quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

O HOMEM MATA O QUE AMA

“Não ofendamos nós a natureza humana chamando o pecador de humano. Foi ele quem atentou contra o ser humano. Por favor... não o honremos dizendo que as paixões são muito boas. O que é muito humano é a virtude. O que dá a medida humana à paixão é a virtude. A imensa desgraça do homem moderno é não saber amar. Como é possível que o amor que é vida hoje em dia não de nada mais que a morte?
É necessário conhecer a verdade que o talento de Oscar Wilde – talvez sem o saber – descobriu no abismo de seu pecado; parece que dali extraíra a essência mesmo da tragédia humana – de toda tragédia humana – quando disse em uma balada magnifica: “O homem mata o que ama” [...]. O homem mata diariamente, minuciosamente, o que ama. Eu diria, para dar mais precisão à sentença, o homem em pecado mata tudo o que ama. Amar sem Deus é amar com indigência”.

Fray Mario José PETIT DE MURAT, O. P. El Buen Amor. San Miguel de Tucumán: Grupo de Estudios del Tucumán “Fray Petit de Murat”, 1986, p. 02.



quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

NOS ENCAMINHAMOS PARA UM SOCIALISMO ABSOLUTO

Albert CAMUS [no livro "O homem revoltado"] mostra como a atual sociedade não marcha para certa socialização, regulável ao agrado dos teólogos, senão para um socialismo absoluto, que se move sobre o pressuposto certo de que o homem é infinitamente plástico, sem nenhuma natureza humana, senão entregue ao puro fluir histórico. Macha para um socialismo em que cada ser humano, partícula do grande Monstro Coletivo, não deve ter outra reflexão que a do reflexo condicionado que provenha da Central do Monstro. Ali, cada homem individual deve chegar a ser, dentro do todo social, um puro jogo de forças submetido a um projeto prolixamente calculado. O socialismo, monstro do terror racionalizado, não pode surgir em qualquer momento da história humana, senão quando está tenha alcançado um determinado grau de degradação. Quando tenha perdido o sentido de Deus, o sentido da majestade da autoridade pública, o sentido da santidade da família, o sentido da dignidade pessoal do homem. O comunismo é o termo e o resultado de um processo secular de degradação em que a sociedade desligada dos valores sobrenaturais, encarnados no sacerdócio, dos valores da dignidade política, encarnados na nobreza, dos valores da eficácia econômica, encarnados na burguesia, explora os baixos instintos do ressentimento das classes mais desvalidas pretendendo edificar sobre o ódio destas todo o edifício social. (...) O absurdo perverso e nefasto do socialismo estriba precisamente em que quer nivelar por baixo todos os valores e classes sociais. Todos os homens igualmente ateus, todos igualmente livres de vínculos políticos, todos sem propriedade econômica; vale dizer, todos proletarizados, isto é, desintegrados. E como os átomos desintegrados não podem coexistir sozinhos, um poder férreo, duro, implacável, os obriga a agrupar-se em um grande Todo, homogêneo e coletivo, fundado e sustentado no terror permanente.


R. P Julio MEINVIELLE. El comunismo en la revolución anticristiana, 4. ed., Buenos Aires: Cruz y Fierro Editores, 1982, pp. 61-62.
Padre Julio Meinvielle (1905-1973)

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

A LIÇÃO DE DOM QUIXOTE

  Acaso quando [Dom Quixote] chama as moças da comarca de “altas donzelas” e elas não podem conter o riso, não é a observação profunda e piedosa do cavaleiro cristão que reconhece nas infelizes criaturas, a dignidade da mulher, a inocência perdida na impudicícia e na humilhação de todas as horas? E quando reflete com os acolhedores pastores sobre a “ditosa idade e séculos ditosos, aqueles que os antigos chamavam de dourados”, quando “não havia a fraude, nem engano, nem a malicia mesclando-se com a verdade e a franqueza”, e os pastores lhe escutavam ‘maravilhados e atônitos’, não é em razão de sentirem-se arrebatados pela magia do verbo criador até a nostalgia do tempo do esplendor original da criatura humana?  Dom Quixote, senhor de piedade e de sapiência, levanta com as mãos graciosas e varonis das ponderadas palavras e das discretas e bem ajustas razões, os caídos, os humilhados, os necessitados, a humanidade derrotada e claudicante, até a altura de sua nobilíssima condição e dignidade de ‘ser’, até a excelência da imagem e semelhança de Deus”.


