quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL E SEUS DEMOLIDORES

Realmente, está em grave crise a cultura e a civilização ocidental. E tal crise é vista por dois ângulos opostos pelo vértice. Alguns, descobrindo os defeitos e as misérias que o pecado original e os pecados e os erros dos homens sobre ele acumularam, põem a tônica nesses erros, agravam-nos, e tudo englobam neles, advogando então a destruição total... Sem sequer darem sinal de pensar numa instauratio magna abi mis fundamentis. Ao que tudo indica, são niilistas. Outros, de semelhante estirpe, querem substituir a precária ordem atual por uma “nova”, de presidiários do Estado Onipotente e Omnisciente.
Tais outros, reconhecendo as excelências da longa elaboração, salientando os momentos altos do grande legado, denunciam também a crise, analisando e apontando as primeiras fissuras, os rombos e depois as rupturas.
É o trabalho de um Maritain, em Trois Réformateurs, de um Etienne Gilson, em Les Métamorphoses de la Cité de Dieu, de um Leonel Franca, em A Crise do Mundo Moderno, de Gustavo Corção, em Dois Amores, Duas Cidades. Esses não querem negar nem renegar. Querem salvar o patrimônio ameaçado. Esses homens sabem que a cultura ocidental tem coisas de altíssimo valor, no domínio do pensamento, das ciências matemáticas e naturais, puras ou aplicadas, no domínio do Belo, letras, música, artes plásticas. Chamaram atenção para os erros acumulados, as suas consequências, os venenos instilados, e mostram que isso pode levar à morte, que eles não desejam. Querem, sim, salvar ou restaurar o que é bom, espancar as trevas, corrigir os desvios, sonhando assim, anelando assim por uma cidade terrena que não ponha pesados obstáculos ao caminho para a cidade celeste. Eles acreditam na grande do homem, acreditam na verdade e no bem. Mas sabem que esse frágil “espirito em condição carnal” sofre a ação da gravidade, recebe e aceita convites do abismo, e não raro cede à ação e ao convite. Não são ingênuos otimistas, nem amargos pessimistas. Acreditam no homem, repito, batem calorosas palmas ao que a humanidade tem feito de bom, sobretudo neste Ocidente, mas clamam, mas apontam os demolidores, mas anatematizam os enviados ou inspirados ou sequazes do Pai da Mentira.


Gladstone CHAVES DE MELO (1917-2001). Origem, formação e aspectos da cultura brasileira, Centro do Livro Brasileiro, 1974, pp. 264-265.  


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