segunda-feira, 28 de julho de 2014

DIGNIDADE HUMANA E REVOLUÇÃO CULTURAL

Nunca na história insistiu-se tanto na dignidade humana como fundamento do ordenamento jurídico e na primazia dos direitos inalienáveis da pessoa, mas é certo também que nunca na história da juridicidade como agora, esqueceu-se o interesse geral como limite desta.
Pretende-se construir uma doutrina personalista em que deforma-se sua dignidade reduzindo-a exclusivamente à liberdade, e esta, à ausência de coação; o desejo ou o apetite sem limitação seria fundamento do direito, portanto, dentro de tão “sui generis” personalismo a autonomia individual viria a ser o único valor fundante do ordenamento jurídico, sem importar a alteridade como elemento essencial do direito ou o cumprimento do dever e menos ainda o bem comum.
O direito de fazer valer como direito qualquer ato do querer estatal ou individual, embora às vezes seja limitado por razões de utilidade, seria o absoluto relativismo: todos podem fazer valer como direitos as coisas mais estranhas, contraditórias e até mesmo absurdas; teríamos que concluir, sem dúvidas, que a anarquia seria um direito. Encontramo-nos diante de um inexorável aviltamento sob pretexto da vigência de um novo dogma, ou melhor, de uma utopia batizada por alguns como o livre desenvolvimento de nossa animalidade, perfeita caricatura do verdadeiro desenvolvimento da pessoa, que sugere ao homem liberar-se, inclusive, de sua própria natureza, o que tem acarretado um acelerado processo de dissolução moral e de aviltamento coletivo que se não é freado acaba perdendo todo o sentido o conceito clássico de liberdade social como liberdade dentro de uma ordem. Ao final, virá a guerra de todos contra todos.
O exposto anteriormente não é, por acaso, o sustentáculo ideológico do direito ao porte de drogas para uso pessoal, ao suicídio, ao aborto, à união homossexual, à eutanásia, à eugenia, ao incesto, à maternidade incógnita, à zoofilia etc., reconhecidos por diferentes Tratados Internacionais e pela grande maioria dos ordenamentos jurídicos nacionais e justificados em nome dos novos dogmas laicos?
A tolerância, o pluralismo e a não-discriminação, ao que toda sociedade está sendo conduzida, já estão sendo implantados mediante os programas estatais pelo Ministério da Educação e da Saúde, ou através das decisões proferidas pela Corte Constitucional nas sentenças relacionadas ao livre desenvolvimento de nossa personalidade. Perdida a dimensão moral do Estado, este se converte em um claro promotor da desordem. É uma autêntica Revolução Cultural na qual o colégio aonde nossos filhos estudam, a empresa aonde trabalhamos, nossas famílias, a mentalidade, a política, a religião, a moral, o direito, em síntese, toda nossa vida, deverão se enquadrar a estes postulados “politicamente corretos”. Com grande agudez se lê no prólogo do texto "A Revolução Cultural, um 'smog' que envenena a família chilena": “Sim, uma revolução que penetrar como um smog em todos os ambientes, contaminando gradualmente leis e costumes, corroendo os princípios, eliminando as noções do bem e do mal e implantando uma nova moral ateia e relativista e que ademais prepara o clima jurídico e publicitário para que se persigam todos aqueles que oponham alguma resistência”.
Trata-se de um programa de desconstrução dos resquícios da sociedade de inspiração cristã, para impor um modelo relativista no campo ideológico e amoral nas condutas; seu fundamento doutrinário encontra-se em uma peculiar interpretação dos direitos humanos, fazendo total abstração do ensinamento da igreja e da índole cristã de nosso povo. Desde logo, tudo sendo executado pela ditadura dos tolerantes, os quais estão fazendo uma cirurgia social de grande envergadura, mutilando a raiz cristã de nossa sociedade e impondo um pansexualismo freudiano demolidor da família e de todas nossas tradições.
Sem titubear, Rodolfo Llopis, dirigente do PSOE (Partido Socialista Espanhol), nos anos da II República espanhola, reconhece a agenda que o socialismo elaborou sobre o tema: “Para mim não há revolução simplesmente por quê se leve a cabo uma mudança de regime político. Nem sequer há revolução quando junto com a mudança política ocorra uma mudança social. Para mim, o ciclo revolucionário não termina enquanto a revolução não se faça nas consciências... há que se apoderar das almas das crianças”.
 Depois viria – hoje experimentamos em nossa política – o que propunha o pensador italiano Antonio Gramsci: marxistizar o homem interior sem violência ou derramamento de sangue, não importa conquistar as ruas e cidades, o que se deve conquistar é a mentalidade da sociedade civil; sobretudo na América hispânica e no sul da Europa deve-se desconstruir todos os hábitos, os costumes e as instituições sociais aonde o catolicismo romano guiou mais profundamente o pensamento e as ações da generalidade das populações e isso tem-se cumprido ao pé da letra pelos organismos estatais e judiciais mencionados.
É necessário, no cumprimento dos objetivos da revolução cultural, modificar esta mentalidade, convertê-la no seu oposto em todos os seus detalhes, de modo que se transforme não simplesmente em uma mentalidade não cristã, mas em uma mentalidade anticristã. Tais metas estão sendo alcançadas por meio de uma revolução tranquila e anônima em nome da dignidade e dos direitos do homem e em nome da autonomia e da liberdade em relação às restrições exteriores.
A ideologia dos direitos humanos que impera na hora presente acaba potencializando a liberação absoluta do homem, de toda espécie de dominações e potestades, inclusive as constitucionais. Em sua origem, o homem liberal se torna independente não só dos reis e dos privilégios, senão basicamente de Deus, de sua lei e da religião; em seguida, das desigualdades materiais. Na hora presente busca nos liberar de todo limite à autonomia, começando por nosso corpo: é a primazia do corpo individual, à que a razão agora se submete. Hoje, os alvos favoritos da revolução cultural não são os quartéis militares ou as repartições públicas, como outrora ocorria, hoje como já foi dito, é a alma das crianças, em uma baldeação ideológica inadvertida que se produz de maneira imperceptível em toda nossa cultura. A tomada do palácio de inverno, dizia o próprio Gramsci referindo-se ao poder político, é o secundário, antes, devera se preceder a tomada da cultura. Nosso inefável Nicolás Gómez Dávila resume o exposto em uma de suas extraordinárias sentenças doutas ou escólios como popularmente são conhecidos: “A revolução só invade palácios previamente desertados”.


__ Alejandro ORDOÑEZ MALDONADO. El nuevo Derecho, el nuevo orden mundial y la revolución cultural, Revista Verbo (Madrid), n.431-432, Jan-Fev. de 2005, pp. 54-58.


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