segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

O HOMEM É UM DEVEDOR INSOLVENTE

É curioso, mas o homem é um ser essencialmente instável. Foi feito para transcender-se, têm a vocação da transcendência. Não pode reduzir-se a permanecer nos limites de um humanismo enclausurado em si mesmo: ou se transcende elevando-se, ou se transcende degradando-se; ou se transcende para cima ou se transcende para baixo. Segundo Scheler, o núcleo substancial do homem se concentra neste impulso, nesta tendência espiritual de transcender-se. Thibon já o havia expresso ao seu modo: “O homem só se realiza superando-se; não chega a ser ele mesmo senão quando ultrapassa seus limites. E, a dizer a verdade, não tem limites, mas pode, segundo se lhe abra ou feche a porta a Deus, dilatar-se até o infinito ou reduzir-se até o nada”. Estranho esse traço do homem. Ou se eleva endeusando-se, como fizeram os santos, ou se degrada animalizando-se, como o filho prodigo que, após renunciar sua filiação enobrecedora, acabou apascentando cerdos. A decisão é intransferível, pessoal. Sempre nos repugnou aquela expressão: “cada um deve aceitar-se como é”. Os arquétipos e modelos se propõem à nossa consideração precisamente para que não nos aceitemos como somos, mas para que nos decidamos a transcender-nos. “Somos viajantes em busca da pátria – dizia Hello -, temos que elevar os olhos para reconhecer o caminho”. Conta Cervantes que os rústicos que escutavam o Quixote nos comércios terminavam arrebatados por seu discurso. É que aquelas palavras ardentes lhes permitiam reencontrar-se com o melhor deles mesmos, elevando seus corações acima da trivialidade cotidiana.
A existência do banal – disse Heidegger – é feita de abdicação e termina no tédio e na angustia, exigindo algo mais que o preencha e sacie. Foi Deus quem colocou em nós essa atração para o sublime, essa necessidade ontológica de nos superar, de ser distintos e melhores do que somos, esse anseio de quebrar o círculo estreito das apetências menores. Somente tendendo ao superior, chegamos a ser autenticamente nós mesmos; somente acendendo à atração das alturas, saímos de nossa subjetividade e nos tornamos capazes de pôr nossa vida ao serviço de Deus e dos demais.
A Declaração dos Direitos do Homem, tal como brotou do espirito da Revolução Francesa, contribuiu para criar nos homens uma consciência de credores exigentes, eclipsando a recordação da grande dívida de serviço que sobre todos pesa.


P. Alfredo SAÉNZ, S. J. Arquetipos cristianos, Pamplona: Fundación Gratis Date, 2005, p. 04.
                                      R.P Alfredo Saénz S.J

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