Gustave
Thibon (1903-2001)
A virtude da fortaleza implica
os dois traços seguintes: o domínio de si e a independência com relação às
opiniões e arrebatamentos da multidão (si omnes, ego non: se todos, eu não —
proclama uma velha divisa aristocrática). Ora, todos os fenômenos de violência
que nós relacionamos se situam nos antípodas desse duplo ideal: seu caráter
passivo e gregário salta aos olhos. Eles procedem ou dum abandono anárquico aos
impulsos elementares ou (e essas duas reações são estreitamente ligadas) duma
docilidade mecânica para com os movimentos da multidão, naquilo que eles têm de
mais efêmero e vão. Há um parentesco profundo entre a ovelha negra e os
carneiros de Panurgo. E é em função dessa dupla carência que esses seres, tão
largamente abertos às modas, às ideologias e a todas as correntes da história
que no fundo não levam a nada, se refugiam automaticamente no individualismo
mais tacanho e cego quando se cogita das grandes questões concernentes à natureza
do homem e da sociedade: a profissão, a família, a pátria, a religião. Esse
jovem "insensível" que ostenta uma virilidade de fachada nos lugares
de diversão vive agarrado a seus pais e se comporta como um "eunuco"
diante das dificuldades da existência. Esse descabeçado que maneja o voltante
com a inconsciência da criança montada num carrinho de brinquedo dá mostra da
mesma fraqueza na vida real: dir-se-ia que ele enfrenta todos os riscos para
melhor fugir a todas as responsabilidades. E eu não quero evocar aqueles
franceses de ontem que, ajoelhados diante da Trindade do médio eleitor (carro,
férias, televisão), talvez se envergonhassem de ignorar o último filme de
Brigitte Bardot, mas se quedaram insensíveis diante da agonia física e moral de
seus irmãos da Argélia.
Essa afinidade entre a
violência vazia e a inconsciência frente às realidades nada tem que deva
surpreender-nos. Há entre a violência e a frouxidão uma diferença de grau e não
de natureza. Um pneu estufado não tem outra superioridade senão a de estar
cheio de vento. E o menor acidente exterior basta para pô-lo em evidência.
Assim, a violência cega e a frouxidão se revezam freqüentemente num mesmo
indivíduo, conforme os humores e as circunstâncias. São Pedro comprovou à sua
custa essa lei psicológica quando, após desembainhar a espada contra os servos
do Sumo Sacerdote, renegou miseravelmente seu Mestre...
Toda esta conversa não deve
ser interpretada como uma condenação absoluta e universal da violência sob
todas as suas formas. Santo Tomás nos ensina que o exercício do
"irascível" pode ser legítimo e benéfico na medida em que se obedeça
à razão. Doutro lado, a virtude da fortaleza implica, em certas circunstâncias
(educação das crianças, guerra justa, repressão da delinqüencia etc.) o uso da
violência. A violência sadia é aquela que pomos ao serviço do bem e que
dirigimos contra o mal. E, antes de tudo, contra o mal que está em nós;
enquanto a violência que nós exercemos sobre os outros é freqüentemente
negativa e maléfica. Não é por acaso que a expressão "violentar-se" é
quase sempre entendida num sentido favorável. É por aí que se precisa começar:
como poderemos nós modificar para melhor o que quer que exista no mundo e entre
nossos semelhantes, se não soubermos modificar-nos a nós mesmos?
Tal é o "caminho da
liberdade" que se abre aos jovens. Essa liberdade — tão exaltada em
palavras e tão achincalhada nos fatos — não se desenvolve nem pela anarquia
individual nem pelo mimetismo social, mas pelos esforços e sacrifícios que uma
obediência ativa às leis eternas exige. É necessário, com efeito, mais
liberdade para fazer o bem que para sucumbir ao mal, para afirmar um ideal que
para ceder a um impulso. O alpinista que escala uma montanha faz a cada
instante uma opção para não cair e concentra toda sua energia nesse objetivo,
mas absolutamente ele não tem necessidade de opção nem de energia para
deixar-se rolar no abismo.
E quanto aos jovens que
apreciam a luta e o risco e que sentem borbulharem dentro de si instintos
revolucionários, que eles se tranqüilizem: a solução que lhes propomos é a
menos confortável. Pois no mundo em que vivemos — neste mundo que tem por regra
o desregramento, em que os paradoxos se tornaram preceitos e os escândalos
convenções, em que as pressões sociais funcionam no sentido da destruição da
sociedade, em que as instituições repousam na violação das leis não escritas; —
diante dessa ordem estabelecida que é a negação da ordem eterna, eles
encontrarão facilmente a oportunidade para exercitar suas faculdades de
combate, pois o anticonformismo e o respeito aos comandos imutáveis vão hoje de
braços dados, e aquele que quiser obedecer à razão e a Deus encontrará mais
obstáculos e se exporá a mais perigos que aquele que delira com o seu século e
se ajoelha diante dos seus ídolos. Neste mundo transtornado, o combate mais
duro e o maior risco estão do lado dos defensores da ordem contra o caos e da
sabedoria contra a loucura.
Gustave THIBON. Juventude e violência. Publicado na Revista católica "Hora Presente", maio de 71.
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