Jordán B. GENTA. Rehabilitacion de la Inteligencia. Buenos Aires: Universidad Libre Argentina, 1946, p. 41-42.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

NOSSOS PRINCÍPIOS

1. Encontramos na "Política" de Aristóteles um princípio básico da estruturação das sociedades que poderíamos enunciar assim: "As sociedades são o que são suas famílias".
Em outras palavras, a organicidade de uma cidade verdadeiramente humana, tem base na célula familiar, na constituição sadia e estável da instituição familiar. Os erros estruturais que podem afligir uma sociedade são dois: um da dissolução individualista (erro do liberalismo burguês) outro da absorção dos direitos da família pelo Estado (erro do totalitarismo).
A dureza cristalina da família, a nitidez estável de seus contornos é condição essencial de uma sociedade verdadeiramente humana. Daí nossa repulsa pelo divórcio, à luz da razão natural antes mesmo da iluminação da fé. O divórcio é uma reivindicação individualista, anti-social, e por conseguinte anti-humana. O divórcio, como reivindicação individualista, é essencialmente um erro corolário do erro mais geral do liberalismo; mas é também um erro utilizado pelo totalitarismo, apesar da aparente contradição, porque o totalitarismo aparece (como a história o demonstrou) como uma contraditória conseqüência do liberalismo. Em relação à família os dois erros sociais se encontram com a mesma maléfica eficácia; ambos procuram destruir a estabilidade familiar e a indissolubilidade do vínculo; ambos ferem a lei natural do mesmo modo, embora por motivos e em perspectivas históricas diferentes.
  
2. Um outro princípio, que tiramos de Santo Agostinho na "Cidade de Deus", diz que uma cidade de homens só é verdadeiramente humana quando respira justiça. Fora dessa condição nós teremos um aglomerado de brutos e não uma cidade humana feita à semelhança de Deus. Do mesmo Aristóteles e de Santo Tomás tiramos o conceito derivado de amizade cívica (amicitia), virtude anexa da justiça, virtude essencial, oxigênio vital para o clima de uma cidade verdadeiramente humana.
  
3. Ora, esses dois princípios são conexos, porque a família, a casa da família é, ou deve ser, o lugar onde se exercita a amizade cívica, o lugar onde se destila, o lugar adequado onde se prepara o elemento essencial ao bom clima humano da cidade. Esse será o nosso terceiro princípio: a família é o lugar adequado para a germinação da justiça; é a fonte da amizade cívica.
  
4. Avancemos mais um passo. Na situação concreta do mundo, isto é, no caso concreto de uma humanidade decaída e redimida, o problema moral da cidade, mesmo considerado sob o ângulo temporal, deve ser colocado em sub-alternação aos preceitos divinos revelados, ou como diz Maritain, deve ser colocado em termos de uma moral "adequatement prise".
Nessa nova perspectiva ganha singular realce o papel que desempenham as famílias cristãs. Já não se trata somente de estrutura a sociedade com células normais que resistam à lepra do liberalismo ou ao câncer do totalitarismo; trata-se agora de uma regulação muito mais profunda, de uma atuação mais intensa em que a qualidade domina a quantidade.
Eu diria agora, com mais esse dado concreto da verdadeira condição humana, que uma sociedade humana será medida pelo grau de heroísmo de suas famílias cristãs. E esse é o nosso quarto princípio, que apenas traduza, aplicando-as ao problema da estrutura social, as palavras evangélicas tão conhecidas e tão pouco seguidas: "Vós sois o sal da terra".
   
5. Dirigindo agora a nossa atenção para a concretíssima conjuntura, isto é, pensando no mundo em que vivemos, no momento histórico que atravessamos, eu estenderia aos outros grupos — associações, escolas, sindicatos — o que disse até aqui da família. E aplicaria a esses grupos, proporções guardadas, os mesmos princípios que acabamos de considerar. E por conseguinte, aplicaria aos movimentos católicos — isto é, às associações fundadas com especificação temporal, como por exemplo a C.F.C. [1] — as mesmas conclusões. E diria assim: a sorte das sociedades depende do grau de heroísmo (de autêntico heroísmo cristão) dos movimentos católicos.
Ainda mais, diria que esses movimentos, pelo seu caráter excepcionalmente militante, devem levar ainda mais longe do que qualquer outra instituição cristã o grau de heroísmo necessário à salvação do mundo. Parodiando Winston Churchill, que traduziu a seu modo inglês as palavras de Cristo, eu direi que nunca, na história do mundo, tantos dependeram tanto de tão poucos. E é essa desproporção que nos deve dar a medida do que Deus espera de nós.
   
6. O nosso sexto princípio tem nexo estreito com o anterior. Se os movimentos católicos, para atuarem no mundo, precisam de uma forte dose de heroísmo cristão, concluímos que devem ter uma base de espiritualidade de onde lhes venha essa força de sobrenatural fecundidade para estímulo e vitalização de suas tarefas de ordem temporal e profana.
Não se trata de trazer para a tarefa especificada por objeto de ordem natural as virtudes infusas que têm por objeto a salvação e a a vida eterna; mas de trazer para a atuação no mundo um grau de liberdade, uma força de heroísmo que só o evangelho pode dar. Em outras palavras nós diremos que só pode atuar no mundo quem puder afirmar praticamente, efetivamente, a transcendência do homem sobre o mundo. Ou ainda: só pode haver obra social, com interesse fervoroso, para quem tiver cursado a escola evangélica do desapego. E esse é o nosso sexto princípio, de capital importância para os movimentos católicos.
   

