoluta
na ordem temporal. E de duas maneiras: a ordem temporal não pode obstaculizar a
ordem da graça; e ademais, a ordem temporal deve ser informada pela graça. “Há
que reconhecer que o Evangelho tem a função de informar integramente o
pensamento do homem e toda sua atitude teórica e pratica. Não se vê outro meio
de salvação para a humanidade senão na reconstrução do mundo no espírito de
Jesus Cristo. Convençam-se os homens responsáveis desta necessidade absoluta”
(Pio XII, 28/10/1954).
Enunciados
teológicos como estes: Cristo, recapitulação do universo, Princípio e Fim, Vida
do cosmos, Caminho, Verdade e Vida, não estão limitados à esfera estritamente
espiritual, pneumática. Excedem com sua dynamis e suas exigências sobre a ordem
temporal, e criam uma ordem temporal, e criam uma ordem social cristã, uma
sociedade cristã.
Dá-se
em Cristo e por Cristo uma reintegração cósmica, cujo primeiro integrante e
melhor favorecido logicamente é o homem, o qual se diviniza em Cristo. Mas o
que ocorre entre o homem e Cristo por meio de Cristo deve ocorrer entre a
sociedade e Cristo por meio do homem. O sentido de Cristo deve penetrar,
impregnar, vivificar a sociedade humana para glória do Pai.
Esta
última realidade é enunciada, sobretudo a partir de Pio XI, como REINADO SOCIAL
DE JESUS CRISTO. Reinado social de Jesus Cristo não quer dizer teocracia, nem o
domínio temporal da Igreja. Mas tampouco é um Reinado escatológico, para o fim
do mundo, mas desde agora. E não apenas de iure: deve sê-lo de fato. Reinado
social de Jesus Cristo significa que o homem e a sociedade humana vivem em
Cristo sua metafísica dependência de Deus em uma ordem verdadeira; a ordem
essencial da Verdade, da Justiça e do Amor. E significa, portanto, que todas as
estruturas da ordem temporal se libertem da escravidão dolorosa da desordem e
vivam também elas a liberdade da redenção.
A
ordem temporal não é profana, se por profana se entende o que não é santificável.
O profano é simplesmente o distinto do que é sagrado pela via sacramental.
A
ordem natural, da qual emana primariamente a ordem temporal, tem caráter divino: é
o resplendor da ordem eterna em que vive Deus. A ordem temporal, santificável e
santificante, deve ser sacralizada, santificada, consagrada e precisamente
pelos fiéis (Pio XII). E se sacraliza a ordem temporal quando se ajusta ao
querer divino, e se a entrega como manifestação da vontade de Deus.
De
fato, nos encontramos dentro de uma ordem social sem Deus. Ou o que é o mesmo
ou ainda pior: dentro da ordem da desordem. Dentro da contradição, da desintegração,
da anarquia, inclusive frente à verdade.
Em
um grito, no qual não há exagero algum, Pio XII, traça a trajetória deste
processo – 12/10/1952 -: “Não pergunteis quem é o inimigo, nem que vestidos
leva. Este se encontra em todas as partes e no meio de todos. Sabe ser violento
e astuto. Nos últimos séculos tentou levar a cabo a desagregação intelectual,
moral, social, da unidade do organismo misterioso de Cristo. Pretendeu a
natureza sem a graça; a razão sem a fé; a liberdade sem a autoridade; às vezes,
a autoridade sem a liberdade. É um inimigo que cada vez se tem feito mais concreto,
com uma despreocupação que nos deixa, no entanto, atônitos: Cristo, sim;
Igreja, não. Depois: Deus, sim; Cristo, não. Finalmente, o grito ímpio: Deus
está morto; mais ainda, Deus jamais existiu. E eis aqui a tentativa de edificar
a estrutura do mundo sobre fundamentos que Nós não duvidamos em apontar como
principais responsáveis da ameaça que gravita sobre a Humanidade: uma economia
sem Deus, um direito sem Deus, uma política sem Deus. O inimigo se preparou e
se prepara para que Cristo seja um estranho na universidade, na escola, na
família, na administração da justiça, na atividade legislativa, na inteligência
entre os povos, ali onde se determina a paz ou a guerra. Este inimigo está
corrompendo o mundo com uma imprensa e com espetáculos que matam o pudor nos
jovens e nas donzelas, e destrói o amor entre os esposos”.
Convêm
destacar no pensamento papal as duas presenças: a de Deus e a de Jesus Cristo
nas estruturas tipicamente temporais, nas quais nem Deus e nem Cristo podem ser
estranhos.
Jean OUSSET. Introducción a la
política, publicado na Revista Verbo, Madri, N. 21, 1964, pp. 03-05.