Realmente, está em
grave crise a cultura e a civilização ocidental. E tal crise é vista por dois ângulos
opostos pelo vértice. Alguns, descobrindo os defeitos e as misérias que o
pecado original e os pecados e os erros dos homens sobre ele acumularam, põem a
tônica nesses erros, agravam-nos, e tudo englobam neles, advogando então a destruição
total... Sem sequer darem sinal de pensar numa instauratio magna abi mis fundamentis. Ao que tudo indica, são
niilistas. Outros, de semelhante estirpe, querem substituir a precária ordem
atual por uma “nova”, de presidiários do Estado Onipotente e Omnisciente.
Tais outros,
reconhecendo as excelências da longa elaboração, salientando os momentos altos
do grande legado, denunciam também a crise, analisando e apontando as primeiras
fissuras, os rombos e depois as rupturas.
É o trabalho de um
Maritain, em Trois Réformateurs, de
um Etienne Gilson, em Les Métamorphoses
de la Cité de Dieu, de um Leonel Franca, em A Crise do Mundo Moderno, de Gustavo Corção, em Dois Amores, Duas Cidades. Esses não querem
negar nem renegar. Querem salvar o patrimônio ameaçado. Esses homens sabem que
a cultura ocidental tem coisas de altíssimo valor, no domínio do pensamento,
das ciências matemáticas e naturais, puras ou aplicadas, no domínio do Belo,
letras, música, artes plásticas. Chamaram atenção para os erros acumulados, as
suas consequências, os venenos instilados, e mostram que isso pode levar à
morte, que eles não desejam. Querem, sim, salvar ou restaurar o que é bom, espancar
as trevas, corrigir os desvios, sonhando assim, anelando assim por uma cidade
terrena que não ponha pesados obstáculos ao caminho para a cidade celeste. Eles
acreditam na grande do homem, acreditam na verdade e no bem. Mas sabem que esse
frágil “espirito em condição carnal” sofre a ação da gravidade, recebe e aceita
convites do abismo, e não raro cede à ação e ao convite. Não são ingênuos otimistas,
nem amargos pessimistas. Acreditam no homem, repito, batem calorosas palmas ao
que a humanidade tem feito de bom, sobretudo neste Ocidente, mas clamam, mas
apontam os demolidores, mas anatematizam os enviados ou inspirados ou sequazes
do Pai da Mentira.
Gladstone CHAVES DE MELO (1917-2001). Origem, formação e aspectos da cultura
brasileira, Centro do Livro Brasileiro, 1974, pp. 264-265.
Nenhum comentário:
Postar um comentário