É curioso, mas o homem é um ser
essencialmente instável. Foi feito para transcender-se, têm a vocação da transcendência.
Não pode reduzir-se a permanecer nos limites de um humanismo enclausurado em si
mesmo: ou se transcende elevando-se, ou se transcende degradando-se; ou se
transcende para cima ou se transcende para baixo. Segundo Scheler, o núcleo
substancial do homem se concentra neste impulso, nesta tendência espiritual de transcender-se.
Thibon já o havia expresso ao seu modo: “O
homem só se realiza superando-se; não chega a ser ele mesmo senão quando
ultrapassa seus limites. E, a dizer a verdade, não tem limites, mas pode,
segundo se lhe abra ou feche a porta a Deus, dilatar-se até o infinito ou
reduzir-se até o nada”. Estranho esse traço do homem. Ou se eleva
endeusando-se, como fizeram os santos, ou se degrada animalizando-se, como o
filho prodigo que, após renunciar sua filiação enobrecedora, acabou
apascentando cerdos. A decisão é intransferível, pessoal. Sempre nos repugnou
aquela expressão: “cada um deve
aceitar-se como é”. Os arquétipos e modelos se propõem à nossa consideração
precisamente para que não nos aceitemos como somos, mas para que nos decidamos a
transcender-nos. “Somos viajantes em busca
da pátria – dizia Hello -, temos que elevar os olhos para reconhecer o caminho”.
Conta Cervantes que os rústicos que escutavam o Quixote nos comércios terminavam
arrebatados por seu discurso. É que aquelas palavras ardentes lhes permitiam
reencontrar-se com o melhor deles mesmos, elevando seus corações acima da
trivialidade cotidiana.
A existência do banal – disse Heidegger
– é feita de abdicação e termina no tédio e na angustia, exigindo algo mais que o preencha e sacie. Foi Deus quem colocou em nós essa atração para o sublime,
essa necessidade ontológica de nos superar, de ser distintos e melhores do que
somos, esse anseio de quebrar o círculo estreito das apetências menores. Somente
tendendo ao superior, chegamos a ser autenticamente nós mesmos; somente
acendendo à atração das alturas, saímos de nossa subjetividade e nos tornamos
capazes de pôr nossa vida ao serviço de Deus e dos demais.
A Declaração dos Direitos do
Homem, tal como brotou do espirito da Revolução Francesa, contribuiu para criar
nos homens uma consciência de credores exigentes, eclipsando a recordação da grande
dívida de serviço que sobre todos pesa.
P. Alfredo SAÉNZ,
S. J. Arquetipos cristianos, Pamplona: Fundación Gratis Date, 2005,
p. 04.
R.P Alfredo Saénz S.J
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