A
pressão secularizadora produziu em nosso tempo consequências de desintegração,
tanto na pessoa como na família.
O
matrimonio se apresenta hoje estranhamente frágil entre aqueles que perderam o
sentido cristão da vida e inclusive o respeito a alguns princípios de ordem
superior, expressão da lei divina natural. É um fenômeno de patologia social essa
espécie de contagio tão disseminado nos últimos anos, que provoca absurdamente
– e inclusive por razões banais – a ruptura do vínculo conjugal, que por
instituição natural e divina é único e indissolúvel. E são degradantes e claro
sinal de retrocesso cultural, as uniões ou aparelhamentos de homem e mulher –
com formalidades cerimoniais ou sem elas – que desde o princípio carecem de um
animo de permanência e fidelidade. A dessacralização da instituição familiar –
cuja expressão legal é o divórcio, o matrimônio civil, ou a equiparação com o
matrimônio das meras uniões de fato – constitui, ao fim e ao cabo, um sinal de
crise do amor, que não pode considerar-se progresso senão involução. Esse amor
em crise, deteriorado, se envileceu ao tornar-se egoísta; se tornou mesquinho,
pequeno, e incapaz, portanto, de afrontar as provas e cansaços, os tédios ou
mudanças de humor que, cedo ou tarde, é fácil que apareçam na vida conjugal.
Sobre um amor egoísta, que não é generoso nem fecundo, não pode assentar-se a
estabilidade e felicidade do matrimônio e da família.
O
estigma da secularização sobre o indivíduo trouxe consigo consequências de
degradação da pessoa, que são particularmente agudas em algumas das sociedades
mais desenvolvidas do mundo contemporâneo. Estas consequências poderiam
resumir-se em uma só frase: a pretensão de “normalizar” o que é em si mesmo
perverso e aberrante. Não vale a pena estender-se demasiado neste ponto. Basta
evocar o grau de envilecimento a que chegou o mundo pagão da antiguidade, que
São Paulo descreve com traços impressionantes no primeiro capítulo da Epístola
aos Romanos. Basta recordar aquele protótipo humano que hoje se quer
ressuscitar e que o apóstolo, faz vinte séculos, denunciava cruamente com o
apelativo de “homem animal”. Mas nos vemos obrigado a fazer ainda menção de
alguns dos aspectos mais salientes que apresenta este processo de decadência
das sociedades modernas, que fez tábula rasa da Lei de Deus.
É
degradante e sinal de decadência de uma civilização a pretensão de “normalizar”
– inclusive no plano legal – as relações homossexuais, como reivindicam certos
“coletivos” – assim são chamados – que associam estas desditadas pessoas. E é
preciso proclamar aos quatro ventos que o homem secularizado se encontra cada
vez mais imerso em uma “cultura da morte”, da qual é autor, mas também vítima. A
“cultura da morte” pode ter sua primeira expressão moderna nos campos de
concentração da segunda guerra mundial; mas há que se ter o valor de reconhecer
que aquele foi apenas um ensaio, o primeiro capítulo de uma dramática história
que o homem secularizado seguiu escrevendo sem pausa nem propósito de emenda.
Recorde-se igualmente que, faz só um par de décadas, o aborto era considerado
na Espanha [e no Brasil], de modo praticamente unânime, como uma monstruosidade,
e que hoje, em virtude dessa “lavagem cerebral”, fruto da insistente propaganda
de poderosos meios de comunicação social, muitos já o consideram como coisa de “administração ordinária” e inclusive, quiçá admire, porque são apresentados
como heróis e heroínas, aqueles que, com sua violação das leis, quebraram o
“tabu” e abriram o caminho para a legalização das práticas abortivas.
A
“cultura da morte” começou a apresentar a eutanásia como uma deslumbrante
conquista que estão alcançando já, como “pioneiras”, as sociedades mais
avançadas e progressistas do mundo.
Não é
possível tampouco silenciar que, ante os olhos do homem secularizado, estão se
abrindo horizontes insuspeitos dos extremos a que pode conduzir a manipulação
antinatural da vida e que hoje estão ao alcance das possibilidades técnicas da
engenharia genética. No melhor dos casos – como escreveu com bom senso J.
Visser – é uma ironia, em um tempo em que se praticam milhares de abortos,
realizar “tantos e tantos gastos e esforços desnaturais para procriar uma vida
humana artificial que, por muito que seja desejada por um determinado casal,
apenas pode chamar-se fruto de seu amor”. Em sua inspiração mais profunda, a
pretensão última da engenharia genética pudera ser a criação de um homem – ou
de um híbrido de homem e animal -, que já não é a imagem e semelhança de Deus:
a fabricação de um monstro animado, pura criatura do homem.
___ José
ORLANDIS Rovira (1918-2010). “Hacia uma nueva
modernidad cristiana”, Verbo, Madri, n.
273-274, março-abril de 1989, pp. 536-555.
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