Marcel de Corte (1905-1994)
Já não se preocupam as famílias com a
formação do caráter e dos costumes de seus rebentos: ou elas lhes buscam
estabilidade e segurança, em lugar de insuflar a vitalidade que lhes permitiria
chantar-se no real e traçar o próprio caminho na vida, ou então os abandonam
sem guias ou apoio, o que dá no mesmo: ante o temor supersticioso do futuro,
procuram salvaguarda, proteção e defesa contra os riscos e os golpes da
fortuna. Não há como ser diferente numa sociedade privada de modelos e de
elites que os encarnem. Para os adolescentes desvitalizados, o diploma aparece
como a única saída, porque ele é o caminho mais fácil, não obstante o peso dos
programas. Eles não dão a menor importância – e como poderiam? – aos fatores
essenciais à vida: o caráter, a retidão da vontade, a honra, o dever, o senso
moral e estético, etc., mas julgam somente a inteligência formal – o diploma é
que faz o homem.
Segue-se que a sociedade moderna se
inclina, sob a força desse peso, para o mandarinato. A idolatria do pergaminho
é sinal indubitável da perda da invenção. Já que não existe a fonte de
renovação que é o exemplo, perde-se a faculdade da retomada. Não suscitam mais
êmulos os santos, os gênios e os heróis, e os “grandes homens” não passam de
criações aventadas pela publicidade. Apesar desse turbilhão, a sociedade
moderna tende à estagnação.
A conclusão a que chegamos, após
análise tão alongada, será breve e clara: uma civilização não pode durar sem
elites verdadeiras. É preciso que a sociedade as recupere, caso não queira
submergir na barbárie. Diante dos olhos evidencia-se o inventário dos recursos
– se ao menos nós o consultássemos! – em sua trágica antítese: por um lado,
imensos meios de realização e técnica incomparável, conhecimento de detalhes
elevado ao infinito; por outro, a ausência quase total da finalidade humana, o
silêncio prodigioso sobre a questão fundamental: “para onde vamos?”, a
derrocada do sentido de convergência. A saúde ameaçada da civilização depende
da solução que daremos ao problema da rearticulação entre os meios e os fins.
Ninguém duvida da dificuldade da solução; à primeira vista, o obscurecimento
dos modelos vivos torna-a impossível. Por que é tecnicamente desenvolvida e
humanamente atrofiada, perecerá a civilização?
De fato, isso não é nada. Se a grande cadeia dos modelos intermediários
– os santos, os gênios e os heróis – perdeu o poder de atração, nos sobram nas
extremidades dessa corrente dois tipos que ainda guardam o valor de exemplo: o
Verbo Encarnado e o pai e a mãe de família. No cristianismo e no lar ainda se
encontram inalteráveis os exemplos vivos da vida total. Nosso destino está
preso à persistência dessa conjugação. Demais, a família cristã é o único lugar
da terra onde ainda é possível, se quisermos, manter a elite. Se quisermos!
Está tudo aí... Devem pai e mãe se comportar de tal maneira que os filhos
possam admirá-los, aprová-los, imitá-los e descobrir neles os modelos de homem
e cristão e os exemplos vivos de finalidade natural e sobrenatural; a
subordinação dos meios aos fins reduz-se a um jogo quando se encarna lúcida e
voluntariamente.
Destarte, pelo contágio do exemplo, hão
de nascer elites novas, humildes, sólidas e verazes – no segredo do coração em
oração perpétua, no segredo do lar de lume brilhante.
Marcel de CORTE. L'homme contre
lui-même. Éd. de Paris, 2005; pp. 107-137.
Nenhum comentário:
Postar um comentário