Tasso da Silveira (1895-1968)
Não me sinto à altura para tentar em algumas linhas mostrar quem foi e o que representou e
ainda representa a figura emblemática de Tasso da SILVEIRA na cultura
brasileira. Como era de se esperar, um longo eclipse paira sobre a imagem,
sobre a obra e ideal do autor de "Canto
Absoluto", não obstante o esforço pujante deste destemido editor que é
Gumercindo Rocha Dórea (que fora por longa data amigo de Tasso) que
recentemente, em 2003, com a contribuição da Academia Brasileira de Letras na
pessoa de seu então presidente Alberto da Costa e Silva, editou o livro "Tasso da Silveira – Poemas"
com organização e seleção de Ildásio Tavares.
Em outra
oportunidade, se assim Deus aprouver, abordarei com mais detalhes as diversas
facetas do pensamento e do homem Tasso da Silveira que, Joaquim Ribeiro definiu
como "Poeta de feições
monásticas".
"...este artista representa um fantasma, quase
insuportável, apavorando, castigando a maioria das nossas consciências
individuais. (...) este artista apresenta a imagem quase brutal, em nosso meio,
da coerência, da probidade silenciosa, do respeito para com seus ideais". (Mario de Andrade)
"Todos os seus poemas, toda essa poesia escrita sem
solenidade, encontra aqui sua única razão de ser. Tentar remissão para a
humanidade, e, através da remissão conseguida, reintroduzir na terra a
inocência perdida" (Adonias Filho).
****
Dos passos evangélicos
iluminados pela presença da Virgem, sem dúvida o da Anunciação e o do Calvário
se revestem de mais transcendente e misterioso sentido; mas o de mais
tranquilizante e jubilosa significação para a nossa fraqueza humana e para
nossa necessidade de amparo é o das bodas de Caná.
Ainda em meio da festa
nupcial, a Virgem repara que se esgotou a bebida capitosa que faz a alegria das
festas. E num interesse comovente, puramente humano, que, por assim dizer, a
Jesus não ocorreria, disse Ela ao divino Filho: "Eles não têm mais
vinho".
Jesus entende a sugestão
delicada. Mas é com severidade e se diria até com uma ponta de irritação que
responde: "Mulher, que há entre mim e ti? Ainda não chegou a minha
hora!..."
Que podemos compreender por
estas expressões?
Que desde toda a eternidade
estava marcado o momento preciso em que o Salvador deveria abertamente
mostrar-se aos homens como Deus, operando milagres. E o momento marcado não era
aquele das bodas. O pedido da Virgem era ordem de mãe e foi assim que Jesus o
entendeu. Mas vinha, essa ordem, alterar toda a economia dos eternos desígnios.
Daí aquela severidade
irritada.
Não obstante isso tudo, a
Virgem não perdeu sua confiante serenidade, e sem retrucar ao Filho disse de
manso aos servos: "Fazei tudo que ele vos disser".
Com que ouvidos de mistério
teria ouvido Jesus estas palavras que significavam a ordem reiterada, apesar do
que Ele havia dito, e com que olhos de mistério teria visto os servos
obedecerem ao que mandara a Senhora! Seja como for, também não discutiu nem
insistiu: transformou a água em vinho.
Neste passo, mais que em
qualquer outro, é que podemos perceber o poder intercessório da Virgem. No fim
de contas Ela alcançou, nesse momento, falando do fundo de sua humanidade
humílima, mas também do alto de sua autoridade de mãe de Deus, modificar a
vontade absoluta do próprio Deus. Não sei se nos livros sagrados há referência
a outro qualquer acontecimento dessa ordem.
Nas bodas de Caná o fato se
verifica irrecusavelmente.
Assim, que é a Virgem sagrada
para nós?
Em primeiro lugar, a muito
humana, a humaníssima, capaz de compreender nossa mais pobre queixa, nosso mais
ingênuo pedido, uma vez que não envolva impureza e soberbia. Em segundo lugar,
a que tudo pode junto do Filho eterno em favor nosso, a ponto de, se for
preciso, quebrar, para atender-nos, o quadro das determinações absoluta da
divindade.
Tasso DA SILVEIRA. in
"Diálogo com as raízes – Jornal de fim de caminhada", fragmento
datado de 28.4.1955.
Nenhum comentário:
Postar um comentário