Gustavo CORÇÃO. in  "A Espiritualidade dos Movimentos Católicos", A Ordem, dezembro de 1951.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

REALEZA SOCIAL DE JESUS CRISTO

“Deus nunca é neutro em relação aos acontecimentos humanos nem em face do curso da história” (Pio XII, Natal de 1951).

O homem depende metafisicamente de Deus em seu ser e em seu operar. Donde a relação essencial, metafísica, irrenunciável do homem para com Deus. Mas, do mesmo modo, a sociedade humana, em qualquer de suas formas e em qualquer contexto, tem para com Deus a mesma relação e a mesma dependência que o individuo (Leão XIII, “Immortale Dei”). Por isso não pode ser ateia, nem agnóstica e nem laica. A sociedade humana em seu fim temporal é regida pela política. O objeto formal da política é o bem comum temporal: o bem da Cidade temporal. Este bem se fundamente na ordem moral. A ordem moral depende essencialmente de Deus. Política sem Deus é antipolítica, posto que é o ordenamento ao “mal comum”, à autodestruição da sociedade.
O bem comum não é algo adicionado à sociedade, nem menos ainda algo tirado do individuo. O bem comum é o justo ordenamento de toda a vida social em vista a mutua perfeição: da pessoa singular pela comunidade e da comunidade pela pessoa singular. “A sociedade é meio” (Pio XII) para o aperfeiçoamento integral da pessoa humana. Dai que, o primeiro BEM no bem comum é Deus; Quem, por outro lado, é o mais comum dos bens.
Também para a Política em seu ordenamento da vida social o primeiro e indispensável pressuposto é Deus. De outro modo, o bem comum temporal é impossível.
Mas manifesta-se Jesus Cristo. A presença de Cristo sobre o mundo não incide apenas no destino do homem, nem apenas nas estruturas espirituais simplesmente. Todo o cosmos é penetrado por sua graça, ainda que diversamente.
Por Cristo, a ordem da graça, apoiada na ordem da natureza, tem uma relevância absoluta na ordem temporal. E de duas maneiras: a ordem temporal não pode obstaculizar a ordem da graça; e ademais, a ordem temporal deve ser informada pela graça. “Há que reconhecer que o Evangelho tem a função de informar integramente o pensamento do homem e toda sua atitude teórica e pratica. Não se vê outro meio de salvação para a humanidade senão na reconstrução do mundo no espírito de Jesus Cristo. Convençam-se os homens responsáveis desta necessidade absoluta” (Pio XII, 28/10/1954).
Enunciados teológicos como estes: Cristo, recapitulação do universo, Princípio e Fim, Vida do cosmos, Caminho, Verdade e Vida, não estão limitados à esfera estritamente espiritual, pneumática. Excedem com sua dynamis e suas exigências sobre a ordem temporal, e criam uma ordem temporal, e criam uma ordem social cristã, uma sociedade cristã.
Dá-se em Cristo e por Cristo uma reintegração cósmica, cujo primeiro integrante e melhor favorecido logicamente é o homem, o qual se diviniza em Cristo. Mas o que ocorre entre o homem e Cristo por meio de Cristo deve ocorrer entre a sociedade e Cristo por meio do homem. O sentido de Cristo deve penetrar, impregnar, vivificar a sociedade humana para glória do Pai.
Esta última realidade é enunciada, sobretudo a partir de Pio XI, como REINADO SOCIAL DE JESUS CRISTO. Reinado social de Jesus Cristo não quer dizer teocracia, nem o domínio temporal da Igreja. Mas tampouco é um Reinado escatológico, para o fim do mundo, mas desde agora. E não apenas de iure: deve sê-lo de fato. Reinado social de Jesus Cristo significa que o homem e a sociedade humana vivem em Cristo sua metafísica dependência de Deus em uma ordem verdadeira; a ordem essencial da Verdade, da Justiça e do Amor. E significa, portanto, que todas as estruturas da ordem temporal se libertem da escravidão dolorosa da desordem e vivam também elas a liberdade da redenção.
A ordem temporal não é profana, se por profana se entende o que não é santificável. O profano é simplesmente o distinto do que é sagrado pela via sacramental.
A ordem natural, da qual emana primariamente a ordem temporal, tem caráter divino: é o resplendor da ordem eterna em que vive Deus. A ordem temporal, santificável e santificante, deve ser sacralizada, santificada, consagrada e precisamente pelos fiéis (Pio XII). E se sacraliza a ordem temporal quando se ajusta ao querer divino, e se a entrega como manifestação da vontade de Deus.
De fato, nos encontramos dentro de uma ordem social sem Deus. Ou o que é o mesmo ou ainda pior: dentro da ordem da desordem. Dentro da contradição, da desintegração, da anarquia, inclusive frente à verdade.
Em um grito, no qual não há exagero algum, Pio XII, traça a trajetória deste processo – 12/10/1952 -: “Não pergunteis quem é o inimigo, nem que vestidos leva. Este se encontra em todas as partes e no meio de todos. Sabe ser violento e astuto. Nos últimos séculos tentou levar a cabo a desagregação intelectual, moral, social, da unidade do organismo misterioso de Cristo. Pretendeu a natureza sem a graça; a razão sem a fé; a liberdade sem a autoridade; às vezes, a autoridade sem a liberdade. É um inimigo que cada vez se tem feito mais concreto, com uma despreocupação que nos deixa, no entanto, atônitos: Cristo, sim; Igreja, não. Depois: Deus, sim; Cristo, não. Finalmente, o grito ímpio: Deus está morto; mais ainda, Deus jamais existiu. E eis aqui a tentativa de edificar a estrutura do mundo sobre fundamentos que Nós não duvidamos em apontar como principais responsáveis da ameaça que gravita sobre a Humanidade: uma economia sem Deus, um direito sem Deus, uma política sem Deus. O inimigo se preparou e se prepara para que Cristo seja um estranho na universidade, na escola, na família, na administração da justiça, na atividade legislativa, na inteligência entre os povos, ali onde se determina a paz ou a guerra. Este inimigo está corrompendo o mundo com uma imprensa e com espetáculos que matam o pudor nos jovens e nas donzelas, e destrói o amor entre os esposos”.
Convêm destacar no pensamento papal as duas presenças: a de Deus e a de Jesus Cristo nas estruturas tipicamente temporais, nas quais nem Deus e nem Cristo podem ser estranhos.


