"O amor, o verdadeiro
amor tem um conhecimento penetrante, candente, fino, lúcido; tem um
conhecimento de ressonância profunda, de identificação, de conaturalidade. O
amor, o verdadeiro amor advinha, penetra, descobre, simpatiza, faz suas as
aflições do outro, dá ao outro suas próprias alegrias. É compreensivo. Mas não
é compreensivo no sentido que se dá a esse vocábulo, quando quer significar uma
tolerância que fecha os olhos. Não. O amor verdadeiro é compreensivo num
sentido maior, que não fecha os olhos, mas que também não fecha o coração. Vê
as falhas do outro, vê as misérias do outro, com uma generosa inquietação, com
uma piedosa solicitude. Mas vê. Vê com amor. Mas vê. E é nessa visão que ele
encontra as forças de paciência para os dias difíceis, e que se defende das
amargas decepções. A miséria, o defeito, a falha, apresentados pelo amor,
conservam sempre a dignidade do contexto em que foram apreendidos, sem sacrifício
da veracidade. Porque o amor é veraz; é verídico; é essencialmente amigo da
verdade. E como compete à razão guiar a alma nos caminhos da verdade, segue-se
com lógica irresistível que a razão é o piloto do amor. Mas há um amor que é
efetivamente cego; um amor que não é verídico; um amor que não é compreensivo;
um amor que não é transformante, e que não ressoa, que não simpatiza, que não
advinha, que é inimigo da verdade. É o amor-próprio. Cegueira voluntária, o
amor-próprio se compraz nas mentiras que agradam as paixões. Princípio de
divisão interna, o amor-próprio divide o homem de si mesmo".
___ Gustavo CORÇÃO. Amor,
casamento, divórcio, A Ordem, Fevereiro de 1952.
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