quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

VIOLÊNCIA, FORTALEZA, ANTI-CONFORMISMO

Gustave Thibon (1903-2001)   

A virtude da fortaleza implica os dois traços seguintes: o domínio de si e a independência com relação às opiniões e arrebatamentos da multidão (si omnes, ego non: se todos, eu não — proclama uma velha divisa aristocrática). Ora, todos os fenômenos de violência que nós relacionamos se situam nos antípodas desse duplo ideal: seu caráter passivo e gregário salta aos olhos. Eles procedem ou dum abandono anárquico aos impulsos elementares ou (e essas duas reações são estreitamente ligadas) duma docilidade mecânica para com os movimentos da multidão, naquilo que eles têm de mais efêmero e vão. Há um parentesco profundo entre a ovelha negra e os carneiros de Panurgo. E é em função dessa dupla carência que esses seres, tão largamente abertos às modas, às ideologias e a todas as correntes da história que no fundo não levam a nada, se refugiam automaticamente no individualismo mais tacanho e cego quando se cogita das grandes questões concernentes à natureza do homem e da sociedade: a profissão, a família, a pátria, a religião. Esse jovem "insensível" que ostenta uma virilidade de fachada nos lugares de diversão vive agarrado a seus pais e se comporta como um "eunuco" diante das dificuldades da existência. Esse descabeçado que maneja o voltante com a inconsciência da criança montada num carrinho de brinquedo dá mostra da mesma fraqueza na vida real: dir-se-ia que ele enfrenta todos os riscos para melhor fugir a todas as responsabilidades. E eu não quero evocar aqueles franceses de ontem que, ajoelhados diante da Trindade do médio eleitor (carro, férias, televisão), talvez se envergonhassem de ignorar o último filme de Brigitte Bardot, mas se quedaram insensíveis diante da agonia física e moral de seus irmãos da Argélia.
  
Essa afinidade entre a violência vazia e a inconsciência frente às realidades nada tem que deva surpreender-nos. Há entre a violência e a frouxidão uma diferença de grau e não de natureza. Um pneu estufado não tem outra superioridade senão a de estar cheio de vento. E o menor acidente exterior basta para pô-lo em evidência. Assim, a violência cega e a frouxidão se revezam freqüentemente num mesmo indivíduo, conforme os humores e as circunstâncias. São Pedro comprovou à sua custa essa lei psicológica quando, após desembainhar a espada contra os servos do Sumo Sacerdote, renegou miseravelmente seu Mestre...
Toda esta conversa não deve ser interpretada como uma condenação absoluta e universal da violência sob todas as suas formas. Santo Tomás nos ensina que o exercício do "irascível" pode ser legítimo e benéfico na medida em que se obedeça à razão. Doutro lado, a virtude da fortaleza implica, em certas circunstâncias (educação das crianças, guerra justa, repressão da delinqüencia etc.) o uso da violência. A violência sadia é aquela que pomos ao serviço do bem e que dirigimos contra o mal. E, antes de tudo, contra o mal que está em nós; enquanto a violência que nós exercemos sobre os outros é freqüentemente negativa e maléfica. Não é por acaso que a expressão "violentar-se" é quase sempre entendida num sentido favorável. É por aí que se precisa começar: como poderemos nós modificar para melhor o que quer que exista no mundo e entre nossos semelhantes, se não soubermos modificar-nos a nós mesmos?
  
Tal é o "caminho da liberdade" que se abre aos jovens. Essa liberdade — tão exaltada em palavras e tão achincalhada nos fatos — não se desenvolve nem pela anarquia individual nem pelo mimetismo social, mas pelos esforços e sacrifícios que uma obediência ativa às leis eternas exige. É necessário, com efeito, mais liberdade para fazer o bem que para sucumbir ao mal, para afirmar um ideal que para ceder a um impulso. O alpinista que escala uma montanha faz a cada instante uma opção para não cair e concentra toda sua energia nesse objetivo, mas absolutamente ele não tem necessidade de opção nem de energia para deixar-se rolar no abismo.
E quanto aos jovens que apreciam a luta e o risco e que sentem borbulharem dentro de si instintos revolucionários, que eles se tranqüilizem: a solução que lhes propomos é a menos confortável. Pois no mundo em que vivemos — neste mundo que tem por regra o desregramento, em que os paradoxos se tornaram preceitos e os escândalos convenções, em que as pressões sociais funcionam no sentido da destruição da sociedade, em que as instituições repousam na violação das leis não escritas; — diante dessa ordem estabelecida que é a negação da ordem eterna, eles encontrarão facilmente a oportunidade para exercitar suas faculdades de combate, pois o anticonformismo e o respeito aos comandos imutáveis vão hoje de braços dados, e aquele que quiser obedecer à razão e a Deus encontrará mais obstáculos e se exporá a mais perigos que aquele que delira com o seu século e se ajoelha diante dos seus ídolos. Neste mundo transtornado, o combate mais duro e o maior risco estão do lado dos defensores da ordem contra o caos e da sabedoria contra a loucura.


Gustave THIBON. Juventude e violência. Publicado na Revista católica "Hora Presente", maio de 71.

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