Jean OUSSET. Introducción a la política, publicado na Revista Verbo, Madri, N. 21, 1964, pp. 03-05.

INTRINSECAMENTE PERVERSO


segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

NOSSA HONRA NÃO É VENCER


RESIGNAÇÃO

¡Bendito seas, Señor,
por tu infinita bondad;
porque pones con amor
sobre espinas de dolor
rosas de conformidad!.

¡Qué triste es mi caminar!...
Llevo en el pecho escondido
un gemido de pesar,
y en mis labios un cantar
para esconder mi gemido.

Tú sólo, Dios y Señor,
Tú, que por amor me hieres;
Tú, que con inmenso amor,
pruebas con mayor dolor
a las almas que más quieres,

Tú sólo lo has de saber;
que sólo quiero contar
mi secreto padecer
a quien lo ha de comprender
y lo puede consolar.


___ José María Pemán (1898-1981)


sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

CURSO DE CULTURA CATÓLICA EM TOLEDO-PR

RAZÕES DO CURSO E 1° MÓDULO
( Jean Ousset – 1914/1994 - e a Cité Catholique)

Necessidade de uma formação doutrinal e fidelidade à doutrina social da Igreja, caráter obrigatório desta doutrina. Estes temas irão se repetir amiúde em nosso curso. Mas qual é o objeto do referido curso?
Ninguém dúvida que os resquícios da civilização católica sucumbem dia a dia, consequência do laicismo e dos erros nefastos promanados das revoluções protestante, francesa, soviética e cultural, que, é bem verdade, consistem em uma única revolução.
Diante de fato inconteste compreendemos a urgência de nosso combate. As palavras de Jó nos é muito significativa: “a vida na terra é milícia”. O combate, porém, não significa “ativismo” pura e simplesmente, o que seria um grave erro.
A causa de nossos males está em nossa ignorância dos princípios essênciais ou, melhor dizendo, em nossa anarquia intelectual. É preciso começar pela reforma intelectual, uma vez que sem ela, toda reforma moral corre o risco de ser artificial. Reforma “intelectual”, porque, segundo a frase de Pascal: “trabalhar para pensar bem” é a regra da moral. Reforma intelectual que deve ser o prefácio de uma total e rigorosa conversão, natural e sobrenatural. E nós, os católicos atuais, muito pouco formados, muito pouco instruídos, inclusive as vezes totalmente ignorantes quanto aos ensinamentos da Igreja, acaso não estamos inclinados a dividir nossa vida em duas partes: uma vida privada submetida à lei divina e uma vida pública da qual afastamos dita lei?
“Nosso século está cansado de expedientes, transações e compromissos! Se tentou de tudo. Não terá chegado a hora de ensaiar a Verdade?”, dizia o Cardeal Pie já no século XIX.
Pio XII dizia a Mons. Théas que “a formação doutrinal é o que mais necessita a França em sua hora atual”. Palavras estas que se aplicam também a nós, a nossa realidade.
Resumidamente é isso que nosso curso visa: formação. E é isso o que visava também a Cité Catholique, criada por Jean OUSSET, o primeiro pensador católico que iremos estudar. Jean OUSSET nasceu em Portugal, mas seus empreendimentos se desenrolaram especificamente em França. Nesse primeiro encontro nos dedicaremos a três fases de sua profícua vida: a) infância – juventude; b) Obras empreendidas; c) O legado...
Jean OUSSET entendia que de todas as tarefas que se ofereciam à Cidade Católica nenhuma parecia mais importante, mais urgente, que a da formação de uma “elite” mediante a organização de uma rede limitada de células de estudo e ação. Acentuava que nada eficaz e verdadeiramente profundo foi feito na História sem esta formação previa e intensa de alguns: verdadeiros cavaleiros, apóstolos infatigáveis, homens de fogo, que, aonde se encontrassem, qualquer que fosse o movimento a que pertencessem, deixavam em toda parte um rastro de luz e de verdade.

