A cultura moderna foi perdendo gradualmente o sentido da
ordem à medida que a filosofia foi se desvinculando da realidade cotidiana
para refugiar-se em um jogo mental, sem contato com as coisas concretas. Como
consequência desse processo histórico, o homem foi substituindo os dados
naturais da experiência pelas construções da razão e da imaginação.
As
negações modernas da ordem
Surgiram, assim, nos últimos dois séculos, diversas
doutrinas, as vezes opostas entre si, mas cujo denominador comum consiste na
negação de uma ordem natural.
O materialismo positivista, o relativismo, o
existencialismo, coincidem em negar a regularidade, a constância, a permanência
da realidade, em particular, a existência de uma natureza humana e de uma ordem
natural que sirvam de fundamento para as normas morais e para as relações
sociais.
O materialismo positivista sustenta que todo o universo,
tanto físico como humano, é constituído por um único princípio que é a matéria.
Afirma que a matéria está em movimento e trata de justificar a variedade de
seres de toda espécie que existem em nosso planeta dizendo que as diversas
partículas materiais vão mudando de lugar e se associam como consequência de
forças mecânicas, que iriam se combinando por um acaso gigantesco. O acaso
cósmico é erigido para poder negar a existência de Deus e sua inteligência
ordenadora do mundo.
Por sua vez, a corrente relativista nega a existência de
toda realidade permanente. Apoiando-se na experiência da mudança, das variações
que se dão tanto na realidade física como na humana, o relativismo, nega toda
verdade transcendente e todo valor moral universal. Em semelhante concepção todo conhecimento,
toda norma ética, toda estrutura social, são relativos a um tempo dado e um
lugar determinado, mas perdem toda vigência em outros casos. Tudo muda, tudo se
transforma incessantemente, sem que se possa falar de uma ordem essencial.
De modo semelhante ao relativismo, a corrente
existencialista enfatiza a contingencia, nas incessantes variações que afetam a
condição humana. O homem carece de natureza – proclama o existencialista ateu
Jean-Paul Sartre – e ao não ter natureza, tampouco existe um Autor da natureza,
quer dizer, Deus (ver L’existencialisme est un humanisme, ed. Nagel, París,
1968, p. 22). Em consequência, o homem constrói a si mesmo através de sua
liberdade; é o mero “projeto de sua liberdade”, carece de essência e só existe
em um mundo absurdo, sem ordem nem sentido algum. Não há, portanto, outra moral
a não ser a que o indivíduo fabrica para si. O existencialismo é um
subjetivismo radical, no qual desaparece toda referência à realidade objetiva.
A
raiz do erro
Em todos estes apóstolos da mudança pela mudança, a
negação da Natureza e de sua ordem procedem de um mesmo erro fundamental. Participam
da falsa crença de que falar de “essência”, de “natureza”, de “ordem”, implica
cair em uma postura rígida, imóvel, totalmente estática. Isso é totalmente
gratuito, pois não conexão alguma entre ambas afirmações.
O problema real consiste em explicar a mudança, o
movimento. Para poder fazê-lo, devemos reconhecer que em toda transformação há
um elemento que varia e outro elemento que permanece. Se não fosse assim, não poderíamos
dizer que uma criança cresceu, que uma semente germinou em planta ou que nós
somos os mesmos desde que nascemos há 20, 30 ou 70 anos... Se nada
permanecesse, teríamos que admitir que a criança, a planta ou nós mesmos, somos
seres absolutamente diferentes daqueles. Para que haja mudança deve haver algo
que mudou, quer dizer, um sujeito da mudança. Do contrário, não haveria mudança
alguma.
A filosofia cristão opõem à estes erros uma concepção muito
distinta e conforme a experiência. Para além de toda mudança, há realidades
permanentes: a essência ou natureza de cada coisa ou ser.
A evidencia da mudança não só não suprime essa natureza mas
a pressupõem necessariamente. A experiência cotidiana nos mostra que as
pereiras dão sempre peras e não maçãs nem nós moscada, e que os olmos nunca
produzem peras. Por não se sabe que deplorável “estabilidade” as vacas sempre
têm terneiros e não girafas nem elefantes, e, o que é ainda mais escandaloso,
os terneiros têm sempre uma cabeça, uma calda e quatro patas... E quando em
alguma ocasião aparece algum com cinco patas ou com duas cabeças, o bom senso
exclama espontaneamente: “Que barbaridade, pobre animal, que defeituoso!”
Reações que não fazem senão provar que não só há natureza mas que existe uma
ordem natural. A evidencia dessa ordem universal é que nos permite distinguir o
normal do patológico, o são do enfermo, o loco do lúcido, o motor que
funcionava bem do que funciona mal, o bom pai do mal pai, a lei justa da lei
injusta.
A ciência
confirma a existência de uma ordem
O simples contato com as coisas, nos mostra, pois, que o natural existe na intimidade de cada
ser. Porque a formiga é o que é, pode caminhar, alimentar-se e defender-se como
o faz; porque o joão-de-barro é como é, pode construir seu ninho tal como faz;
porque o homem é como é naturalmente, pode pensar, sentir, amar e trabalhar
humanamente...
Mas a ciência aporta uma confirmação assombrosa à constatação
não só de que cada ser têm uma essência ou natureza, mas de que essa natureza
não é fruto do acaso, mas que possui uma Ordem,
uma hierarquia, uma harmonia que se manifesta em todos os seres e em todos os fenômenos.
A simples observação nos mostra, com efeito, que há leis naturais que regem os fenômenos físicos
e humanos. O homem sempre admirou a regularidade da marcha dos planetas, das
inumeráveis constelações; sempre se assombrou com o ritmo das estações, das
marés, da geração da vida.
Mas o progresso cientifico atual, a física e a química contemporâneas,
nos diz que uma simples molécula de proteína contém 18 aminoácidos diferentes,
dispostos em uma ordem bem estruturada.
Uma única molécula de albumina inclui dezenas de milhares
de milhões de átomos, agrupados ordenadamente em uma estrutura dissimétrica. Hoje
sabemos que um ser vivo é constituído principalmente por moléculas de proteínas
que contém entre 300 e 1.000 aminoácidos. As transformações químicas das células
são catalisadas por enzimas, que por sua vez possuem estruturas particulares.
Um só organismo unicelular possui abundantes proteínas,
além de lipídios, açucares, vitaminas, ácidos nucleicos.
Como explicar, então, à luz destas constatações, que a
estrutura intima da matéria em seus níveis mais elementares exige um
ordenamento tão perfeito, tão delicado, tão constante, para poder produzir o
mais simples dos seres vivos? Se a isso somamos a existência não de um mas de milhões
de milhões de organismos monocelulares e a complexidade pavorosa dos organismos
mais complexos, como sustentar que um acaso
cedo preside tanta maravilha?
O moderno cálculo de probabilidades prova a
impossibilidade de uma pura combinação fortuita.
Em consequência, nem o acaso cego do materialismo, nem o
relativismo, nem o subjetivismo existencialista conseguem explicar a ordem
assombrosa do cosmo físico e da vida humana.
Por outro lado, como explicar logicamente a incoerência dos
relativistas, para quem – como já apontado por Aristóteles há 25 séculos – tudo
é relativo salvo o próprio relativismo?
Carlos Alberto SACHERI. El orden natural, 6. ed. [1. ed de 1975], Buenos Aires: Vórtice, 2008, pp. 45-48.
Nenhum comentário:
Postar um comentário