sexta-feira, 21 de março de 2014

UMA ORAÇÃO NO GULAG

“Entre minhas notas encontro agora um texto que deveria ter tido as honras de toda a imprensa francesa. Ninguém o mencionou; eu mesmo não saberia dizer em que obscuro jornal semi-clandestino foram reproduzidas estas linhas. Poderiam, todavia, figurar ao lado do artigo 58, como uma das páginas mestras para a profunda compreensão do mundo contemporâneo. As devemos a um companheiro de prisão de [Alexander] Soljenítsin. Em 1944, em um campo do Arquipélago, esse homem foi acometido por uma diarreia de pelagra, devido a subalimentação. Sem médico nem medicinas, a morte parecia inevitável. E relata:
“Nem eu nem nenhum de meus companheiros sabíamos de casos de cura. Fui conduzido ao pavilhão dos moribundos. Friamente eu calculava em minha mente o tempo que me restava de vida. Mas nem minha alma nem minha mente aceitavam o veredito final. No fundo eu estava convencido de que Deus salvaria minha vida.... Havia aprendido a rezar em minha infância. Mas, na época de que falo, não tinha nenhuma ideia do que fosse a meditação. A alcancei no curso de minha luta contra a doença. Escolhi o Pai Nosso, a maior de todas as orações, a que nos foi dada pelo próprio Salvador. Me coloquei a refletir sobre cada palavra do texto. Apesar da fatiga de meu espírito, pude chegar a conclusão de que esta oração contém a totalidade das maiores ideias do Cristianismo... Transcorreram quinze dias. Me dava conta da duração e do termo de minha enfermidade. A fome deixou de afligir-me. Mais de uma vez dava à outros minha porção de ‘rata’ (péssimo refogado de batatas ou de feijão), não reservando-me senão o pão duro que eu me impunha a comer. Não me dava vontade de fumar. Os dias passam. Eu rezo. Minhas forças decaem. A enfermidade permanece. Vinte, vinte e cinco, trinta dias transcorreram. Se colocaram a olhar-me como um caso excepcional. Trinta e cinco dias, trinta e seis, trinta e sete dias... Eu rezo a Deus, como um círio aceso para Sua Glória. No quadragésimo dia, acordo com uma sensação ‘de ser’ desconhecida até então. A diarreia se deteve, recobro as forças. As lágrimas brotam de meus olhos, lágrimas de gozo, de exaltação, de reconhecimento. Deus fez um milagre em favor de um pecador como eu. Ele me marcou, a partir de agora sou um soldado da Igreja”.

Hugues KÉRALY. Los Media, religión dominante, México: Editorial Tradición, 1978.

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