Nosso intento não possui as mesmas dimensões da ação empreendida por Jean OUSSET e a Cité Catholique, mas ao menos, envidaremos os esforços necessários para bem desempenharmos nossos deveres de estado nessa vida terreal.

O JUGO SUAVE DE CRISTO


quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

JARDINEIROS DA ETERNIDADE


A PERDA DO SENTIDO DA VERDADE


O ASPECTO DESTRUTIVO DA REVOLUÇÃO

“A revolução, em seu aspecto destrutivo, está chegando ao final de sua tarefa. O homem foi destruído virtualmente em sua realidade divina e em sua realidade humana. A vida pública cumpre automaticamente esta tarefa, tanto nos países comunistas como nos chamados países livres. Daí que a vida pública, em especial o que se chama cultura pública, destile, como operação normal, ateísmo e anti-humanismo, vale dizer, degradação do aspecto divino e do humano do homem... Também há de se intensificar aceleradamente o processo de ateização do mundo por todos os planos em marcha para acelerar a alfabetização dos povos. Porque esta alfabetização é modelação do homem pela cultura moderna, quer dizer, por uma cultura virtualmente ateísta. A ateização do homem há de determinar como efeito próprio, um processo acelerado da degradação moral da humanidade, a que, em grau extremo, se manifesta pela delinquência em geral, e pela delinquência infantil em particular... O homem moderno encontra-se destroçado em sua realidade de cristão, de homem, de animal. Se encontra sob o terror permanente. É um ser degradado em um desamparo total”.


Padre Julio MEINVIELLE.  La Iglesia y el mundo moderno: el progresismo en Congar y otros teologos recientes, Buenos Aires: Ediciones Theoria, 1965. p. 180-182.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

AFASTARAM CRISTO DAS LEIS, DAS ESCOLAS...


UMA CIVILIZAÇÃO NÃO PODE DURAR SEM ELITES VERDADEIRAS

Marcel de Corte (1905-1994)

 Já não se preocupam as famílias com a formação do caráter e dos costumes de seus rebentos: ou elas lhes buscam estabilidade e segurança, em lugar de insuflar a vitalidade que lhes permitiria chantar-se no real e traçar o próprio caminho na vida, ou então os abandonam sem guias ou apoio, o que dá no mesmo: ante o temor supersticioso do futuro, procuram salvaguarda, proteção e defesa contra os riscos e os golpes da fortuna. Não há como ser diferente numa sociedade privada de modelos e de elites que os encarnem. Para os adolescentes desvitalizados, o diploma aparece como a única saída, porque ele é o caminho mais fácil, não obstante o peso dos programas. Eles não dão a menor importância – e como poderiam? – aos fatores essenciais à vida: o caráter, a retidão da vontade, a honra, o dever, o senso moral e estético, etc., mas julgam somente a inteligência formal – o diploma é que faz o homem.
Segue-se que a sociedade moderna se inclina, sob a força desse peso, para o mandarinato. A idolatria do pergaminho é sinal indubitável da perda da invenção. Já que não existe a fonte de renovação que é o exemplo, perde-se a faculdade da retomada. Não suscitam mais êmulos os santos, os gênios e os heróis, e os “grandes homens” não passam de criações aventadas pela publicidade. Apesar desse turbilhão, a sociedade moderna tende à estagnação.

A conclusão a que chegamos, após análise tão alongada, será breve e clara: uma civilização não pode durar sem elites verdadeiras. É preciso que a sociedade as recupere, caso não queira submergir na barbárie. Diante dos olhos evidencia-se o inventário dos recursos – se ao menos nós o consultássemos! – em sua trágica antítese: por um lado, imensos meios de realização e técnica incomparável, conhecimento de detalhes elevado ao infinito; por outro, a ausência quase total da finalidade humana, o silêncio prodigioso sobre a questão fundamental: “para onde vamos?”, a derrocada do sentido de convergência. A saúde ameaçada da civilização depende da solução que daremos ao problema da rearticulação entre os meios e os fins. Ninguém duvida da dificuldade da solução; à primeira vista, o obscurecimento dos modelos vivos torna-a impossível. Por que é tecnicamente desenvolvida e humanamente atrofiada, perecerá a civilização?  De fato, isso não é nada. Se a grande cadeia dos modelos intermediários – os santos, os gênios e os heróis – perdeu o poder de atração, nos sobram nas extremidades dessa corrente dois tipos que ainda guardam o valor de exemplo: o Verbo Encarnado e o pai e a mãe de família. No cristianismo e no lar ainda se encontram inalteráveis os exemplos vivos da vida total. Nosso destino está preso à persistência dessa conjugação. Demais, a família cristã é o único lugar da terra onde ainda é possível, se quisermos, manter a elite. Se quisermos! Está tudo aí... Devem pai e mãe se comportar de tal maneira que os filhos possam admirá-los, aprová-los, imitá-los e descobrir neles os modelos de homem e cristão e os exemplos vivos de finalidade natural e sobrenatural; a subordinação dos meios aos fins reduz-se a um jogo quando se encarna lúcida e voluntariamente.
Destarte, pelo contágio do exemplo, hão de nascer elites novas, humildes, sólidas e verazes – no segredo do coração em oração perpétua, no segredo do lar de lume brilhante.


Marcel de CORTE. L'homme contre lui-même. Éd. de Paris, 2005; pp. 107-137.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

LIVRE ARBÍTRIO E DESTINO DO HOMEM

O homem tem a possibilidade de comportar-se ou não conforme a verdade a respeito da qual Cristo veio dar testemunho e que é o título de sua realeza: “Eu sou Rei. Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, para dar testemunho da Verdade” (João, XIX, 37). Pode ou não acatar esse império; nisso consiste seu livre arbítrio. Mas como a razão de ser da existência humana é o reconhecimento da verdade pela inteligência e a consecutiva pratica do bem pela vontade, pois não somos juízes do que é verdadeiro e do que é bom, senão que a verdade e o bem são nossos juízes, naquela decisão de seu livre arbítrio joga o homem seu destino.

Tomás D. CASARES. Caridad y Orden Civil: sobre la responsabilidad social de los católicos y la virtude teologal de la Caridad, Revista Mikel: Revista del Seminario de Paraná [província de Entre Rios, República da Argentina], Ano III, n. 08, segundo semestre de 1975, p. 31.

                                                 Tomás Dario CASARES (1895 - 1976)

UM AUTÊNTICO PROGRESSO

A tradição ensinou que um autêntico progresso, no sentido religioso do termo, é sempre pessoal. Ninguém alcança uma plenitude ou uma perfeição qualquer se não se esforça para consegui-la mediante a assunção responsável de suas obrigações espirituais. A própria Graça santificante opera sua faina transfiguradora com a ajuda meritória das virtudes naturais e só progride em um terreno que sabe acolhe-la para fazê-la frutificar. Para que a revolução ideológica cumpra o seu papel na destruição sistemática de todos os valores teonômicos, haverá de convencer os homens de que o verdadeiro progresso é o resultado de uma conquista a nível de massas, de coletividades, não de pessoas.  Desse modo se dissolvem todas as excelências e ao abandonar-nos aos impulsos do homem genérico perdemos para sempre a possibilidade de livrarmo-nos do erro, do pecado e da miséria nessa sociedade de pessoas, no sentido mais cabal do termo, que é a Igreja Triunfante.

Ruben CALDERÓN BOUCHET.  La Arcilla: Origen de la mentalidad ideológica, Revista Fuego y Raya, nº 5, 2013, pp. 171-172.
            Ruben CALDERÓN BOUCHET (1918 – 2012)

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

ASSIM É A VIDA...

Así, pobre alma débil, es la vida.
¡No te puedes quejar de no saberlo!
¡Tiempo no te faltó de conocerlo, 
con tanto golpe y tanta sacudida!

Pues la filosofía y sus razones 
calmar intentan tu dolor en vano,
y el que dan los amigos corazones
es consuelo falaz; al fin, humano.
Y vas cieguita y dando tropezones,
sin que nadie te lleve de la mano...

___
Padre Leonardo CASTELLANI. En Las muertes del Padre Metri.

VIVEMOS NO VENTRE CEGO DE UMA ADMINISTRAÇÃO

Vivemos no ventre cego de uma administração. Uma administração é uma maquina. Quanto mais perfeita é uma administração, mais ela elimina o arbítrio humano. Numa administração perfeita, onde o homem desempenha o papel de uma engrenagem, a preguiça, a desonestidade, a injustiça já não podem causar estragos.
Mas, assim como a maquina é construída para administrar uma sucessão de movimentos previstos de uma vez para sempre, também a administração não cria mais do que isso. Limita-se a gerir. Aplica tal sanção a tal falta, tal solução a tal problema. Uma administração não está montada para resolver problemas novos. Se numa máquina de embutir introduzirmos bocados de madeira, nem por isso sairão móveis. Para que a máquina se adaptasse seria preciso que um homem dispusesse do direito de intervir. Mas, numa administração, montada para remediar os inconvenientes do arbítrio humano, as engrenagens recusam a intervenção do homem. Recusam o relojoeiro.


Antoine de SAINT-EXUPÉRY. Piloto de Guerra, Lisboa: Editorial Aster, 7. ed., p. 77-78.

O DIREITO COMO PRIVILÉGIO

Um homem sem deveres para com Deus e com seus semelhantes não se coloca mais na situação de sujeito de direito e não os pode invocá-los: são os deveres que ligam um homem aos outros homens e que sustentam uma sociedade, começando pela família. Sem deveres e apenas com direitos, o homem se “libera” a respeito de tudo e de todos; vive escondido em meio aos outros. Hoje vivemos em um contexto social no qual se reclamam todos os direitos, até os mais absurdos, e em que não pode pronunciar, ao contrário, a palavra dever, como se essa fosse uma blasfêmia e um intolerável atropelo à liberdade pessoal.


Michele FEDERICO SCIACCA. El derecho como privilegio: igualitarismo y sociedad injusta, Revista Verbo, Madri, P. 618.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

A DEGRADAÇÃO DO HOMEM E A CONSTRUÇÃO DE UMA PODEROSA BABEL...

Um povo, ou mesmo uma civilização, pode conhecer um desenvolvimento tal das forças do mal que lhe adjudique uma especial significação de perversidade... Tal é a condição do que se chama "mundo moderno", "civilização moderna", "cultura moderna", "filosofia moderna”, em que o "moderno" não encerra uma conotação puramente cronológica, mas valorativa, e que se refere a um processo determinado que tem lugar nessa civilização. A civilização que se desenvolve na história hoje, e que começou a aproximadamente cinco séculos, não guarda uma continuidade homogênea com a civilização anterior. Há sim uma continuidade cronológica, mas não valorativa. A civilização anterior se propunha, basicamente, à criação do homem cristão, é dizer, de um homem para o qual os valores referentes à vida eterna, cujo depósito se encontra na Igreja, eram o que importava. A civilização se ocupava dos bens terrestres do homem, mas de forma tal que reconhecia publicamente a ordem de valores dos bens eternos, de cujo cuidado direto se ocupava a Igreja. Mas ela, essa civilização, em sua política, em sua economia, em sua filosofia, em sua cultura, em sua arte, favorecia a criação de um homem "cristão". Era uma civilização mundana - com toda ambiguidade que acarreta esse vocábulo, e ainda com a pendente ao mal que ele caracteriza -, mas uma civilização mundana que reconhecia publicamente outros valores transcendentes superiores, a cujo serviço devia de alguma colocar-se. Uma civilização orientada para o divino e o eterno do homem, donde, por conseguinte, a Igreja, cuja razão de ser é precisamente este aspecto do homem, era reconhecida como valor supremo de todos os valores. Nos alvores do mundo moderno, a civilização deixar de mirar para o eterno, o divino, o sobrenatural, do homem, para concentrar-se no puramente humano. Já não põe o acento no "sobrenatural", mas no "natural", no "humano". E toda a vida, na filosofia, nas artes, na política, na economia, rebaixa de uma escola de valores que se orientava para o sobrenatural, a uma escala de valores orientada ao puramente natural. Aparece o Humanismo; desponta o laicismo da política e da vida; se rompe na vida pública das nações o reconhecimento da Igreja como sociedade publica sobrenatural. E esta ruptura da ordem pública que deixa de render à Igreja a homenagem que lhe corresponde como Sacramento de Saúde do homem há de significar ao mesmo tempo a ereção de outra civilização orientada para o humanismo, racionalismo, naturalismo, em que só se tenham em conta os valores naturais do homem. A civilização moderna deve ser entendida como uma tomada de posição história frente à civilização cristã, a que tenta suplantar. Representa outra concepção do homem, com outra escala de valores. Mas esta escala de valores significa, por sua vez, um valor mais baixo que aquele que é substituído. O divino é substituído pelo humano. Há, pois, uma degradação. Mas uma degradação sumamente perigosa. Porque precisamente a teologia da graça ensina que o homem não pode guardar a lei moral natural em sua integridade e de maneira conveniente, senão com o auxílio do sobrenatural. Uma civilização que nega ou simplesmente ignora a graça, não pode manter-se por muito tempo no plano humano, e há de ir rebaixando para condições infra-humanas. É o caso da civilização moderna, que do naturalismo, do racionalismo, do humanismo em que se desenvolve durante os séculos XVI, XVII e XVIII, vai baixando à um economismo, ou animalismo, próprio do século XIX. O homem já não busca a dignidade humana que procuram a política, a filosofia ou a cultura das letras, mas a abundancia das riquezas. A preocupação "econômica" vem a orientar a vida do homem como se este fosse só um animal confortável. E o ideal humano já não é, não digamos o santo, mas nem sequer o herói; agora o é o burguês. O capitalismo rege a vida das nações. Mas aqui tampouco pode o homem manter-se. A degradação há de continuar. O burguês buscava a riqueza, o bem-estar puramente material, o econômico. Ao proletário lhe dá sentido não o bem-estar, mas "o trabalho". O comunismo centra toda a civilização em torno do trabalho. O homem foi feito para trabalhar. É um instrumento produtivo. Não já um animal, no que pretendia converter-lhe o capitalismo, mas algo mais baixo, um puro instrumento de produção. O homem hoje, depois de um processo de degradação que leva cinco séculos, encontra-se em estado de impotência frente à "vida pública" que lhe pressiona por todas as partes e lhe empurra para situações cada vez mais degradantes. Falamos do empurre da "vida pública” sobre o homem individual.
A "vida pública", com seu "ideário religioso", com sua "filosofia da contradição", com sua política de mentiras, com sua economia agobiadora, com sua publicidade e reclame de reflexos condicionados; uma "vida pública" que persegue com seu poderoso aparato tecnocrático a cada indivíduo, que foi quebrado anteriormente em suas estruturas morais e psíquicas. O mudo que opera sobre o homem, longe de ser o mundo da criação, do pecado e da redenção, de que falávamos antes, é um mundo-máquina que se apresenta ante o indivíduo como um poderoso aparato triturador. O homem é presa de uma engrenagem que se apodera dele, o envolve em suas malhas e o faz circular em suas bobinas. Depois da etapa de degradação que se prolonga durante cinco séculos, se inicia, com este resíduo degradado que é o homem moderno, outra etapa de domesticação tecnocrática, na que se visa usar o homem para a construção de uma enorme e poderosa Babel. O homem, privado do gozo de Deus, do gozo da reflexão humana, do gozo do prazer animal e convertido em simples peça para a Construção de uma poderosa Babel.


Padre Julio MEINVIELLE. La Iglesia y el Mundo Moderno: el progresismo en Congar y otros teólogos recientes, Buenos Aires: Ediciones Theoria, 1965, p. 79-82.

SOCIEDADE DO CONFORTO

Em suma, este mundo não quer outra coisa senão o conforto. E o quer custe o que custar e, para enganar-se a si mesmo e aos demais, declara que esse conforto é precisamente a justiça.


George BERNANOS. Carta de abril de 1946 publicada por la “Societé des Amis de Georges Bernanos”, París, junio de 1950.


O LEVIATÃ TOTALITÁRIO

Se nossa sociedade ocidental conserva ainda uma porção apreciável de valores humanos, é devido ao fato de que ainda subsiste a liberdade e a solidez de costumes forjados através de séculos. Mas esse patrimônio civilizacional se desmorona rapidamente e a obsessão igualitária, a par do progresso tecnológico, nos conduz insensivelmente para este ‘definitivo e perfeito formigueiro’ que anunciou Paul Valéry... Quem não é consciente de que a multiplicação das disposições legislativas dirigidas ao aumento da igualdade e da segurança engendra perpetuamente novas desigualdades e uma insegurança nova? Todos temem o Leviatã totalitário que nivelaria as pessoas pela escravidão e nos obrigaria a trabalhar para a instauração do seu domínio universal.
 

Louis SALLERON. Justiça e política. Existe um nível ótimo de igualdade?, Revista Itineraires (França), n. 155, julho-agosto de 1974. 

UMA LIÇÃO DE PIO XII

“Em não poucos países, o Estado moderno vai convertendo-se em uma gigantesca máquina administrativa: toda a escala dos setores político, economico, social, intelectual, até o nascimento e a morte, quer converter em matéria de sua administração. Nada de maravilhar, portanto, se neste ambiente de impessoalidade, que tende a penetrar e envolver toda a vida, o sentido do bem comum se adormeça nas consciências dos indivíduos, e o Estado perca, cada vez mais, o primordial caráter de uma comunidade moral de cidadãos”.


Pio XII. Mensagem radiofônica de Natal, 1953.

QUANDO O PODER DO ESTADO FOR ABSOLUTO...

A sociedade em que vivemos está minada de incongruências, de tentativas de amalgamar posturas que se excluem mutuamente, de conciliar o impossível. Tentativas que vêm de séculos atrás, fruto dos quais tem sido o sacrifício paulatino e constante da liberdade e da justiça ante um estatismo crescente. Quando o Direito se converte em norma emanada do poder do Estado, sem possibilidade de outra fonte e dependendo tal norma unicamente da própria vontade do Estado, a justiça desaparece a não ser que se admita como tal qualquer normatividade estatal por mais monstruosa que pareça, até mesmo as disposições raciais nazis e as deportações em massa de Stalin. Como consequência, a liberdade também desaparece à medida que se sucedem umas a outras as disposições do poder político, reduzindo-se mais e mais o campo do agir humano conforme aumenta o do Estado, ficando finalmente reduzido àquilo que o Estado lhe permite, baseado unicamente na própria vontade estatal, com independência do campo de ação que corresponde ao homem enquanto pessoa individual e social. Em definitivo, a sociedade, como rede de relações entre seus diversos membros e grupos, relações variadíssimas, que respondem à cotidiana e pluriforme vida scial, acaba por morrer aniquilada pelo peso do poder estatal, quer seja por aprisioná-la, quer seja por suprimi-la.. Relações que obedecem à sociabilidade do homem, e que correspondem à organização social em grupos ou corpos intermediários entre o homem o Estado, em que se plasma o uso de liberdades concretas. Quando o poder do Estado se acrescenta diminui o da sociedade, o das pessoas individuais e o dos grupos que a formam. Quando o poder do Estado for absoluto, o da sociedade será nulo. Recordemos que o Império Romano caiu pelo poder absoluto do Estado, segundo relata Rostovtzeff, ou como assinalou Gonzague de Reynold, porque o “país legal” arruinou o “país real”.


Estanislao CANTERO. Estatismo y Libertad: libertade de prensa y liberdad de enseñanza. Revista “El Pensamiento Navarro”, 12 de outubro de 1974.